As lições de ontem para o menu de amanhã: eis o novo Progresso
A renovação do Café Progresso não trouxe apenas uma nova decoração. O menu alterou-se para “acompanhar a evolução do conceito”, e há mais gente a entrar por aquelas portas adentro. No entanto, há tradições que se mantêm.
Se não estudarmos a lição de história antes de entrar no Progresso, é bem provável que nos passe pela cabeça estar num dos mais recentes estabelecimentos do Porto. É tudo actual, a seguir a tendência de reciclar o velho e transformá-lo em novo. No entanto, as letras que se inscrevem na fachada bege do edifício denunciam-lhe a idade – lê-se “O café mais antigo da cidade – Desde 1899”. É só fazer as contas: já são 118 anos a servir as gentes do Porto.
A primeira clientela vinha da Praça de Carlos Alberto. Os comerciantes que afluíam ao Porto, vindos da própria cidade e não só, procuravam um botequim onde tomar um bom café. O Progresso, mesmo ali ao pé, na rua perpendicular, correspondia às exigências; depois, com o passar dos anos, assumiu-se como ponto de paragem obrigatória. Diz-se que foi a mesma demanda que moveu os seis fundadores do estabelecimento a iniciarem este projecto, a 24 de Setembro de 1899.
Desde então, o café de saco, “chamado de puríssimo pelos fundadores”, foi-se mantendo como o ex-líbris do Café Progresso. Ao longo dos anos, outros produtos foram-se afirmando no menu, como os queques da dona Odete, que ainda hoje deleitam “a nova e renovada clientela”, como lhe chama Artur Ribeiro, um dos três actuais proprietários do Progresso, juntamente com Pedro Sá Pereira e Diogo Baptista. Agora, há gente de todas as idades a entrar no Progresso: estudantes e reformados, portugueses e turistas estrangeiros, mais e menos abastados, todos em grande número – “É uma casa aberta para toda a gente”, diz Artur. Por que razão invade o Progresso esta imensidão de gente? Porque a remodelação apresenta-se como o maior convite para abrirmos a porta e vermos as várias chávenas coloridas a desfilar por todo o lado. Há diversos aromas no ar e a oferta é extensa.
O novo ciclo do Progresso – “que esteve sempre na vanguarda”, conta o proprietário – adiciona ao tradicional café de saco o café de especialidade. Os grãos verdes, que tanto vêm do Brasil, da Etiópia ou do Ruanda (e cada vez mais da China), transformam-se naquela bebida que, “a seguir à água, é a mais procurada”, como diz Fátima Santos, responsável pela torrefacção do café no Progresso – sim, há uma máquina torrefactora no estabelecimento. A procura pelas melhores alternativas ao café standard pauta a nova filosofia daquele espaço, e é por isso que, no Progresso, “não há um café eterno”. “Tentamos jogar com a parte evolutiva e reeducar o consumo, mostrando alternativas ao mesmo tempo que se respeita o habitual”, explica Fátima, acrescentando que o menu se faz de “cafés sazonais”. Por isso, e caso tenhamos dúvidas no momento de decisão do café, os baristas do Progresso apresentam uma ou mais sugestões, “tendo conhecimento profundo de cada café, da origem à técnica”. Se quisermos repetir a experiência em casa, vende-se café para fora, e até as cafeteiras Chemex (utilizadas no Progresso pelos baristas para servir a bebida) estão disponíveis para compra.
É quase tudo biológico
Para lá do café (quente ou frio), há limonadas de morango em copos de balão ou sumos naturais – “Aqui não entram refrigerantes”, reitera Artur Mendes. No que concerne as bebidas alcoólicas, “todas as cervejas são artesanais”, e há uma variedade de vinhos “para todos os gostos”. A aposta nas bebidas maioritariamente artesanais reflecte a “preocupação ambiental” do renovado Progresso. A aposta recai também sobre a comida que voa para as mesas dos clientes, que, agora, têm muito por onde escolher. Para além dos queques ou dos pães bijou, há malgas recheadas de frutos secos, fruta variada e smoothies saborosos.
Todas as refeições podem ser feitas no Progresso: há tostas e uma variedade de ovos para qualquer altura do dia, bem como sopas ou saladas. “Há um conceito de restaurante no Progresso ainda por descobrir”, conta o proprietário. Quem prepara os achados gastronómicos é Marcelo, chef brasileiro que comanda os desígnios dos fornos e fogões da cozinha, no primeiro andar, antes utilizado como salão de jogos. Ali também se cozinham pizzas para todos os gostos (com a opção de se escolher a massa tradicional ou integral), e não faltam alternativas vegan.
A grande novidade é, na verdade, uma receita milenar que vem de Roma da antiguidade – a pinsa, qual irmã mais velha da pizza, era prato habitual entre o povo mais pobre daquela antiga região. Se a massa tradicional da pizza que conhecemos leva 48 horas a maturar, no caso da pinsa o tempo sobe para 150 horas. De forma oval, a receita consiste num “mix de cereais vindos de Itália”, mas “há uma preocupação de diminuição de glúten”, explica Marcelo. O chef assegura que este “é o primeiro espaço onde se faz pinsa em Portugal”, mas que o “grau de satisfação tem sido elevado”.
A recuperação do passado para a decoração do presente
Do balcão de onde saem estes pratos dá para ver uma mesa que se estende sala fora, que senta até 40 pessoas. A mesa comunitária do primeiro andar quer juntar conhecidos e desconhecidos, que pousam os braços sobre aquela madeira já antiga. Ao redor encontram-se cadeiras em frente aos parapeitos das janelas, alargados para servirem também de mesa, onde as janelas se abrem para que os vapores se espalhem e os olhos dos mais curiosos acompanhem os passos de quem se passeia nas ruas. Ao descermos as escadas para o rés-do-chão, acompanha-nos uma parede “cheia de história”, dos inícios do Café Progresso, e uma outra onde serão penduradas “fotografias históricas, não só do café, mas também da rua e da praça”, assegura Artur Mendes. Em baixo, há uma zona de sofás e mais cafés no parapeito, para além de uma outra mesa comunitária (igualmente histórica, recuperada aquando a remodelação do espaço). Ali, há jovens a relembrar memórias esquecidas da noite anterior, empresários a discutir negócios e acções e velhos clientes a contemplar, silenciosamente, o movimento, ao mesmo tempo que o vapor do café embacia os óculos.
É preciso limpá-los para se ver novamente em que é que o Café Progresso se tornou, apesar da teimosia. “Houve clientes que criticaram o espaço, que disseram que este não era o Progresso”, relembra o proprietário, “mas depois lá se foram habituando e continuam a visitar-nos todos os dias”, acrescenta. Por entre as tendências, os investimentos nas melhores máquinas e as actualizações ao menu, há sempre um passado à espreita: o tique-taque que se ouve é de um relógio dos anos 1950, e o chão que se estende em frente ao balcão estava escondido por outro pavimento, que durante muito tempo escondeu aquela madeira velha, mas conservada. O nome já o denuncia, mas desde há muito que o Progresso se reinventa. Esta é outra fase, mas o passado não se descola (nem havia essa intenção) da reformulação do presente.
Texto editado por Sandra Silva Costa