Mais de 6000 rohingya foram mortos em apenas um mês
Pelo menos 730 vítimas tinham menos de cinco anos, dizem os Médicos Sem Fronteiras num relatório que aponta o dedo ao Exército birmanês.
Em apenas um mês, pelo menos 6700 pessoas da minoria muçulmana rohingya morreram numa repressão violenta no estado de Rakhine, na Birmânia, de acordo com as estimativas divulgadas esta quinta-feira pelos Médicos Sem Fronteiras, a partir de pesquisas conduzidas em campos de refugiados no Bangladesh. Destas vítimas, pelo menos 730 eram crianças com menos de cinco anos que foram mortas a tiro, queimadas ou agredidas até à morte, detalhou a organização humanitária num documento que aponta o dedo ao Exército da Birmânia.
No total, e somando a estas mortes as que resultaram de desnutrição e da exposição a doenças, só entre 25 de Agosto e 24 de Setembro terão morrido na Birmânia mais de nove mil rohingya.
Durante este período, os elementos dos Médicos Sem Fronteiras que conduziram um levantamento junto de 2434 famílias rohingya (num total de 11.426 indivíduos) registaram uma taxa de mortalidade diária de oito por cada dez mil pessoas. Os inquéritos foram feitos nos campos de refugiados de Kutupalong, Balukhali e Tasnimarkhola, em Cox’s Bazar, no Bangladesh.
A organização alerta, no entanto, que os números reais poderão ser ainda mais negros. “O número de mortes provavelmente está subestimado, já que não analisámos todos os acampamentos de refugiados no Bangladesh, e porque as investigações não contabilizam as famílias que nunca chegaram a sair da Birmânia”, afirmou Sidney Wong, director dos Médicos Sem Fronteiras, em declarações no relatório hoje divulgado.
De acordo com as estimativas, o total de mortes nos primeiros 31 dias da repressão,que as Nações Unidas classificaram como "um perfeito exemplo de limpeza étnica", poderá ascender a um número entre 9425 e 13.759, incluindo pelo menos mil crianças menores de cinco anos.
A maioria morreu vítima de tiros (69%), de queimaduras (9%) e de espancamento (5%). Relativamente às crianças com idade inferior a cinco anos, mais de 59% morreram baleadas, 15% foram queimadas vivas, 7% foram espancadas até à morte e 2% morreram devido à detonação de minas terrestres.
“O que descobrimos foi assombroso, tanto pelo número de pessoas que relataram que um membro da família morreu vítima de violência, quanto pelas formas terríveis pelas quais elas disseram que os familiares foram mortos ou gravemente feridos. O pico das mortes coincide com o lançamento das mais recentes ‘operações de varredura’ das forças de segurança”, sublinha Wong. Os sobreviventes inquiridos, lembra o relatório, “estão agora abrigados em acampamentos sobrelotados e insalubres no Bangladesh”.
A actual fase das operações militares birmanesas contra grupos de rebeldes rohingya começou em Agosto e já levou à fuga de cerca 647 mil refugiados desta minoria muçulmana. A “operação militar de limpeza” do Exército birmanês teve como especial alvo Maung Nu e dezenas de outras aldeias povoadas pela minoria.
Para além da violência armada – seja por via de armas de fogo, armas brancas (incluindo casos de decapitação) ou minas terrestres –, o relatório denuncia a morte de civis em actos de agressão sexual. A somar-se a todo este cenário de agressões, tortura e morte na Birmânia, os civis que encontram refúgio no Bangladesh continuam a enfrentar ameças à sua integridade física, devido à falta de comida, água potável e cuidados de saúde. Em Outubro, um relatório da Unicef denunciava as condições nos campos de refugiado no Bangladesh como “um inferno na terra”.
No entanto, os Médicos Sem Fronteiras consideram prematura a possibilidade de um regresso dos refugiados no Bangladesh às suas casas na Birmânia, apesar de o repatriamento estar previsto num acordo assinado entre os dois países. “Os rohingyas não devem ser forçados a regressar, e a sua segurança e os seus direitos precisam de ser garantidos antes que tais planos possam ser seriamente ponderados”, vinca a organização no relatório divulgado esta quinta-feira.