Um ano que foi de A a Z
De A de adultério a Z de Zuma vai o ano dos incêndios, da seca, dos radicalismos, de novos passos de isolacionismo e hostilidade de Trump, do fim de grandes investigações judiciais, da crispação na geringonça, das muitas mudanças na banca, do fim do Daesh e da conquista da edição genética.
A
Adultério - O que pensam os juízes
“O adultério da mulher é uma conduta que a sociedade sempre condenou e condena fortemente (e são as mulheres honestas as primeiras a estigmatizar as adúlteras) e por isso vê com alguma compreensão a violência exercida pelo homem traído, vexado e humilhado pela mulher.” Esta foi uma das frases de um acórdão do Tribunal da Relação do Porto — que confirmou a condenação de dois homens a penas suspensas por violência doméstica — que fez estalar o debate. “Na Bíblia, podemos ler que a mulher adúltera deve ser punida com a morte”, acrescentava.
Tratava-se de um caso de violência doméstica, em que uma mulher fora agredida tanto pelo ex-marido como pelo ex-amante. Na agressão, fora usada uma moca com pregos. O juiz responsável, Neto Moura, já foi alvo de um processo disciplinar. Mas a grande consequência das suas palavras foi o debate que elas provocaram nos noticiários, nos jornais, nas ruas (“Machismo não é justiça, é crime”, ouviu-se nalgumas manifestações organizadas), em casa, sobre preconceitos e machismo, em geral, e sobre a formação dos magistrados, em particular.
Há dias, uma nova decisão judicial voltou a ser notícia. Um acórdão do Tribunal Judicial de Viseu dita que não é crível que uma mulher moderna e autónoma se sujeite a uma relação violenta. O recurso, que deu entrada no Tribunal da Relação de Coimbra, acusa o juiz Carlos de Oliveira de falta de isenção. Andreia Sanches
Afectos
Na Psicologia, afectos são sentimentos, simpatias. Na filosofia, segundo Espinoza, são mudanças que ocorrem simultaneamente no corpo e na mente. Na política portuguesa, são a forma como Marcelo Rebelo de Sousa exerce a Presidência, sobretudo junto do povo. Uma fórmula de sucesso que mudou o paradigma da política nacional.
Altice
Foi no Verão que a Altice, dona da PT, anunciou a intenção de comprar a Media Capital por 400 milhões de euros. O negócio está a ser analisado pela Autoridade da Concorrência, que tem em mãos pareceres repletos de alertas dos reguladores das comunicações e dos media quanto aos potenciais efeitos negativos no mercado.
Arquitectura
Uma década depois do anúncio do projecto, Matosinhos abriu a Casa da Arquitectura no reabilitado quarteirão da Real Vinícola. Apresentada como “o primeiro museu exclusivamente de arquitectura com arquivos e espaços de exposição no mesmo edifício”, a Casa tem o duplo desafio de se afirmar como Centro Português de Arquitectura, não descurando a colaboração com instituições congéneres, e de criar uma nova “Broadway” de cultura e lazer na cidade.
Árvore
Tinha acabado a missa. Uma multidão esperava, no Largo da Fonte, o início da procissão da Nossa Senhora do Monte, em honra da padroeira da Madeira. Por volta do meio-dia, um carvalho desabou da encosta e caiu. Morreram 13 pessoas e 49 ficaram feridas. Foi a 15 de Agosto. O Ministério Público abriu um inquérito, os resultados não foram ainda divulgados.
Ásia
Quatro dos cinco maiores bancos mundiais são asiáticos. Cinco dos dez países com maior penetração de smartphones são asiáticos. Silicon Valley continua a ser o maior ecossistema de investimento tecnológico, mas Pequim segue na segunda posição e Berlim foi chutada por Xangai do top-10. E pela primeira vez na história, a Ásia suplantou os EUA no investimento em startups (medido em dólares). Todos os indicadores mostram que Pequim, Seul e Xangai reforçaram o seu papel de catalisador tecnológico, pondo em causa a tradicional imagem da Ásia como uma região que vale pela cópia e pela mão-de-obra barata.
Autárquicas
As autárquicas de Outubro foram um bálsamo para o PS – apesar da derrota do PCP ter trazido dissabores à geringonça – mas foram um banho de água fria para o PSD, com Passos Coelho a sair de cena. Já para o CDS, há uma leitura dupla: Assunção Cristas consegue resultado histórico em Lisboa, mas o partido perdeu votos no país.
Autoeuropa
Parecia ser um ano auspicioso para a fábrica da VW por causa do novo modelo, o T-Roc, mas a realidade mostrou-se diferente. Depois de dois pré-acordos, articulados com diferentes comissões de trabalhadores, serem chumbados pelos funcionários (devido à questão de trabalhar aos sábados), a gestão decidiu avançar com um modelo laboral de forma unilateral, mas válido apenas até Agosto do próximo ano. A paz social na empresa não está garantida e as consequências não são previsíveis.
Avioneta
Agosto, dia 2, São João da Caparica, Almada. Uma aeronave mata duas pessoas em pleno areal, numa tentativa de aterrar de emergência: uma criança, de 8 anos, e um homem, de 56. O Cessna 152 tinha descolado do Aeródromo Municipal de Cascais às 15h42 para realizar um voo de treino. A bordo seguiam o instrutor, de 56 anos, e um aluno, que saíram ilesos.
B
Banca — Chineses, espanhóis e uma polémica
Foi um ano de grandes mudanças no sector da banca. A venda do Novo Banco, as mudanças accionistas no BCP e no BPI e um clima de polémica e dúvidas que teima em manter-se na Caixa Económica Montepio Geral, são disso exemplo.
No BCP a alteração resultou da tomada de posição dos chineses da Fosun através de um aumento de capital e da consequente passagem para segundo plano da Sonangol. Os chineses ficaram a controlar 25,16% do banco liderado por Nuno Amado e a Sonangol com pouco mais de 15%. Com os dois a controlarem 40% do banco, acabou o ciclo de muitos pequenos accionistas.
Também no BPI foi o capital angolano a dar lugar a um novo domínio, desta vez, espanhol. O CaixaBank, que já era o maior accionista lançou uma Oferta Pública de Aquisição e juntou aos 45,5% de capital que detinha, mais 39,11%, passando a dono e senhor, algo inédito na histórica do banco. Nesta compra estava a totalidade da posição da Santoro, de Isabel dos Santos. A instituição manteve-se cotada, mas saiu do PSI20. Quem também saiu da liderança executiva do banco foi Fernando Ulrich que passou a chairman. Antes, logo no início do ano, o BPI tinha vendido 2% do angolano BFA à Unitel, de Isabel dos Santos, cedendo o controlo da instituição à empresária.
Grandes mudanças houve também no Novo Banco que foi, por fim, vendido. O comprador foi o Fundo norte-americano Lone Star que, ao injectar 750 milhões de euros na instituição ficou com 75% do capital, mantendo-se o remanescente na posse do Fundo de Resolução.
Já no universo Montepio, o ano acaba como começou. Chegou a ponderar-se a mudança de nome da Caixa Económica para não haver confusões com o seu accionista, a Associação Mutualista. Mas o nome manteve-se e a associação mutualista voltou a deter a totalidade da Caixa Económica. Supostamente havia vários interessados em entrar no capital da Caixa, mas será a Santa Casa que terá de vir a fazer esse reforço. Só não mudaram as divergências entre o líder da Associação Mutualista e o presidente da Caixa Económica, já que Tomás Correia e Félix Morgado continuam sem se entender. Vitor Costa
Belém/São Bento, uma pedra no sapato
O eixo do poder político em Portugal tremeu na sequência dos incêndios de Outubro. Depois de mais de ano e meio a remar para o mesmo lado em mar tranquilo e com muitos sucessos como resultado da bonança, Marcelo Rebelo de Sousa e António Costa deixaram transparecer um significativo grau de desconfiança recíproco após 15 de Outubro.
Marcelo achou incipiente a resposta do Governo à segunda tragédia do ano e apresentou um caderno de encargos: mudança na equipa da Administração Interna, indemnizações a todas as vítimas (mortais e graves), reconstrução das casas, alteração do Orçamento para contemplar tudo isto e ainda a melhoria das respostas ao nível da prevenção e do combate aos incêndios.
O Governo fez saber que ficou chocado com o ultimato presidencial e o chefe de Estado respondeu que “chocado ficou o país” com a segunda tragédia. Foi em finais de Outubro e se desde então desapareceu o tom de confronto, ainda se nota algum ressentimento.
Em finais de Novembro, António Costa afirmou que o executivo não precisa de ser lembrado de que houve um problema para responder [incêndios] e sublinha que o seu Governo só depende da maioria "consistente e coerente no Parlamento" e não do Presidente da República. A caminhada a dois continua, mas cada um tem a sua pedra no sapato. Leonete Botelho
Bitcoin, a bolha
Ninguém sabe ao certo o que é a Bitcoin. Uma forma de pagamento digital? Um novo tipo de activo semelhante ao ouro? A concretização de um ideal tecnolibertário de um sistema financeiro descentralizado e fora do controlo dos Estados? Certo é que a “moeda” foi um dos temas quentes de 2017, chegando ao final do ano a valer múltiplas vezes mais do que em Janeiro e saindo definitivamente da semiobscuridade em que esteve durante quase uma década. Como forma de pagamento, a bitcoin não é eficaz, devido às grandes oscilações de preço e ao facto de o processamento das transacções ser demorado. Como plataforma tecnológica, a inovadora base de dados em que a bitcoin assenta, chamada blockchain, está a despertar o interesse de vários sectores – mas isso pouco tem a ver com a “moeda” em si. Já a qualidade enquanto activo para investimento parece ser uma questão de fé. A escalada de preço tem levado alguns a avisar para os riscos de uma bolha (entre estes, alguns economistas e parte do establishment financeiro). Outros correram a apanhar o comboio enquanto era tempo (desde pequenos investidores a especuladores institucionais). Arrastadas pelas bitcoins, uma série de outra “moedas” (a segunda mais conhecida é o ethereum) tiveram valorizações ainda mais astronómicas. No meio de tudo isto, algumas instituições financeiras tradicionais começaram a experimentar as águas. A incerteza sobre o que acontecerá nos próximos meses é grande e a pergunta está na cabeça de todos: vai a bolha estoirar? João Pedro Pereira
Blockchain
A tecnologia mais badalada em 2017 continua a ganhar tracção. Parte da culpa é da bitcoin, só possível graças à tecnologia que permite gerir activos virtuais, numa base partilhada, dispensando uma autoridade central. Mas é algo que a ultrapassa: banca, governos, logística e até a indústria dos conteúdos já perceberam que esta tecnologia pode ser adaptada a muitas actividades, com benefícios de eficiência e transparência, porque dispensa intermediários, tanto para empresas como clientes.
"Brexit"
As eleições de Junho mudaram a história do “Brexit” – May perdeu a maioria absoluta e, com ela, a autoridade para impor o seu rumo às negociações. Espartilhada entre eurocépticos e moderados demorou 6 meses a aceitar as exigências da UE para passar ao que realmente lhe interessa – um acordo de comércio.
C
Catalunha
Uns prometeram que haveria referendo, outros repetiram “nunca”. Votou-se, uns celebraram “votem”; outros mandaram a polícia e houve feridos — um ficou cego de um olho. Madrid aplicou o artigo 155: parte do governo autonómico fugiu, outros estão detidos. Os catalães vão voltar a votar (dia 21), ainda angustiados e divididos.
Cibercrime
Ransomware foi a palavra do ano, pelo menos durante o primeiro semestre. O número de ataques desta natureza – que leva os cibercriminosos a capturar dados privados de pessoas ou empresas e a exigirem um resgate (“ransom” em inglês). Os ataques NotPetya e WannaCry foram os mais graves em termos de extensão de danos, paralisando grandes entidades como o Serviço Nacional de Saúde britânico. A meio do ano, a quantidade de ataques com esta tipologia em termos mundiais equivalia já a 68% do número de ataques em todo o ano de 2016. E diz quem sabe que a “extorsão digital” será o maná dos cibercriminosos nos próximos anos.
Cova da Moura, o caso de racismo
O julgamento ainda não está marcado, mas quando começar terá 17 agentes da PSP sentados no banco dos réus. Em Julho, o Ministério Público (MP) formulou um despacho em que descrevia pontapés, socos, tiros, ofensas racistas, fabricação de factos - crimes cometidos contra seis jovens da Cova da Moura por, alegadamente, agentes da polícia. E, depois de recolhidas e analisadas as provas, foi peremptório: “De forma inequívoca e sem sombra de dúvida” concluiu que os factos descritos nos autos da polícia (onde se falava de uma tentativa de invasão da esquadra por parte dos jovens a 5 de Fevereiro de 2015) não se verificaram.
No julgamento não estará o 18.º elemento que chegou a ser acusado pelo MP por se ter entretanto provado que não estava na esquadra. Mas seguramente será passado em revista aquele dia 5 de Fevereiro: um jovem foi detido pela PSP na Cova da Moura, acusado de mandar pedras ao carro de polícia. Mais tarde, amigos seus foram à esquadra de Alfragide para saber o que acontecera e acabaram lá dentro. Um agente disparou para a perna de um. Ficaram detidos durante 48 horas. Mais tarde apresentaram queixa-crime por tortura. Independentemente do desfecho e dos desenvolvimentos, certo é que o carácter inédito desta acusação mantém-se: pela primeira vez o MP levou a julgamento quase uma esquadra inteira acusada de racismo. Joana Gorjão Henriques
Crânio
O mais antigo fóssil humano descoberto em Portugal é um crânio encontrado na gruta da Aroeira, no complexo arqueológico do Almonda, em Torres Novas. O achado remonta ao Verão de 2014. Após anos de análises ao velho osso datado de há 400 mil anos, num projecto coordenado pelo arqueólogo João Zilhão, o artigo científico que revelou a descoberta foi publicado em Março deste ano.
Crise nuclear, emergência de uma nova potência
Pela primeira vez, Pyongyang testou com sucesso mísseis intercontinentais e em Setembro fez explodir uma bomba de hidrogénio. Há dúvidas quanto à real capacidade para que o regime consiga realizar um ataque nuclear, mas a simples ameaça é suficiente para inverter as regras de um jogo perigoso. João Ruela Ribeiro
D
Daesh, o pós-califado
Num ano, o Daesh viu o seu sonho de “califado” desmoronar-se. Nada de surpreendente: em 2014, quando conquistaram cidades como Mossul e decapitaram americanos na Síria, sabiam estar a traçar o seu futuro. Entre Janeiro de 2015 e Junho de 2017, passaram de uns 90 mil km2 para 36 mil. Em Novembro, o Governo do Iraque declarou o seu país “livre do Daesh”; o Irão fez o mesmo na Síria, onde o grupo manterá perto de 14 mil km2. No mesmo ano em que o Estado Islâmico do Iraque e do Levante perdeu população e lucros (impostos, petróleo), reivindicou atentados que mataram milhares em França, Reino Unido, Bélgica, Alemanha, Turquia, Iraque, Síria, Jordânia, Afeganistão, Israel, Egipto, Arábia Saudita, Rússia, Bangladesh, Indonésia, Irão, Canadá e Estados Unidos. O Iraque não ficou em paz, a Síria muito menos. O mundo não está mais seguro. Abu Baqr al-Baghdadi morreu e não morreu várias vezes — os EUA não confirmam, os russos dizem que o mataram. Se em 2016 a liderança já dizia aos recrutas para se dirigirem a outros campos de batalha, como a Líbia, em 2017 muitos regressaram aos países de origem. Com ou sem Baghdadi, território ou bases, a ameaça não desapareceu. Ex-operacionais ou jovens em busca de pertença dirão agir às suas ordens. O Daesh até pode deixar de ser tudo o que conhecemos mas vamos continuar a ouvir este nome. Mais um, a juntar-se a Al-Qaeda, Al-Qaeda do Magrebe Islâmicos, Al-Qaeda da Península Arábica, taliban, Boko Haram, Shahab, Jammat-ul-Ahrar, Lashkar-e-Taiba ou Abu Sayyaf. Sofia Lorena
Desemprego
O desemprego continuou a sua trajectória descendente e, no final do terceiro trimestre, a taxa de 8,5% caiu para o nível mais baixo dos últimos nove anos. O emprego aumentou e permitiu recuperar os postos de trabalho destruídos durante a troika, mas para compensar as perdas dos últimos 15 anos a economia ainda terá de criar mais 369 mil empregos.
E
Economia, vida facilitada
Sempre que, em algum momento de maior pressão na opinião pública, o Governo precisou de boas notícias, a única coisa que teve de fazer, durante o ano de 2017, foi esperar que novos dados económicos ou orçamentais fossem divulgados. Nessa área, com a economia a crescer bem acima das expectativas iniciais e as metas do défice e da dívida a serem cumpridas, o ano dificilmente poderia ter sido mais favorável.
O bom desempenho tem a sua primeira explicação em meados de 2016. Foi aí que, depois de uma primeira metade do ano negativa, a economia arrancou de forma surpreendente. As exportações, com uma ajuda importante do turismo, dispararam, e o investimento iniciou uma recuperação convincente. Esse final muito forte de 2016 fez com que logo à partida, se começasse a adivinhar uma taxa de crescimento em 2017 superior aos 1,8% previstos pelo Governo no OE, uma vez que a variação do PIB iria beneficiar de um efeito base.
Essa expectativa mais do que se confirmou. No primeiro semestre o crescimento homólogo foi de 3% e, neste momento, Governo e outras entidades como o FMI ou a Comissão Europeia, esperam que, no total de 2017, a variação do PIB seja de 2,6%, um valor que, a confirmar-se, será o mais alto desde que Portugal entrou no euro.
Com estes resultados na frente económica, a vida ficou mais facilitada na frente orçamental. Com menos cativações do que no ano anterior, o défice deverá ficar, estima o Governo, ligeiramente abaixo da meta de 1,5% do OE e a dívida pública registará finalmente uma redução significativa de 130% para perto de 126% do PIB. Isso permitiu que, ancorado no défice de 2% de 2016, Portugal conseguisse sair do Procedimento por Défice Excessivo, apesar de continuarem a não ser cumpridas as regras referentes à redução do défice estrutural.
Do lado do Governo, afirma-se, os resultados obtidos são a prova de que a estratégia económica delineada, e que inclui uma maior velocidade na devolução dos rendimentos, está a funcionar. Para a oposição, a economia beneficiou essencialmente de uma conjuntura positiva, que deveria ter sido aproveitada para cortar ainda mais na dívida pública. Sérgio Aníbal
Edição genética
O jogo de “corta e cola” genes que pode reparar “erros” no nosso ADN avançou. Dois (de muitos) exemplos: uma mutação genética, associada a uma doença cardíaca hereditária, foi corrigida em embriões humanos; e mostrou-se que já é possível trocar todas as letras (e pares de bases) que fazem o nosso ADN. Apesar dos progressos, ainda estamos longe da prática clínica de uma técnica que, para uns, pode ser a “cura para todos os males” e, para outros, o fim da espécie humana como a conhecemos.
EMA
António Costa chegou a escrever na rede social Twitter: “O Porto oferece à EMA a melhor solução para a sua relocalização. A União Europeia aproveita esta oportunidade? Espero que sim.” Mas Amesterdão acabou por vencer a corrida para receber a Agência Europeia do Medicamento (EMA, no acrónimo inglês). A candidatura do Porto não passou da primeira volta.
Eurogrupo — o mérito com ajuda de contexto
Começou como uma aspiração revelada de forma tímida pelo Governo, foi ganhando credibilidade à medida que se ouviam em várias capitais elogios ao desempenho económico português e acabou por se tornar uma realidade quando, no momento decisivo, uma série de factores se combinaram. A verdade é que, para surpresa de muitos, no último mês deste ano, Mário Centeno, o ministro das Finanças de um governo de que mais de meia Europa desconfiava no início do seu mandato, foi eleito pelos seus pares da zona euro presidente do Eurogrupo.
Têm sido dadas várias explicações para este desfecho. Por um lado os resultados económicos e orçamentais conseguidos por Portugal em 2016 e 2017, que permitiram a saída do país do Procedimento por Défice Excessivo, fizeram de Mário Centeno um dos ministros das Finanças mais bem posicionados para assumir um papel de destaque na nova fase política que se inicia agora na zona euro. Para além de poder ser um exemplo daquilo que os países do Sul podem fazer, no Norte, e em particular na Alemanha, Centeno – “o Cristiano Ronaldo das Finanças”, segundo Schäuble – também é bem classificado como credível.
Depois, o tradicional equilíbrio de poderes na Europa fez com que se tornasse muito provável que o lugar de presidente do Eurogrupo continuasse nas mãos de um governo socialista, algo que na zona euro é um bem cada vez mais escasso. O Governo português tinha a este nível pouca concorrência.
Por fim, o contexto de discussão da reforma da zona euro entre Angela Merkel e Emmanuel Macron e de negociação de uma coligação governamental na Alemanha entre a chanceler e o SPD de Martin Schulz fez com que, para Merkel, a aceitação de Centeno se tornasse quase inevitável, mesmo sabendo que o ministro das Finanças português não partilha todas as ideias para a Europa do governo alemão.
À espera de Mário Centeno está agora uma tarefa difícil. Na Europa, vai ser colocado no centro de uma discussão sobre a reforma da moeda única que promete reacender divergências entre as várias capitais e forças políticas. Em Portugal, terá de saber gerir o descontentamento que os seus discursos como presidente do Eurogrupo podem vir a gerar nos partidos que à esquerda apoiam o Governo. S.A.
F
Fake News
É a palavra do ano para o Collins Dictionary, que a define: “informações falsas, muitas vezes sensacionalistas, divulgadas sob a aparência de notícias”. É muito mais do que Donald Trump diz frequentemente contra os media, desde a sua campanha eleitoral, por ser criticado. É uma mistura explosiva entre redes sociais, campanhas eleitorais, radicalismos e interesses externos.
Fizz — operação com um tabu
Está quase a fazer um mês que o conselho consultivo da Procuradoria-Geral da República se pronunciou, a pedido de António Costa, sobre se o ex-vice-presidente de Angola Manuel Vicente tem ou não imunidade que lhe permita não ser julgado em Portugal por ter supostamente subornado o procurador Orlando Figueira e o tabu mantém-se: continua a ser secreto o teor desse parecer, por o primeiro-ministro ter decidido não o divulgar.
A confirmar-se que se concluiu pela inexistência de semelhante privilégio, conforme avançou o comentador Marques Mendes, o parecer em causa abre a porta ao avolumar de hostilidades diplomáticas de Luanda sobre Lisboa. Até porque quando começar o julgamento da chamada operação Fizz, já em Janeiro, é possível que Manuel Vicente não venha a ser julgado em Lisboa à revelia, uma vez que as autoridades angolanas se recusam a notificá-lo da acusação de que foi alvo em Fevereiro passado, e que inclui, além de corrupção activa, branqueamento de capitais e falsificação de documento.
Nesse cenário, o seu processo será desapensado do processo principal em que responde Orlando Figueira e a justiça portuguesa poderá vir a ter de emitir um mandado internacional de detenção do antigo ex-vice-presidente — hoje deputado angolano — para finalmente o notificar. E não se ficam por aqui os estilhaços deste caso: para se defender das acusações de que recebeu contrapartidas para arquivar processos em que Manuel Vicente era investigado, Orlando Figueira implicou recentemente no caso o advogado Proença de Carvalho. Que já negou tudo. Ana Henriques
Flexibilidade
A “reforma” na educação entrou em vigor, ainda que a título de experiência, em mais de 200 escolas. E tem um nome: “flexibilidade curricular”. Permite, entre outras, que os estabelecimentos de ensino façam a sua própria gestão de até 25% da carga horária lectiva, que fundam disciplinas, que as tornem semestrais se quiserem. E nascem duas novas áreas: Cidadania e Desenvolvimento e Tecnologias de Informação e Comunicação.
Forte de Peniche
A Direcção-Geral do Património Cultural, o organismo do Estado responsável pelos museus nacionais, não costuma acrescentar novos museus à sua lista. A criação de um museu nacional ligado à resistência ao fascismo no Forte de Peniche – que passa a ser 15.º da lista – mostra quão rapidamente o Governo quis actuar para esvaziar a polémica que surgiu à volta da possibilidade de instalar um hotel no local que guardou uma das mais tristemente célebres prisões do Estado Novo.
Foz Côa
Depois de os cortes às fundações no Governo de Passos Coelho terem deixado a Fundação Côa Parque em estado comatoso, o executivo socialista também tardou a resolver o problema, mas a vandalização de uma das mais icónicas rochas gravadas do parque arqueológico, dita do Homem de Piscos, ajudou a recolocar o Côa nas prioridades do Ministério da Cultura.
Francisco George
Foram 44 anos de serviço público, 12 dos quais à frente da Direcção-Geral da Saúde. Trabalhou com vários ministros. Viu vários partir. Ele ficou. E marcou a forma como se comunica a saúde e a doença à população. A 19 de Outubro deixou o cargo. A 20 falou a uma plateia vasta de amigos, colegas, muitos ex-governantes, na reitoria da Universidade Nova de Lisboa. A 21 completou os 70 anos de idade — o limite que a lei impõe para a aposentação obrigatória. Mas não parou: em Novembro assumiu os destinos da Cruz Vermelha Portuguesa.
G
Geringonça
As autárquicas faziam prever um acentuar do nervosismo entre o PCP e o PS na sua relação de poder, em plenas negociações para mais um Orçamento do Estado. Mas a maioria de esquerda sobreviveu a estas duas provas. Não sem que durante o processo tenha havido um acentuar da disputa entre o PCP e o BE e um aumentar das exigências dos dois partidos perante o Governo.
Gestação de substituição
Chamam-lhes “barrigas de aluguer”, mas a lei portuguesa que as enquadra — em vigor desde 1 de Agosto e só para situações excepcionais, como a ausência de útero — impede qualquer troca de dinheiro. Até agora, chegaram ao Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida cerca de 100 manifestações de intenção de celebração do contrato de gestação de substituição (58 de portugueses e 41 de estrangeiros). O primeiro bebé deverá nascer em 2018.
Governo
Houve um Governo até Pedrógão, a 17 de Junho, e outro a partir daí, acossado por casos a que nem os bons resultados económicos e a ausência de oposição retiraram impacto, como o Galpgate, Tancos e fogos de Outubro. Alguns ditaram as cinco remodelações em dois anos, 15 saídas, 25% do Governo. E quando Costa parece estar a recuperar o mojo, o Governo embate ou cria novos problemas, como a Legionella e a Raríssimas ou o focus group do segundo aniversário.
Greves — acabou a paz social
Houve greves de médicos, de enfermeiros, de técnicos de diagnóstico e terapêutica, de professores, de guardas prisionais... Houve greve nas cantinas escolares, greve dos trabalhadores não policiais do SEF... Houve greves nacionais, regionais e de zelo. 2017 foi um ano com muitas greves, de muitos tipos, e muitas ameaças de... Procuradores e juízes também disseram que iam parar, mas não pararam - os juízes acenaram mesmo com a possibilidade de fazer greve ao serviço de validação dos resultados das eleições autárquicas. Não aconteceu. Mas continuam a exigir uma “discussão por inteiro” do seu estatuto.
Já os médicos argumentaram que o ministro da Saúde “não foi sensível aos problemas” dos profissionais nem aos problemas do SNS. Pretendem uma redução das listas de utentes por médico de família, menos horas semanais no serviço de urgência, uma revisão da carreira e das respectivas grelhas salariais.
Em Novembro, os professores conseguiram uma união pouco habitual no sector: todos os sindicatos convocaram greve para o mesmo dia. Objectivo: garantir que com o descongelamento das carreiras venha também a contagem do tempo de serviço que esteve congelado durante anos, para efeitos de progressão. “O tempo de serviço não se negoceia, conta-se”, dizia o líder da Fenprof, Mário Nogueira, antes do protesto. E o ano acaba com este tema na agenda política. A.S.
H
Hepatite A
Estávamos em Março e o então director-geral da Saúde, Francisco George, dava conta de que havia um surto de hepatite A em Portugal e noutros países relacionado com chemsex — o nome vem do inglês “chemical sex”, refere-se no essencial a festas com sexo e drogas. A associação do surto a estas práticas foi alvo de críticas de alguns sectores e não se falou mais disso. De Janeiro a Novembro foram notificados 530 casos de Hepatite A.
I
Iémen, inferno esquecido
Todos os terrores andam à solta no Iémen: guerra, fome, doença e morte. Ali grassa uma guerra que o mundo prefere esquecer, criando a pior crise humanitária do mundo. É uma guerra em que a Arábia Saudita enfrenta o rival Irão num país terceiro. Os fornecimentos de comida, saúde, redes de esgotos e água são bombardeados, tornando impossível a vida.
Incêndios — a maior tragédia de sempre
O nome da pequena vila de Pedrógão Grande vai ficar gravado como sinónimo da maior tragédia do país em democracia. A história dos incêndios deste ano não se conta em números, mas são eles que mostram a dimensão da catástrofe que começou em Junho, com o incêndio que devastou a zona dos concelhos de Pedrógão Grande, Castanheira de Pêra e Figueiró dos Vinhos, que passou também por Mação, Proença-a-Nova ou Alvaiázere e desembocou numa nova tragédia já em Outubro, que desfez em cinza 44 concelhos.
2017 ficará marcado pela morte de mais de cem pessoas, vítimas do fogo e fumo e pelos mais de 300 feridos, alguns deles ainda hospitalizados em Portugal, mas também em Espanha. A tragédia abanou o país, queimou mais de 442 mil hectares de floresta e levou a que algumas mudanças acontecessem, mas ainda sem resultados finais. Houve respostas e relatórios, pedidos de consenso no Parlamento, há inquéritos judiciais já com arguidos constituídos por homicídio por negligência e ofensas corporais por negligência. Houve consequências políticas, com a demissão da equipa do Ministério da Administração Interna então liderada por Constança Urbano de Sousa, houve um safanão na Autoridade Nacional de Protecção Civil com a saída do então comandante nacional Rui Esteves, este na sequência do escândalo da sua licenciatura, e há promessas de mudanças na prevenção e combate a incêndios. Esta revolução apenas começará em 2018, mas a promessa é que de nada ficará como dantes, para que não volte a acontecer o que não deveria ter acontecido. Liliana Valente
Infarmed
Foi “muito mal comunicada”, já reconheceu o ministro da Saúde, mas foi assim. Na ressaca da notícia de que o Porto não ganhara a candidatura europeia para receber a sede da Agência Europeia o Medicamento, soube-se que a sede do Infarmed ia mudar de Lisboa para o Porto. Os trabalhadores foram informados no dia em que a notícia veio a público. E só 20 disseram estar dispostos a mudar (em mais de 300).
Isabel Mota
O dia 3 de Maio foi importante na vida de Isabel Mota, mas também na da Gulbenkian: foi o dia em que esta economista se tornou a primeira mulher a presidir à fundação. A primeira em 60 anos. Fê-lo prometendo uma gestão prudente dos recursos e reforçando o compromisso com os mais vulneráveis de uma sociedade em que a cultura deve ser vista como instrumento da coesão e da tolerância.
J
Jogos Olímpicos
O Comité Olímpico Internacional decidiu impedir a participação da Rússia nos Jogos Olímpicos de Inverno, que se vão realizar em 2018, em Peyongchang, na Coreia do Sul. A medida é a resposta ao plano estatal de doping de atletas russos para os Jogos de 2014, em Sochi, revelado por Grigory Rodchenkov, director do laboratório da agência de antidopagem russa. O castigo, pesado e inédito, quer ser visto como exemplar e capaz de dissuadir futuras tentações.
José Eduardo dos Santos
Mal saiu do poder, a teia familiar que dominava os meios de produção e as decisões políticas de Angola começou a ser desfeita. Conseguirá João Lourenço dar aos angolanos mais do que o ânimo e optimismo que a sua chegada à presidência gerou?
L
Legionella — haverá culpados?
A última vítima foi um homem de 87 anos, que estava internado no Hospital Egas Moniz, em Lisboa. Morreu já este mês. Mas o surto de Legionella do Hospital São Francisco Xavier fez mais cinco mortos. Mais de meia centena de pessoas ficaram doentes.
O primeiro caso foi notificado a 31 de Outubro. “É preciso apurar o que se passou”, disse Marcelo Rebelo de Sousa quando morreram as primeiras duas pessoas, no início de Novembro. A 7 desse mês o Ministério Público disse que ia investigar. Uma semana depois, o ministro da Saúde Adalberto Campos Fernandes pediu desculpa às vítimas (havia então já cinco mortes a lamentar). “O Governo acompanha a posição de que os utentes são credores de um pedido de desculpa do hospital, das empresas que tinham obrigação de fazer vigilância, da Administração Regional de Saúde e de mim próprio, que tutelo a área”, disse no Parlamento. O ministro do Ambiente anunciou, por seu lado, que estava em preparação nova legislação com regras mais apertadas e fiscalizações a partir do início do próximo ano.
Deficiências na manutenção da torre de refrigeração do hospital terão estado na origem do surto, de acordo com o que até agora foi tornado público pelas autoridades de saúde. Mas a empresa responsável pela manutenção das torres de refrigeração já recusou qualquer responsabilidade. Chegará a haver culpados? A.S.
Liderança do PSD
Foram as autárquicas que mudaram todo o cenário do PSD: um líder que seria provável recandidato ao cargo e um desafiador Rui Rio. A derrota eleitoral levou Passos Coelho a desistir de ir a jogo e acabou por ser o ex-primeiro-ministro Santana Lopes a assumir-se como candidato frente ao antigo autarca do Porto.
Limpeza étnica
O êxodo dos rohingya, perseguidos pelo Exército birmanês, para o Bangladesh fez o mundo acordar para o drama desta minoria muçulmana. Os militares são acusados de incendiarem aldeias inteiras, violarem mulheres e matarem civis indiscriminadamente, perante o silêncio de Aung San Suu Kyi.
M
Macron — o fenómeno
Emmanuel Macron foi o homem-relâmpago da política francesa e europeia. Partiu do nada para conquistar a presidência francesa, destruindo a esquerda socialista e a direita tradicional no seu país, e tornou-se o rosto da unanimidade na Europa Ocidental, um verdadeiro “salvador” da UE. É o internacionalista anti-Trump, que defendeu o Acordo de Paris e respondeu, em inglês, no Twitter, ao Presidente norte-americano, quando este anunciou a saída dos EUA do Acordo de Paris para as alterações climáticas. Macron tem-se esforçado para levar a França para o centro do palco mundial, tentando assumir uma parte do espaço deixado vazio pelos Estados Unidos em recuo. Propôs múltiplas reformas na UE, uma força militar anti-jihadista no Sahel. Mas as dificuldades em formar governo de Angela Merkel, a sua aliada fundamental, não o estão a ajudar. O facto de a atenção europeia ter ficado capturado pela novela do “Brexit” também é um problema para Macron. Em França, pôs em acção múltiplas reformas, inicialmente com tiques de monarca absoluto – não dava entrevistas, distanciava-se do público, dos jornalistas –, o que fez com que a sua popularidade desse um mergulho de cabeça. A partir de Setembro, mudou de atitude, e a popularidade começou a subir. “Os eleitores sentem que ele age, está a mudar a França, cumpre promessas eleitorais, e começou a subir dois pontos por mês”, explicou ao Le Monde Brice Teinturier, director do instituto de sondagens Ipsos. Além de ter destruído a oposição, à esquerda e à direita. Clara Barata
Médio Oriente — muito mais que Jerusalém
Numa região com raros tempos de acalmia, o ano de 2017 ficou marcado por vários acontecimentos extraordinários, golpes ousados que falharam com estrondo, a maioria ligados ao avanço da Arábia Saudita na sua disputa com o Irão pela hegemonia no Médio Oriente.
O ano termina com o que ameaçou ser um regresso do conflito israelo-palestiniano ao centro das atenções: o reconhecimento, pelo Presidente norte-americano, Donald Trump, de Jerusalém como a capital de Israel. Apesar da condenação internacional, esta acção de Trump parece ter ficado aquém de consequências sísmicas – a capacidade de mediador dos EUA ficou, no entanto, comprometida.
Mesmo uma acção desta magnitude ficou ensombrada por outros acontecimentos do ano. Um dos mais marcantes foi aquele em que o primeiro-ministro do Líbano, Saad al-Hariri, anuncia a sua demissão a partir de Riad, levantando suspeitas, e o Líbano, país-mosaico extremamente dividido, une-se a pedir o regresso de Hariri. Que volta e reverte a sua demissão, uma derrota para a influência de Riad na região, uma vitória para o movimento xiita Hezbollah e para o peso do Irão no país.
Enquanto a Arábia Saudita avança com ousadia, em acções como o boicote ao Qatar ou na intervenção militar no Iémen, uma atitude tido como iniciativa do jovem príncipe herdeiro, Mohammed bin Salman, e com o beneplácito maior ou menor dos aliados norte-americanos, há outras movimentações. Há a ameaça rotineira de Trump romper o acordo nuclear com o Irão. E há quem esteja à espreita: a Rússia de Vladimir Putin, fortalecida pela sua intervenção na Síria. Maria João Guimarães
Mexia
O presidente executivo da EDP é um dos nove arguidos numa investigação por corrupção aos contratos de remuneração garantida da eléctrica. O tema marcou 2017 e promete dar que falar em 2018. Na agenda também está a renovação, ou não, de mais um mandato deste gestor à frente da empresa.
N
Nuclear
O ano começou com Portugal a entregar à Comissão Europeia uma queixa contra Espanha pela decisão de construir um armazém de resíduos nucleares na central de Almaraz, sem avaliar o impacto ambiental transfronteiriço. O debate estalou. Meses depois o Governo acabou por suspender a queixa e chegou a acordo com Espanha. Mas muitos continuam a exigir apenas isto: que a velha central encerre.
O
Ondas gravitacionais — da teoria à certeza
Em apenas dois anos, as ondas gravitacionais passaram de uma proposta teórica com um século de existência, da autoria de Einstein, para uma certeza, já detectada cinco vezes até agora e consolidada com o Prémio Nobel da Física de 2017.
Foi em Setembro de 2015 que a passagem de uma onda gravitacional pela Terra foi captada pela primeiríssima vez (um momento histórico), com instrumentos hipersofisticados nos EUA. As ondas gravitacionais são pequeníssimas ondulações provocadas no tecido do espaço-tempo do Universo, à semelhança do que ocorre quando se atira uma pedra para um lago. As ondas gravitacionais que passaram pelo nosso planeta foram originadas por objectos com imensa massa: buracos negros em colisão e, na quinta detecção, duas estrelas de neutrões também em colisão. E foi este último fenómeno, anunciado em Outubro deste ano, que veio tornar a novíssima era da astrofísica das ondas gravitacionais ainda mais entusiasmante.
É que se não conseguimos observar directamente os buracos negros, a não ser pelos efeitos que causam na matéria à sua volta, a luz das estrelas de neutrões (um pouco menos monstruosas do que os buracos negros, mas ainda assim monstruosas), já se consegue ver com telescópios, em várias bandas do espectro electromagnético, como raios gama, raios X, luz visível e infravermelhos. Por isso, houve aqui vários aspectos inéditos: foi a primeira vez que se observou duas estrelas de neutrões a colidir e que se relacionou a origem de uma onda gravitacional com a origem de várias ondas electromagnéticas. Portanto, “vimos” um fenómeno astronómico tanto pela luz que emitiu como pelas ondulações que propagou pelo tecido do espaço-tempo. Que novidades nos trarão estas ondas em 2018? Teresa Firmino
P
Panteão — não é só um jantar
Oscilando entre a euforia do aumento de visitantes e as críticas à absoluta falta de estratégia para o sector, o património protagonizou muitos dos debates que envolveram a Cultura no último ano: da falta de vigilantes que obrigou o Museu de Arte Antiga a fechar 80% das salas, à fogueira autorizada no claustro do Convento de Cristo, passando pela mudança da arqueologia náutica para uma nova casa, que parece ainda muito longe. Mas só um destes debates – o que envolveu um jantar da Web Summit no Panteão Nacional – se transformou num caso político. Porquê? Porque foi o único em que o primeiro-ministro decidiu participar, classificando como “absolutamente indigna” a utilização do monumento para tal fim. E tendo falado o chefe de Governo, o ministro da Cultura anunciou de imediato que as regras do aluguer de espaços patrimoniais aprovadas pelo anterior governo iriam mudar.
Ainda que reconhecendo a carga simbólica do Panteão (onde só este ano se fizeram três jantares…), apetece perguntar por que razão não se indignou António Costa quando, a pretexto da rodagem de um filme no Convento de Cristo, património da humanidade há 35 anos, foram instaladas no seu interior 42 bilhas de gás, destinadas a alimentar uma fogueira com 12 metros de altura?
Nesta discussão sobre o aluguer de monumentos não faltará quem ache que a pressão sobre os respectivos directores para fazerem receita com privados seria menor se o património recebesse do Orçamento do Estado uma fatia mais generosa, nem quem defenda que a revisão das regras é uma boa oportunidade para aumentar a tabela de preços. Lucinda Canelas
Papa
O Papa Francisco foi a Fátima (foi o quarto Papa a fazê-lo) a 12 e 13 de Maio e canonizou os pastorinhos, Francisco e Jacinta. Segundo estimativas do Vaticano, cerca de 500 mil fiéis assistiram à homilia que encerrou a peregrinação à Cova de Iria. Por causa da sua visita foi montada uma das maiores operações de sempre realizadas em Portugal, coordenada pelo Sistema de Segurança Interna.
Precários
Foram identificados mais de 116 mil trabalhadores com vínculos temporários na máquina do Estado e 2017 marca o início de um processo de regularização que quando muito irá abranger um quarto destas pessoas. Neste momento, estão a ser avaliados cerca de 33 mil requerimentos de trabalhadores que dizem estar a assegurar funções permanentes sem o vínculo adequado. A integração dos que passarem nesta avaliação será feita em 2018.
R
Recomposição
Após três dias de rondas negociais, com a última a estender-se até às cinco da manhã de um sábado, os sindicatos de professores conseguiram ter um compromisso por parte do Governo de que o tempo de serviço prestado durante o período de congelamento das carreiras seria contado para efeitos de progressão. O texto do acordo (as negociações estão a arrancar este mês) fala três vezes de “recomposição da carreira”. Os sindicatos dizem que isso só tem a ver com a contagem do tempo, o Governo já disse que espera que ninguém se furte e discutir seja o que for, incluindo a estrutura da carreira.
Rendas da energia
Divulgado em Setembro, o cálculo feito pela ERSE de quanto é que os consumidores vão pagar à EDP nos próximos dez anos pelos contratos de remuneração conhecidos por CMEC difere em cem milhões de euros das contas da eléctrica, que esperava receber 256 milhões, mas vai receber apenas 154. O litígio judicial está à vista.
Reformados
A alteração ao regime da reforma antecipada é uma das medidas emblemáticas de 2017. Num primeiro momento são abrangidos os trabalhadores com longas carreiras contributivas que pedem a reforma antecipada e que estão livres do factor de sustentabilidade que lhes retirava 14% ao valor da pensão. Também em 2017, foi decidido um aumento extra para as pensões mais baixas.
Rui Moreira
Feitas as contas, o presidente da Câmara do Porto há-de olhar para 2017 como um bom ano. Rompeu a parceria que mantinha no executivo com o PS e não perdeu nada com isso. Irritou-se com o escrutínio ao processo Selminho, mas os eleitores não o penalizaram e acabou por vencer as eleições com maioria absoluta. Do lado das perdas, há-de contabilizar a EMA, mas talvez venha a receber o Infarmed como compensação.
S
Salvador Sobral. O futuro e ele
Salvador Sobral era um cantor de óptimo timbre e com uma expressividade e sensibilidade no canto que prenunciavam, no mínimo, uma carreira interessante. Assim foi até entrarmos em 2017. Para tal apreciação, nessa altura, valia a estreia a solo “Excuse Me”, as colaborações nos meandros do jazz e os elogios daqueles com quem colaborava. Esquecida estava a passagem por um concurso televisivo caça-talentos na adolescência, mas seria precisamente na televisão que se tornaria figura incontornável do ano que agora termina.
Primeiro, a vitória no renovado Festival da Canção da RTP. Depois, à medida que a sua interpretação de “Amar pelos dois”, a canção composta pela irmã Luísa Sobral, foi fazendo caminho Europa fora com a sua rica simplicidade, algures entre banda-sonora do cinema clássico e balada MPB, começou a parecer possível o que nunca acontecera antes. No fogo-de-artifício todo ele excesso da Eurovisão, Salvador Sobral, cabelo em desalinho, mãos desenhando versos no ar, destacou-se naturalmente. Tanto que, na noite de 13 de Maio, em Kiev, aconteceu o que nunca acontecera antes: “Amar pelos dois” foi a canção mais votada e Portugal ganhou pela primeira vez a Eurovisão.
Salvador Sobral tornou-se num ápice um dos músicos mais seguidos do país mas, avesso ao jogo mediático da celebridade, continuou como se a Eurovisão tivesse sido uma mera curiosidade no seu percurso. Apresentou o seu disco a solo numa digressão que percorreu o país, mostrou-se nos Alexander Search, que recuperam a poesia em inglês de Pessoa, e resguardou-se enquanto tratava o grave problema de saúde que atravessou. 2017 foi o ano em que entrou na história da canção portuguesa. O futuro será o que quiser fazer dele, com a certeza, porém, de que não mais deixará de ser o Salvador Sobral de "Amar pelos dois". Mário Lopes
Seca. Não só uma questão de água
Um ano seco e quente, e um Verão e um Outono com temperaturas acima do habitual. A chuva ficou 30% abaixo do normal. Consequências: rios com pouco caudal, barragens com as reservas em mínimos, milhares de animais sem água e populações a serem abastecidas com camiões-cisterna. 2017 foi um ano de seca.
No final de Novembro, o Instituto Português do Mar e da Atmosfera revelava que 97% do território nacional encontrava-se ainda em seca severa e extrema, sendo o 8.º mês consecutivo nesta situação. E a chuva, com alguma quantidade, só chegou em meados de Dezembro. O Outono de 2017 (Setembro, Outubro e Novembro) foi, aliás, o 2.º mais seco desde 1931 (depois de 1971) e o 5.º mais quente desde 2000.
Aos portugueses pediu-se que poupassem água, que evitassem consumos excessivos ou desnecessários. Pelo país, fecharam-se piscinas, fontes e a limpeza das ruas foi reduzida ao essencial. Tudo isto teve também importantes consequências no Orçamento do Estado, com o Governo obrigado a despesas inesperadas. A alimentação dos animais acabou por se revelar o maior e o mais dispendioso problema, com o Executivo, apoiado pela União Europeia, a distribuir cerca de 540 milhões de euros em ajudas aos produtores mais afectados.
O Ministério da Agricultura colocou também de forma gratuita cinco mil toneladas de ração à disposição dos produtores pecuários das regiões mais afectadas pelos incêndios e seca. Foram igualmente distribuídas aos apicultores 102 toneladas de açúcar para alimentar as abelhas destas regiões. E como vai ser 2018? Segundo os meteorologistas, o ano que agora vai entrar poderá ser um novo ano de seca. Luciano Alvarez
Sem-abrigo
Há um ano, Marcelo desencadeou uma acção pública de lobbying presidencial para forçar o Governo a rever rapidamente a estratégia nacional de combate ao fenómeno. Visitou instituições, serviu refeições na rua e nas cantinas sociais, sentou-se no chão ao lado deles, vendeu revistas Cais, promoveu reuniões. O governo foi atrás e aprovou o plano bienal.
Sócrates
O despacho final da Operação Marquês foi conhecido em Outubro, quase três anos depois de o ex-primeiro-ministro José Sócrates ter sido detido, tendo ficado em prisão preventiva cerca de nove meses. O Ministério Público acusa-o de 31 crimes, incluindo três de corrupção passiva e 16 de branqueamento de capitais. No total, são acusadas 19 pessoas singulares e nove empresas, incluindo o ex-banqueiro Ricardo Salgado, os gestores Henrique Granadeiro e Zeinal Bava e o fundador do Grupo Lena Joaquim Barroca.
T
Tancos
O presidente da Assembleia da República considerou “cómico” mas nem toda a gente achou piada ao descobrir, no final de Junho, como era fácil roubar armamento às Forças Armadas. O mistério à volta da forma como o arsenal foi encontrado (ou devolvido?), até com material a mais, não tranquilizou ninguém. Nem as declarações contraditórias e desculpabilizantes do ministro da Defesa, a quem o Presidente da República espetou nas costas um alvo com a palavra “remodelável” que Costa faz que não vê.
TAP
A transportadora área portuguesa assistiu à estabilização da sua base accionista, com o Estado a assegurar oficialmente 50% do capital, cabendo 5% aos trabalhadores e 45% ao consórcio formado por Neeleman, Pedrosa e o grupo chinês HNA. Agora, a estratégia da companhia aérea é ganhar espaço entre a concorrência para ser rentável.
Novo terminal de cruzeiros de Lisboa
Dez anos depois da Administração do Porto de Lisboa (APL) ter iniciado o projecto, o novo terminal de cruzeiros de Lisboa foi finalmente inaugurado. Entre o investimento público de 54 milhões da APL, e privado da Lisbon Cruise Terminals, a nova gare custou 77 milhões de euros. A manterem-se as previsões, 2018 será o melhor ano de sempre na actividade de cruzeiros na cidade, com a chegada de 361 navios e 617 mil passageiros.
Tetracampeonato. Benfica à sexta
Pela sexta vez na sua história, o Benfica tentava completar uma série de quatro títulos de campeão nacional de futebol sem interrupções. A última hipótese tinha sido desperdiçada na temporada da 1977-78, era treinador das “águias” John Mortimore. O FC Porto venceria o campeonato, apesar de ter terminado a prova em igualdade pontual com os benfiquistas, adiando mais uma vez a hipótese de, na Luz, se festejar um inédito tetracampeonato.
Os “encarnados” tiveram que esperar quase 40 anos para voltarem a ter a possibilidade de alcançar algo que os rivais Sporting e FC Porto já tinham nos seus currículos. Mas, desta vez, o Benfica não deixou fugir a oportunidade. O seu 36.º título de campeão nacional trouxe também o desejado tetracampeonato, ao fim de 83 participações das “águias” na competição.
Na equipa que conseguiu o feito, apenas cinco jogadores cumpriram os quatro campeonatos de águia ao peito. Luisão, André Almeida, Salvio, Fejsa e Jardel. Treinadores foram dois. Jorge Jesus e Rui Vitória, cada um responsável por um par de títulos.
Com seis pontos de vantagem sobre o FC Porto, tendo o melhor ataque e a melhor defesa da prova, o quarto campeonato consecutivo dos “encarnados” foi assegurado na penúltima jornada, com uma goleada por 5-0 ao Vitória de Guimarães.
Incontornável no tetracampeonato do Benfica é Luís Filipe Vieira, presidente dos “encarnados” desde 2003 e aquele que há mais tempo ocupa o cargo no clube lisboeta. Com a conquista do título, ficou a apenas um de igualar o líder benfiquista com mais campeonatos ganhos: Borges Coutinho. Jorge Miguel Matias
Theranos
Elizabeth Holmes tinha um sonho desde pequena e em 2003, quando tinha 19 anos começou a torná-lo realidade fundando a Theranos, uma startup que se propunha criar um inovador teste de sangue que dispensava agulhas e permitia diagnosticar uma série de doenças com apenas uma gota de água. Rapidamente, a empresa angariou mais de 400 milhões de dólares e chegou a ser avaliada em 9000 milhões. Um problema: quando os reguladores e a concorrência se debruçaram sobre esta inovação, viram que os resultados estavam longe do que a empresa prometeu. A menina a quem chegaram a chamar o novo Steve Jobs tornou-se rapidamente na fraude do ano de Silicon Valley.
Trump. Mundo à beira de um ataque de nervos
À enxurrada inicial de decretos presidenciais que pretendiam revogar as principais políticas da Administração Obama, seguiram-se milhares de tweets, discursos, casos, polémicas e insultos. Criaram a ideia de uma presidência absolutamente frenética, imponderável e disruptiva, e de uma linha programática imprevisível e caprichosa, sem respeito pelos compromissos assumidos, nem atenção às consequências ou cuidado com as convenções e tradições da política norte-americana. Apesar do frisson que provocou, no seu primeiro ano de mandato o Presidente dos Estados Unidos não avançou muito (ou quase nada) na sua agenda política interna. Já no plano internacional, o impacto é tremendo e indesmentível: tanto os aliados tradicionais como os regimes adversários de Washington têm assistido com nervosismo e incredulidade à maior potência mundial a isolar-se do resto do mundo, assumindo uma postura provocatória e hostil que ameaça os equilíbrios e fomenta a instabilidade. Os efeitos nocivos de decisões unilaterais como a retirada dos EUA de acordos e tratados internacionais — do comércio ao clima, passando pelo nuclear — ou o reconhecimento de Jerusalém como a capital de Israel são de tal magnitude que têm o potencial de afectar o mundo inteiro. A nível interno, as principais promessas que lhe deram a eleição, da construção de um muro na fronteira do México, à definição de um grande plano de infra-estruturas, da revogação do Obamacare à reforma fiscal para uma baixa histórica de impostos, estão todas por cumprir. Algumas das suas iniciativas têm sido travadas pelos tribunais — o mais notório braço de ferro judicial teve a ver com a sua ordem para barrar a entrada nos EUA de cidadãos de seis países de maioria muçulmana, incluindo refugiados — e também pelos legisladores do Congresso, mesmo os do seu próprio partido, prejudicados nas suas ambições de reeleição pelo estilo tóxico do Presidente. Rita Siza
Turismo. O motor e a pressão
Tem sido um dos grandes motores do crescimento da economia e da criação de emprego, preparando-se para bater mais um recorde este ano. Os últimos dados disponíveis dão conta disso mesmo, tendo as receitas do turismo crescido 19% entre Janeiro e Setembro deste ano. Nesse período, entraram 11.500 milhões de euros por esta via para a economia portuguesa, mais do que nos doze meses de 2015. O saldo da balança turística, esse, estava positivo em 8300 milhões (+21,6%) e, em Setembro, havia mais 70 mil pessoas a trabalhar no sector (nomeadamente na restauração) face ao mesmo mês do ano passado.
O crescimento do sector, com os turistas estrangeiros a chegarem principalmente por via aérea, tem sido visível em todo o país, mas provoca pressão em alguns pontos, como as zonas mais turísticas de Lisboa. A ideia é manter o crescimento, mas apostando mais nos períodos fora da época alta e impulsionando uma maior descentralização. Já a questão da saturação do aeroporto da Portela, em Lisboa, enquanto não avança a nova infra-estrutura do Montijo, pode revelar-se um constrangimento.
Outro ponto de pressão é o crescimento das unidades de alojamento local, que tem sido associado a incómodos de condóminos e à falta de fogos para arrendar no centro de Lisboa e Porto - pelo menos a preços comportáveis. Neste momento há várias propostas de alteração legislativa no Parlamento, nomeadamente do Bloco e PS, faltando saber ainda como é que o Governo se vai movimentar. Neste campo, um dos argumentos tem sido o de que o que é preciso é equilibrar o mercado, nomeadamente com mais imóveis com rendas acessíveis. Luís Villalobos
U
Uber
As manifestações dos taxistas nas ruas foram apenas a face mais visível e o momento mais tumultuoso de um processo ainda por resolver. Não há legislação em Portugal que enquadre a utilização das plataformas electrónicas que organizam transporte de passageiros em veículos descaracterizados, como a Uber e a Cabify, mas elas continuam no mercado, cada vez com mais utilizadores. O governo tem uma proposta legislativa parqueada na Assembleia da República desde Março, mas ainda não voltou a ser discutida.
Urban
O vídeo mostra um jovem a ser pontapeado com grande violência por seguranças. Não é a primeira vez que a discoteca Urban Beach se vê envolvida em casos de violência (e de racismo) mas desta vez as imagens circulam nas redes sociais com estrondo. O Ministério da Administração Interna ordena o seu encerramento. O estabelecimento vai permanecer fechado durante os próximos meses.
V
Vacinas
O sarampo, doença que estava praticamente desaparecida em Portugal desde 1994, reapareceu (em Portugal e na Europa) com 29 casos confirmados nos primeiros seis meses do ano. A morte de uma jovem de 17 anos, em Abril, no Hospital Dona Estefânia, em Lisboa, provocou alarme e um debate sobre se faz ou não sentido tornar obrigatória a vacinação.
Venezuela
Com a crise económica e humanitária do país a atingir o auge, e a contestação ao Governo a ocupar as ruas durante quatro meses ininterruptos, o Presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, abandonou qualquer pretensão de respeito pela ordem democrática, endurecendo a linha autoritária e repressiva do regime chavista, que em 2017 se transformou numa verdadeira ditadura. A máquina governamental silenciou toda a crítica, detendo ou forçando os adversários políticos a exilarem-se no estrangeiro, acentuando a dependência da população do regime.
W
Web Summit
A feira de startups reuniu cerca de 60 mil participantes em Lisboa. Entre os oradores estavam nomes de peso como Al Gore e António Guterres, numa lista de presenças que tornou o evento mais um fórum de reflexão do que uma mera mostra de tecnologias. A edição deste ano acabou marcada pelo polémico jantar no Panteão.
Weinstein. O caso de assédio
Duas investigações jornalísticas tornaram Harvey Weinstein num nome que viverá na infâmia - o New York Times e a New Yorker revelaram no início de Outubro o alegado assédio, abusos e violência sexual cometidos pelo outrora poderoso produtor, que escondia uma rede com contornos de crime organizado que terá vitimado dezenas de mulheres ao longo de décadas. Essas sólidas investigações, na era das fake news e do descrédito da imprensa, abriram uma comporta. Que soltou sobre o mundo outras investigações e centenas de denúncias em vários países e sectores, com consequências imediatas, no tempo do ciberactivismo e do hashtag #MeToo, como demissões de ministros, senadores ou remodelações de elencos. Dois factores guardarão o segredo do seu alcance: ao partir de casos, pela primeira vez na primeira pessoa, de mulheres (e depois alguns homens) célebres e consagradas, deu a visibilidade da sociedade espectáculo à credibilidade da vítima; e ao focar-se em situações de assédio laboral, aqueles em que as relações de poder entre abusador e vítima são tão claras e o potencial de represália tão evidente, acendeu um rastilho que iluminou a cultura de assédio sexual e suas nuances na sociedade em geral. O efeito Weinstein foi também o tribunal da opinião pública a ultrapassar a justiça formal e um dividendo da popularização dos estudos de género. O assédio agarrou o palco mediático e lança um repto que deve ser ouvido na base, no sector da educação, e se estende a um pedido para uma nova afinação do próprio contrato social. Joana Amaral Cardoso
X
Xi Jinping
À semelhança de uma corte imperial, o Partido Comunista Chinês elevou Xi Jinping a um patamar supremo, apenas alcançado pelos líderes históricos Mao Tsetung e Deng Xiaoping. Entronizado como “líder transformativo”, cabe agora a Xi levar a China para uma nova era de maior protagonismo global.
Z
Zimbabwe
Um erro de cálculo político de Robert Mugabe — que tentou promover a ambição da mulher para o suceder — desencadeou uma reacção em cadeia que culminou com a sua saída forçada, ao fim de 37 anos. Apesar da queda do fundador da nação, o poder continua nas mãos da elite que sempre governou o país.
Zuma
Nkosazana Dlamini-Zuma pode ser escolhida nos próximos dias para liderar o ANC. Se suceder na liderança ao seu ex-marido, o Presidente Jacob Zuma, prolonga a sua influência no partido, mesmo que ele seja afastado da presidência antes do fim do mandato, em 2019, devido às centenas de acusações de corrupção – o Supremo Tribunal autorizou que seja investigado e julgado.
* com Álvaro Vieira, Ana Brito, Ana Fonseca Pereira, Ana Gomes Ferreira, Andreia Sanches, Clara Barata, Cristiana Moreira, Inês Nadais, João Pedro Pereira, João Pedro Pincha, Jorge Miguel Matias, Leonete Botelho, Liliana Valente, Lucinda Canelas, Luisa Pinto, Luís Villalobos, Maria João Guimarães, João Ruela Ribeiro, Clara Barata, Patrícia Carvalho, Raquel Martins, Rita Siza, Sofia Rodrigues, Vítor Costa, Victor Ferreira