Pousem-se os copos de Mêda: em Janeiro, O Buraquinho pode fechar
Os gerentes do histórico estabelecimento receberam uma ordem de despejo, mas a integração na lista de lojas históricas protegidas do "Porto de Tradição" pode salvar os 90 anos d' O Buraquinho.
Há um quadro em azulejo que rouba a vista de quem desce as escadas de acesso àquela pequena cave. Vê-se um homem a segurar um copo de vinho, mas outros (e outras) fazem o mesmo no balcão e nas mesas d’ O Buraquinho. Há 90 anos que, na Praça dos Poveiros, a porta 33 é sinal de petiscos à portuguesa, sendo “um ponto para se beber o vinho da Mêda e para encontrar amigos”. Quem o diz é André Morais, “cliente assíduo”. Quase todos os dias desce aquelas escadas para, ao balcão, “beber o copo de Mêda e comer o bucho”. Um ritual que pode ter os dias contados.
André, de 40 anos, senta-se ao lado de gente de todas as idades, a “clientela diversificada” que agora entra no estabelecimento para provar os petiscos “portugueses e portuenses” que a casa tem para oferecer. A carta é apresentada por uma das gerentes, Marta Quitério, que há dois anos tomou conta “de um pesado legado” com Sérgio Costa, o seu sócio. Naquela “tasquinha” de 50 metros quadrados, há orelha de porco, tripa enfarinhada ou morcela para se provar, mas o negócio corre risco de fechar já em Janeiro próximo, depois de uma ordem de despejo enviada pelo senhorio.
A notícia surpreendeu os gerentes do espaço, que, em Março, receberam uma carta de renúncia de contrato. Desde então, tentaram negociar a actualização de renda com o senhorio, que, segundo Marta, “tinha dito tratar-se de um procedimento normal”. No entanto, e com o passar dos meses, as propostas dos gerentes para fixar um novo valor de arrendamento não se concretizaram. “Após muita negociação, o senhorio declinou e apresentou valores insuportáveis”, explica. Marta assegura que O Buraquinho “não tem facturação para aqueles valores, nem trabalhando a 200%”, uma vez que o espaço mantém os preços de há anos, ainda quando o estabelecimento era explorado por Artur Sousa, filho do fundador d’ O Buraquinho e o anterior gerente.
Marta diz que o negócio tem tido “um crescimento sustentável”, sendo que “cada vez mais turistas entram para serem desafiados pelos pratos apresentados”, acrescenta. A remodelação do espaço também teve o seu peso na nova vida do histórico restaurante, traduzindo-se num “investimento avultado”. No entanto, a gerência do estabelecimento espera conseguir integrar o restaurante no programa “Porto de Tradição”, projecto da Câmara do Porto para a protecção de lojas históricas.
“A candidatura foi enviada em Novembro passado”, explica a gerente, que aguarda os desenvolvimentos do processo. No entanto, e segundo o gabinete de comunicação do município, “só ontem [passada segunda-feira] foram apresentados os documentos necessários para a candidatura”, sendo que, “em Outubro, foi apenas apresentado o requerimento” para que O Buraquinho fizesse parte da lista de lojas protegidas.
No entanto, quem assume as rédeas do negócio ao lado não poderá candidatar-se ao programa - as lojas distinguidas pelo "Porto de Tradição" têm de ter, no mínimo, 50 anos, e esse não é o caso do Café Plaza, gerido há 23 anos por Serafim Ferraz e Salomé Nogueira, casal sexagenário. Naquele estabelecimento de 30 metros quadrados, que se estende para a esplanada onde param “muitos alunos e professores de Belas Artes”, mora a incerteza de quem não sabe o que o futuro reserva.
Ao contrário do negócio vizinho, “não houve reunião alguma com o senhorio para se falar do despejo ou das rendas”, explica Serafim. O encerramento está assinalado para “os princípios de Março de 2018”, mas, até lá, o casal não vê alternativas no horizonte para “aguentar mais dois ou três anos” até terem direito à reforma. “É complicado alugar agora um espaço para dois anos, com uma renda que possamos pagar”, explica o gerente. Contudo, Serafim quer que a situação se resolva “pacificamente, sem manifestações”. No caso d’ O Buraquinho, há uma petição que visa impedir o encerramento do espaço, e que já conta com quase 500 assinaturas online.
Contudo, há histórias mais felizes. Na reunião da Câmara do Porto da próxima quinta-feira deverá ser aprovado o reconhecimento da Livraria Moreira da Costa como “estabelecimento de interesse histórico e cultural ou social”, integrando assim a lista dos espaços protegidos no âmbito do programa Porto de Tradição.
A distinção da livraria foi alvo de reavaliação, depois de ter sido apresentada uma reclamação durante o período de 20 dias de consulta pública subsequentes ao anuncio da intenção de inscrever o local no Porto de Tradição. A reclamação terá sido apresentada pela The Fladgate Partnership, a dona do imóvel em que está instalada a antiga livraria e também o Hotel Infante de Sagres, que está a ser alvo de uma renovação. Contudo, depois de analisada a reclamação, os membros do grupo interdisciplinar que decide sobre o reconhecimento das lojas históricas, decidiu incluir a Moreira da Costa na lista dos espaços protegidos.