Os U2 foram a jogo e perderam

Songs Of Experience parece toldado por essa ansiedade de não quererem ser ultrapassados pelo tempo.

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Songs Of Experience parece toldado pela ansiedade dos U2 de não quererem ser ultrapassados pelo tempo

Bono costuma dizer que o pai, já falecido, estava sempre a dizer-lhe para não sonhar, dessa forma nunca se desiludiria. Ele, por reacção, fez o contrário e não parou de ter sonhos megalómanos. O pai era cínico acerca do mundo. Tinha medo. Estava sempre à espera do momento em que o filho iria falhar. Bono substituiu o medo pela fé, lançando-se de cabeça para alguns projectos.

Daí resultaram imensas experiências bem-sucedidas mas também algumas que não resultaram. Se substituirmos o nome de Bono pelo dos U2 não andaremos longe do mesmo diagnóstico. Os irlandeses são o tipo de grupo que tem de se pôr periodicamente em causa, não se limitando a uma calculista gestão de carreira, como tantas vezes é erradamente referido acerca deles e como acontece com a maioria dos grupos rock no seu patamar. Numa frase: poderiam limitar-se às digressões mundiais por estádios, onde nesse tabuleiro continuam a ser os mais relevantes, fazendo render a obra que poucos se importariam. A não ser os próprios.

Não espanta que passear pela discografia dos U2 seja vislumbrar bons, razoáveis e momentos pouco significativos. O seu 14º álbum vai parar directamente para este último grupo. Nos últimos cinco álbuns de originais, depois dos anos 1990, ou optaram por sintetizar a partir do interior o que já haviam feito (como em How To Dismantle an Atomic Bomb de 2004) ou procuraram diversificar através de estímulos exteriores (como em No Line on the Horizon de 2009). Dir-se-ia que o novo álbum recorre aos dois expedientes, mas fá-lo quase sempre de forma pouco inspirada.

Nem as canções que contém o tipo de apelo clássico, aquela música rock aditiva envolvida por uma vitalidade retemperadora, como em Love is bigger than anything in its way ou You’re the best thing about me, são particularmente memoráveis. Nem os temas onde se vislumbra que foram à procura de novas experiências como American soul (com Kendrick Lamar), Get out of your own way, onde parecem soar a Arcade Fire, ou Love is all we have left, com o manto atmosférico e a voz alterada digitalmente a evocarem Bon Iver, são totalmente convincentes.

Aquando da recente e magnífica digressão em torno do álbum The Joshua Tree (1990), em quase todas as entrevistas fizeram questão de comunicar que o gesto nada tinha de nostálgico e vendo-os ao vivo percebe-se que é mesmo verdade, com o novo ambiente sociopolítico conservador a conferir-lhes ainda mais razão. Mas é inegável que Songs Of Experience parece toldado por essa ansiedade de não quererem ser ultrapassados pelo tempo.

Os U2 não querem esconder-se atrás do que já conquistaram. Não se eximem de ir a jogo. Louve-se isso. Mesmo quando se perde.

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