De pé atrás com Londres, UE endurece condições para a próxima fase
Comentários de David Davis sobre acordo da semana passada irritaram europeus – um “autogolo” afirmou Verhofstadt. Vinte e Sete adiam início das negociações comerciais para Março
Depois da madrugada dramática que terminou com Theresa May a voar para Bruxelas e selar, em cima do gongo final, um acordo de princípio sobre os termos da saída britânica da União Europeia, a cimeira desta quinta e sexta-feira deveria celebrar o avanço das negociações para uma nova fase. Mas bastaram poucos dias – e as palavras pouco avisadas do ministro britânico para o “Brexit” – para ensombrar qualquer réstia de entusiasmo, com os líderes europeus a avisar Londres de que não pode voltar com a palavra atrás, sob risco de deitar por terra as hipóteses de um entendimento final.
O “Brexit” será um dos pontos fortes da reunião em Bruxelas, em que os Estados-membros vão também selar o arranque da Pesco (Cooperação Estruturada Permanente para a segurança e defesa), discutir a gestão da crise dos refugiados e a reforma do euro. E além da esperada declaração em que vão confirmar que já foram feitos “progressos suficientes” na primeira fase das negociações com o Reino Unido, os restantes 27 países têm de aprovar as linhas de orientação para a etapa que se segue.
Mas qualquer expectativa que a primeira-ministra britânica pudesse ter de que iria começar já a colher os louros das difíceis cedências que teve de fazer não são confirmadas pelo texto preparado para a cimeira por Donald Tusk, o presidente do Conselho Europeu, e emendado pelos representantes dos 27 em Bruxelas. Vários jornais que tiveram acesso à última versão do documento adiantam que a UE não pretende iniciar as negociações sobre o futuro das relações com o Reino Unido antes de Março, reservando pouco mais de meio ano para a discussão daquela que é a grande prioridade do Governo britânico.
O adiamento, explicam várias fontes, deve-se à necessidade de obter um consenso – que se adivinha difícil – entre os 27 sobre os objectivos europeus para um futuro acordo de comércio com Londres, o Bruxelas espera conseguir a tempo da próxima cimeira, altura em que pretende aprovar linhas de orientação mais específicas.
Mas a UE quer esperar também para perceber que tipo de relação Londres vai propor aos seus parceiros actuais, matéria que continua a dividir profundamente os membros do Governo britânico. “Queremos um acordo de comércio abrangente, sem tarifas, que inclua também a livre circulação de serviços. Uma espécie de Canadá mais, mais, mais”, afirmou David Davis, o ministro para o “Brexit”, numa entrevista domingo à BBC.
Bruxelas insiste que o Reino Unido não pode sair do mercado único e manter alguns dos benefícios a eles associados. Mas o que verdadeiramente irritou os europeus, foi ouvir Davis dizer que o acordo selado por May na sexta-feira – em que o Reino Unido assumiu que terá de desembolsar entre 40 e 45 milhões de euros e garantir que não haverá controlos na fronteira entre as duas Irlandas – é “uma declaração de intenções” que não é legalmente vinculativa.
Guy Verhofstadt, o coordenador do Parlamento Europeu para o “Brexit”, considerou o comentário “inaceitável” e afirmou que o ministro britânico “tinha feito um autogolo”. “Tenho assistido a um endurecimento da posição do Conselho e a um endurecimento da posição do Parlamento”, afirmou o belga. Manfred Weber, líder do Partido Popular Europeu, lamentou que Londres tenha “posto em risco a confiança” alcançada na semana passada.
O ministro britânico tentou emendar a mão, garantindo que Londres cumprirá os compromissos que assumiu. Mas a linguagem do documento que os 27 vão aprovar na cimeira é mais dura do que a versão inicial apresentada por Tusk, a fim de garantir que “é à prova de David Davis”, disse à Reuters um responsável europeu. Além de adiar para Março o início das “discussões preliminares” sobre um futuro acordo de comércio, o texto sublinha que “as negociações da próxima fase só podem progredir se os compromissos assumidos na primeira fase forem respeitados na íntegra”.
O documento dá também por adquirido que o Reino Unido vai continuar no mercado único e na união aduaneira durante o período de transição, que deverá vigorar nos dois anos seguintes à saída. Mas para tal, terá de continuar a cumprir “na íntegra a legislação europeia”, incluindo a que vier a ser adoptada, apesar de a 29 de Março de 2019 perder o direito a participar “como membro ou observador” nas instâncias de decisão europeias, incluindo “nas agências e gabinetes” ligadas à UE.