Há um teste para detectar salmão transgénico e é português
Um salmão-do-atlântico com genes de salmão-rei e peixe-carneiro-americano foi vendido para consumo este ano no Canadá. Enquanto isso acontecia, cientistas portugueses desenvolviam um teste genético para desvendar se um salmão era transgénico ou não.
Este ano, o salmão transgénico começou a ser vendido no Canadá. Pela primeira vez, um animal geneticamente modificado estava a ser comercializado como comida no mercado. Mas esta decisão não foi consensual e grupos de ambientalistas e de retalhistas canadianos opuseram-se à venda, que nem precisou de rótulo para ser comercializado. Em Portugal, a observar tudo isto, estavam Filipe Pereira e a sua equipa, do Centro Interdisciplinar de Investigação Marinha e Ambiental da Universidade do Porto, que logo que este salmão foi aprovado para venda em 2015, neste caso nos Estados Unidos, pensaram: por que não fazer um teste genético para identificar se é transgénico? Assim fizeram e o seu teste para detecção de salmão transgénico é o primeiro a ser descrito e publicado numa revista científica.
O salmão transgénico de que falamos é o AquAdvantage e foi criado pela primeira vez pela empresa norte-americana AquaBounty Technologies. É um salmão-do-atlântico (Salmo salar) ao qual foi acrescentado um gene do salmão-rei (Oncorhynchus tshawytscha), uma espécie comum do Pacífico. Esse gene regula o crescimento das células musculares e faz com que o salmão cresça duas vezes mais depressa. Ainda se juntou um gene do peixe-carneiro-americano (Zoarces americanus), para que o seu crescimento não fosse só sazonal. Assim, o salmão transgénico pode chegar ao tamanho adulto ao fim de 16 a 18 meses, em vez dos normais 30 meses.
Depois de uma longa batalha, o salmão AquAdvantage acabou por ser autorizado para consumo pelas autoridades sanitárias dos Estados Unidos em Novembro de 2015. “É tão apto para consumo e tão nutritivo como os outros salmões não transgénicos do Atlântico”, referia a FDA, a agência federal que regula os medicamentos e a alimentação nos EUA em comunicado, nesse ano. Contudo, esse salmão ainda não é vendido no país. Já no Canadá, a autorização para venda foi dada em Maio de 2016 pela agência governamental Health Canada e a Agência de Inspecção Alimentar Canadiana. E, este ano, chegou ao mercado canadiano.
“Vendemos 4,5 toneladas no segundo trimestre de 2017 ”, diz ao PÚBLICO Dave Conley, representante da AquaBounty. Isto é apenas uma pequena fracção dos mais de dois milhões de toneladas de salmão-do-atlântico vendidos por ano em todo o mundo, segundo o jornal Financial Times. Dave Conley acrescenta ainda que neste momento o salmão transgénico não está à venda. E explica: “Fizemos apenas um teste de mercado porque temos uma produção limitada nas nossas instalações do Panamá de cerca de 30 toneladas por ano. Estamos a construir agora uma exploração de aquacultura para 250 toneladas no Canadá e a renovar uma de 1200 toneladas em Albany, nos Estados Unidos. A primeira produção dessas instalações deverá ser no quarto trimestre de 2019, se tudo correr de acordo com o calendário.”
Na verdade, tem sido difícil pôr este produto no mercado. Grupos de consumidores e de ambientalistas têm considerado que este salmão pode ser perigoso para a saúde, para outras populações de salmões e pedem mais transparência na venda do produto, como a sua identificação num rótulo. A empresa respondeu que os salmões são estéreis e que pode ajudar a reduzir a pesca excessiva e a pressão nos stocks de salmões selvagens. Já os retalhistas têm-se recusado a distribuir este salmão, nomeadamente três grupos que representam 50% da indústria de retalho alimentar no Canadá. Outros nos Estados Unidos também já deixaram claro que também não o querem vender.
Fora do mercado
Foi então esse salmão transgénico que os cientistas portugueses quiseram testar. O primeiro passo foi arranjar amostras desse peixe. “Cheguei a contactar a empresa, mas não me pareceu que estivessem interessados”, conta-nos Filipe Pereira. Então, seguiram por outro caminho e recriaram em laboratório uma molécula com uma parte do ADN que foi inserido no genoma do salmão-do-atlântico para o tornar transgénico. “A molécula permite validar o método genético cujo objectivo é detectar a alteração genética no salmão”, explica o investigador.
Depois, passaram então para o teste, que é uma adaptação da técnica normal de reacção em cadeia da polimerase (PCR), usada para amplificar fragmentos de ADN e obter grandes quantidades desta molécula em amostras pequenas. Isso permite assim detectar uma determinada região do genoma, que neste caso é a alteração genética que foi feita ao salmão.
“O nosso método detecta a sequência transgénica. Se tivermos uma amostra, o material vai então permitir detectar o material transgénico”, resume Filipe Pereira, que coordenou o estudo publicado na edição deste mês da revista científica Food Control, e que já está online desde Junho. Este teste permite assim perceber se um salmão é transgénico ou não e se um produto alimentar contém esse salmão. Pode ser usado por agências de segurança alimentar, laboratórios privados ou autoridades de um determinado país. “O teste é fácil de fazer num laboratório normal com equipamentos de genética”, refere o cientista, dizendo que por agora não está em contacto com nenhuma entidade para a sua utilização.
Este é o primeiro teste? “Não está descrito nenhum teste para este salmão de consumo humano”, responde.
Com tudo isto, quer dizer que o salmão transgénico está prestes a chegar à Europa? “Não temos planos para vender o nosso salmão em qualquer país na Europa”, garante Dave Conley. Caso um dia venha a ser possível, a legislação da União Europeia determina a obrigação de existirem métodos laboratoriais para detecção de organismos geneticamente modificados.
Agora, a equipa portuguesa quer contactar algumas entidades e associações nos dois países onde a venda destes salmões já foi aprovada para divulgar e vender o teste. Filipe Pereira indica ainda que planeiam desenvolver um novo método: “Este é específico para o salmão, queremos desenvolver um mais abrangente, que permita detectar elementos transgénicos que já foram usados no desenvolvimento de outros peixes transgénicos para consumo [mas que ainda não foram autorizados para venda].” Na lista estão peixes como a tilápia ou as trutas.