Personalidade do ano da Time são pessoas que denunciaram casos de assédio sexual
Publicação norte-americana distinguiu as mulheres e os homens que deram “voz a segredos abertos”: “Por moverem redes de murmúrios para as redes sociais, por nos motivarem a todos a parar de aceitar o inaceitável”.
“As vozes que lançaram um movimento” é a descrição usada na capa da Time para descrever a escolha da Personalidade do Ano. A publicação norte-americana destaca este ano não uma personalidade mas aquilo que chamou como “silence breakers”, as pessoas que denunciaram casos de assédio e abuso sexual.
A actriz Ashley Judd, a ex-engenheira da Uber Susan Fowler, a lobista Adama Iwu, a cantora Taylor Swift e a agricultora Isabel Pascual são as personalidades que figuram na capa, mas o grupo não é exclusivamente constituído por mulheres. O actor e ex-jogador de futebol americano Terry Crews, por exemplo, é um dos nomes masculinos na lista, por ter sido um dos primeiros homens a juntar-se às denúncias femininas.
A revista considera que as denúncias e acções protagonizadas pelas vítimas criaram um dos movimentos mais rápidos, apoiado pelo impacto da divulgação conseguida através das redes sociais, nomeadamente através da hashtag #MeToo. A distinção é por isso um reconhecimento do papel destas mulheres e destes homens “por darem voz a segredos abertos, por moverem redes de murmúrios para as redes sociais”. “Por nos motivarem a todos a parar de aceitar o inaceitável”, justifica o director da revista Time, Edward Felsenthal.
Ao todo, a lista reunida pela Time conta pelo menos 74 personalidades acusadas de assédio e abuso sexual depois da onda de denúncias contra Harvey Weinstein. Ashley Judd, actriz e cantora, foi a primeira a chegar-se à frente. Em Outubro, contou a sua experiência ao New York Times. A ela juntou-se a actriz e activista Rose McGowan.
Na lista de acusados de conduta sexual imprópria estão também Kevin Spacey, Dustin Hoffman, Ben Affleck, Ryan Seacrest, Al Franken, o ex-presidente da Amazon Studios Roy Price, os realizadores Brett Ratner e James Toback, os jornalistas Charlie Rose, Glenn Thrush e Matt Lauer, o fotógrafo Terry Richardson e o comediante norte-americano Louis C.K.
Tarana Burke, a mulher a quem é atribuída a criação da #MeToo em 2006, já agradeceu a distinção através do Twitter. Burke contou com a ajuda de Alyssa Milano para divulgar e incentivar o uso da hashtag através de um tweet em Outubro. Do Twitter a hashtag saltou para o Instagram e para o Facebook.
“As mulheres e os homens que quebraram o seu silêncio chegam-nos de todas as classes sociais, todas as profissões e todos os cantos do globo. Podem trabalhar num campo na Califórnia, ou atrás de uma secretária no Plaza Hotel em Nova Iorque ou até mesmo no Parlamento Europeu. Fazem parte de um movimento que não tem um nome formal. Mas agora têm uma voz”, justifica a revista.
Os casos de assédio e abuso sexual citados pela Time, como o denunciado pela cantora Taylor Swift (distinguida na capa), antecedem a onda de denúncias contra o influente e consagrado produtor de Hollywood Harvey Weinstein.
Em entrevista à Time, Swift descreve o julgamento em que enfrentou David Mueller, o radialista que a apalpou em 2013 e que, em 2015, processou a artista norte-americana por “difamação” — tinha sido despedido e pedia-lhe uma indemnização de três milhões de dólares. A cantora respondeu com um processo por assédio sexual e Mueller foi considerado culpado pela Justiça e obrigado a pagar a quantia simbólica de um dólar.
“Antes das alegações contra Harvey Weinstein e antes de o #MeToo invadir a Internet, Taylor Swift testemunhou em tribunal a 10 de Agosto sobre a experiência de ter sido assediada numa sala cheia de gente”, contextualiza a revista.
A cantora considera que esta é uma altura importante para “a consciencialização, para a forma como os pais estão a falar com as suas crianças e para a forma como as vítimas estão a processar os seus traumas, quer sejam recentes ou antigos”.
A lista de finalistas anunciada na segunda-feira incluía o vencedor do título de Personalidade do Ano de 2016, o Presidente norte-americano, Donald Trump, o líder norte-coreano, Kim Jong Un, o Presidente chinês, Xi Jinping, o ex-director do FBI Robert Mueller, o jogador da NFL Colin Kaepernick (que se ajoelhou durante o hino norte-americano, num protesto silencioso), e Patty Jenkins, a realizadora do filme Wonder Woman.
Em Novembro, Trump anunciou no Twitter que tinha sido (novamente) a escolha vencedora para a Personalidade do Ano. “A revista Time ligou-me a dizer que eu seria PROVAVELMENTE escolhido como Homem (Personalidade) do Ano, como no ano passado, mas eu teria de aceitar dar uma entrevista e fazer uma grande sessão fotográfica. Eu disse que provavelmente não era grande ideia e recusei. Obrigado de qualquer forma!”, escreveu na publicação.
No entanto, a revista desmentiu prontamente o líder da Casa Branca. “O Presidente está incorrecto sobre a forma como escolhemos a Personalidade do Ano. A Time não faz comentários sobre a sua escolha até ao dia da publicação, a 6 de Dezembro”, lia-se no tweet da revista. Alan Murray, um dos directores executivos da publicação, foi mais incisivo na sua reacção: “Nem um bocadinho de verdade aqui.”