Ela não esquece caras. É a “super-reconhecedora” mais nova de sempre

Até há pouco tempo só se conheciam adultos com capacidades de reconhecimento facial fora do comum, que podem desempenhar funções na resolução de crimes. Do outro lado do espectro está a prosopagnosia, uma doença que faz com que os indivíduos sejam incapazes de distinguir rostos humanos.

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O reconhecimento facial é hoje possível através de dispositivos móveis, mas o sistema ainda é falível REUTERS/Kim Hong-Ji

Desde pequena que O.B. mostrava ter uma capacidade de reconhecer rostos humanos fora do comum: reconhecia pessoas na rua que só tinha visto uma vez na vida, identificava com facilidade quem aparecia por pouco tempo na televisão e lembrava-se da cara de pessoas que tinha visto quando era pequena, mesmo que tivessem mudado de aparência. O caso fez com que a sua mãe decidisse levá-la ao consultório de Sarah Bate, uma especialista na área do reconhecimento facial. Após uma série de testes, publicados no mês passado, os cientistas não tiveram dúvidas: O.B. não só é uma “super-reconhecedora” como é a mais nova que se conhece até hoje.

No estudo em que é partilhado o caso de O.B., uma adolescente com 14 anos na altura da investigação, é revelado que a rapariga tem “capacidades de reconhecimento facial extraordinárias” e muito semelhantes à dos adultos com este “dom” — indivíduos conhecidos como “super-reconhedores”. Nos testes de reconhecimento facial, O.B. conseguiu resultados bem superiores aos de outros adolescentes da sua idade e ao mesmo nível dos “super-reconhecedores” adultos.

Numa das tarefas, a equipa de investigadores apercebeu-se que O.B. passava mais tempo a examinar o nariz do que as outras 13 raparigas da mesma idade que participaram no estudo (à semelhança do que acontece com os adultos com a mesma capacidade de percepção). Esta estratégia de focar o olhar no nariz, na zona central da cara, explica Sarah Bate ao El País, “permite ver as características como um todo” e fazer um processamento mais lento mas mais completo, reunindo informação sobre a identidade de forma mais “eficaz e precisa”. Ainda que consiga reconhecer rostos facilmente, o mesmo não acontece com objectos, como carros ou casas.

O caso mereceu destaque na comunidade científica sobretudo por não ser comum alguém tão jovem conseguir identificar e reconhecer, de forma tão exacta, características faciais, o que prova que é possível existirem “super-reconhecedores” antes da idade adulta. Ainda assim, os autores do estudo (Rachel Bennets, Joseph Mole e Sarah Bate) admitem que as capacidades de reconhecimento da adolescente poderão ainda mudar até atingir a idade adulta.

Os “super-reconhecedores” como talismã policial

Do outro lado do espectro está a prosopagnosia, uma doença rara caracterizada por uma incapacidade de reconhecer e distinguir rostos, apesar de os indivíduos possuírem uma visão e um processamento cerebral da informação completamente normais. O célebre neurologista Oliver Sacks, que morreu em 2015 e também tinha esta dificuldade em reconhecer caras, escreveu o conto clínico O Homem que Confundiu a Mulher com um Chapéu, publicado em 1985, em que descreve o caso real de um paciente que sofria de prosopagnosia. Ao contrário do que acontecia até então com os casos dos “super-reconhecedores”, a prosopagnosia já tinha sido detectada em crianças (algumas delas com quatro anos).

As diferenças na forma como se percepcionam as caras têm sido atribuídas a uma variedade de factores genéticos, cognitivos, sociais e de personalidade. No caso de O.B., não existe nenhum outro membro da sua família que apresente a mesma capacidade de reconhecimento facial.

No estudo é referido que os “super-reconhecedores” podem ter um papel importante a nível de policiamento e de segurança interna. A própria autora Sarah Bate, da Universidade britânica de Bournemouth, é uma das responsáveis por ajudar a Polícia Metropolitana a encontrar (e recrutar) pessoas que consigam identificar rostos de forma precisa — o que pode ser útil na resolução de crimes, tendo em conta que os sistemas de inteligência artificial usados são ainda falíveis.

Em 2015, foi publicado um artigo na BBC em que era destacado o trabalho de uma equipa de “super-reconhecedores” que integra a polícia britânica. A equipa ajudou a resolver o assassínio de uma adolescente chamada Alice Gross, conseguindo identificar tanto o suspeito como a vítima em imagens de videovigilância com pouca qualidade, o que permitiu seguir o rasto do culpado e encontrá-lo — ainda que estivesse morto num aparente caso de suicídio.

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