Arlindo, o guarda prisional a quem chamam o “guardião do rio”
Já o faz há cerca de quatro anos, mas este ano, com a poluição mais acentuada e notada, ganhou fama quase nacional com alguns dos seus vídeos no Facebook a serem vistos por milhares de pessoas.
Um nome foi sendo repetidamente ao longo dos quatro dias em que o PÚBLICO desceu o Tejo: Arlindo. “Falem com o Arlindo”; “O Arlindo é que os topa”; “O Arlindo não tem medo de ninguém”; “O Arlindo andou aí a filmar”.
Arlindo Marques, 52 anos, guarda prisional na cadeia de Torres Novas a quem chamam o “guardião do rio”, título que ganhou por denunciar nas redes sociais e nas muitas entrevistas que tem dado os crimes ambientais cometidos no Tejo. Já o faz há cerca de quatro anos, mas este ano, com a poluição mais acentuada e notada, ganhou fama quase nacional com alguns dos seus vídeos no Facebook a serem vistos por milhares de pessoas. São dele as imagens de peixes mortos, do Tejo negro ou castanho e das longas manchas de espuma que as televisões não se cansaram de mostrar nos últimos meses.
Arlindo nasceu junto ao Tejo, na aldeia da Ortiga, no concelho de Mação. O rio foi o seu recreio em miúdo e a sua paixão em adulto.
“Há quatro anos comecei a ver umas grandes manchas castanhas e espuma no rio junto à minha terra, resultado da poluição que deitavam para o rio. Fiquei danado. Filmei e comecei a partilhar os vídeos nas redes sociais. Aquilo tinha cada vez mais visualizações e eu nunca mais parei. Hoje são milhares a ver, a comentar e também a fazerem denúncias”, conta.
Em 2014 fundou a associação SOS Tejo, mas as coisas correram mal entre os fundadores e a SOS durou pouco tempo. Há um ano juntou-se à proTejo, actualmente o mais activo movimento de defesa do rio.
Continua, porém, a ser um lobo solitário. “Nasci aqui, conheço muita gente e, depois dos filmes, fiquei a conhecer muitas mais pessoas, pescadores, agricultores e outros amigos do rio. Hoje, assim que se passa qualquer coisa má no Tejo, ligam-me logo: ‘Arlindo, estão a fazer uma descarga [de poluição] grande, anda já filmar’. ‘Arlindo há peixes mortos em tal sítio’. E eu vou logo, seja de dia ou de noite. Como trabalho por turnos tenho tempo e vou a todas. As pessoas não têm a quem recorrer e chamam-me a mim”, revela.
Mas também faz o que chama de “trabalho de vigilância”. Andar rio acima e rio abaixo de carro, moto ou barco, à procura de novos crimes que “estão a transformar o Tejo numa tragédia e que traz o rio cheio de veneno”.
O difícil é travar-lhe as palavras quando começa a falar do Tejo. Parece conhecer todos os cantos do rio, quem polui, onde polui, que tipos de produtos são despejados no rio. Já falou com ministros, deputados e presidentes de câmara. É chamado para palestras sobre o Tejo e as entrevistas aos órgãos de comunicação social “são quase todos os dias”. Enviou, já este ano, uma carta ao primeiro-ministro e ao Presidente da República. “Não me responderam e isso deixou-me triste, o rio é de todos nós. Todos dizem que defendem o rio, mas, depois, alguns ficam calados quando o rio está a ser envenenado.”
Afirma mover-se pelo “amor ao Tejo” e até diz sentir orgulho quando lhe chamam “guardião do rio”. Assegura que não vai descansar “enquanto o rio não voltar a correr limpo”. “Acredito que isso vai acontecer. Há cada vez mais pessoas empenhadas na defesa do rio. A pressão começa a ser muita e vão ter de travar a poluição no rio. Pela minha parte, a defesa será até ao fim dos meus dias”, garante.