Os velhinhos shoppings do Porto continuam abertos, mas à procura de soluções
São uma dezena os centros comerciais que abriram ainda nos anos 70 e 80 e que no final dos anos 90 foram perdendo protagonismo para as grandes superfícies. Mas há oportunidades.
Há um ano e meio, José Mendes escolheu o Centro Comercial Cedofeita para instalar o negócio de aluguer de bicicletas que gere. Sítio improvável para receber os clientes, na sua maioria turistas, que mais facilmente encontram a concorrência na rua e não no corredor de um edifício do género. Não será assim tão descabido, diz-nos o proprietário, que diariamente vê entrar pela porta do estabelecimento pessoas que se dirigem ao centro situado numa das ruas comerciais mais concorridas do Porto apenas com o propósito de alugar uma bicicleta.
É um negócio direccionado para um público alvo muito bem definido que, a partir de uma busca rápida na Internet, consegue encontrar o local. Logo, estar escondido não é um problema. Outro bónus é o valor do aluguer do espaço, muito mais competitivo para quem está em início de actividade do que o das lojas de rua, cada vez mais inflacionado. Considera, por isso, existir aqui uma oportunidade para novos empreendedores que não podem arriscar numa renda muito pesada, mas também para os centros e galerias comerciais abertos no Porto desde os anos 70 e 80, que no final dos anos 90 foram preteridos pelas grandes superfícies construídas na periferia, poderem continuar de portas abertas e se renovarem.
São dez os que existem dentro da cidade. Há o Centro Comercial Cedofeita, o Sírius, o Brasília — o mais antigo de todos —, o Stop, o Parque Itália, Invictos, as Galerias Lumière, as do Pedro Cem, o Cristal Park ou o Central Shopping, já construído nos anos 90. O Dallas fechou há muito.
Quase todos partilham vários problemas. Precisam de obras, de clientes, de uma situação financeira estável e de ocupar as lojas que estão vazias.
No Centro Comercial Brasília, que no ano passado celebrou 40 anos, metade das 200 lojas estão por ocupar, diz o administrador, Luís Pinho. Acredita existir potencial para que o shopping volte a recuperar algum do fulgor de outras décadas, falta encontrar a estratégia certa. Em plena Rotunda da Boavista, a localização não deveria ser um problema. Ali bem perto continuam a funcionar com as lojas quase todas abertas, ainda que não com a mesma dinâmica de outros anos, o Centro Comercial Cidade do Porto e o Península. Está lá também o renovado mercado do Bom Sucesso. Já se tentaram “várias estratégias” que não resultaram. Diz-nos que para 2018 está a ser trabalhada uma nova abordagem.
Muitos proprietários
Foi na abordagem e no equilíbrio da contabilidade que os actuais administradores do Centro Comercial Cedofeita (CCC), Teresa Pinto e Eduardo Pereira, se concentraram há quase dez anos, quando assumiram funções. Quando chegaram à administração, a situação financeira não era a melhor. Demoraram três anos para conseguirem pôr as contas em dia. Desde essa altura tinham em mente recuperar a identidade do centro comercial, que foi inaugurado no Natal de 1978. Na altura, recordam, o Brasília era o único centro comercial de grande dimensão. Na Rua de Passos Manuel já lá estava o Invictos, aberto desde 1976, mais pequeno.
Quem entra no centro, no piso ao nível da rua, encontra sinais de actividade. As lojas estão quase todas ocupadas e há outras que se preparam para abrir. Continua a ser um espaço onde o vintage tem algum protagonismo. Neste momento há cinco lojas dessa categoria, o que desde os anos 90 caracteriza o centro. Actualmente há fila de espera para arrendar uma das 112 lojas. No entanto, só 70% é que estão a funcionar. Isso acontece porque algumas estão apenas para venda.
Algo transversal nestes centros comerciais mais antigos é não existir um proprietário comum a todas as lojas. No CCC há 150 proprietários. Além das 112 lojas, há 49 escritórios. Essa é uma das maiores dificuldades na altura de reunir consensos, dizem Teresa Pinto e Eduardo Pereira. Conseguiram estipular em conjunto os valores médios do arrendamento dos espaços, que variam entre 50 e 150 euros. Continua-se a trabalhar para tentar chegar a uma identidade: “Tentamos sensibilizar os proprietários para uma determinada orientação.”
O objectivo é conservar a ideia de que é um centro comercial mais “alternativo”. Dar continuidade a esse legado depende dos negócios que lá se vão estabelecendo. Neste momento está para abrir um atelier galeria de arte, outro espaço ligado às artes, uma loja de restauro de móveis e outra de coleccionismo. Para reforçar essa ideia, de há uns anos para cá abrem a porta à realização de eventos. Têm a Expo-Feira de Coleccionismo, a Festa da Música, a Festa do Livro ou o Zine Fest. Com estas actividades foram captando a atenção de um público que desconhecia o CCC ou já não ia há algum tempo ao centro, que no final dos anos 90, quando começaram a abrir as grandes superfícies na periferia, entrou em declínio.
Oportunidades
Teresa Pinto e Eduardo Pereira acreditam que o regresso de pessoas à Baixa e à Rua de Cedofeita, que “nos últimos anos se reinventou”, poderá ser positivo para o centro. Os preços “proibitivos” das lojas de rua acreditam poder ser uma alavanca para que novos empreendedores encontrem nestes centros comerciais uma alternativa para montar e testar propostas. Negócios como a Velourb, que José Mendes criou e que, em termos de localização, depende mais da geografia do que da visibilidade. “Estou numa das melhores zonas da cidade”, afirma, reforçando que é um negócio que não depende da “clientela” do centro comercial. “Estes centros comerciais antigos padecem de vários problemas, mas são oportunidades para novos negócios e negócios mais direccionados.”
Invictos quer mais luz
No eixo entre a Rua de Santa Catarina e a Praça dos Poveiros, noutra zona comercial por excelência, está o Centro Comercial Invictos (CCI). Encostado ao Coliseu, está numa zona que lhe confere um elevado potencial de sucesso, considera Carlos Almeida, proprietário do Anjos Urbanos Cabeleireiros, há 15 anos no CCI. É a marca mais forte do centro comercial e a cara do mesmo. Está na entrada de Passos Manuel, que há uns anos não era nada convidativa. “Juntava-se aqui nas escadas muita gente associada às drogas e ao álcool”, conta. “Hoje já não acontece tanto, mas ainda há quem entre e não passe do meio do centro para lá”, diz. Permanece o estigma.
Apenas há cerca de meio ano, Ricardo Leal assumiu a administração do CCI. “É preciso renovar a imagem.” E é por aí que vai começar.
Das 52 fracções, que após algumas fusões deram origem a 30 lojas, 12 estão por ocupar. A médio prazo pretende-se abrir o espaço a algumas lojas-âncora.
O plano de renovação da nova administração, que também está responsável pelo Cristal Park, passa por encontrar um denominador comum que confira ao CCI alguma coerência. Ainda está por encontrar, mas a intenção diz ser seguir a linha de oferta para o “tipo de clientes” que o Anjos Urbanos chama. Até lá trabalhar-se-á na recuperação estrutural do edifício.
Questionado pelo PÚBLICO sobre se estes centros comerciais mais antigos foram esquecidos, responde que, mais do que isso, “foram abandonados”. “O caso do Stop é um dos exemplos. Ainda existe, porque houve quem o transformasse noutra coisa diferente”, diz.
Readaptar para perdurar
No Stop, na Rua do Heroísmo, quase não há salas vazias. Das 151 fracções só 12 não estão ocupadas e porque os proprietários não as querem arrendar, diz-nos Carlos Freire, chefe dos auxiliares, que recebe os pedidos de arrendamento. Há 107 fracções que são salas de ensaios de bandas, estúdios de gravação e uma sala de concertos. As restantes são escritórios ou lojas antigas que ainda estão abertas. Calcula-se que ao todo ensaiem no centro mais do que 200 bandas, já que as salas de ensaio são quase todas partilhadas por mais do que uma. Foi “este acaso”, quando ainda nos anos 90 uma primeira banda alugou uma loja para a transformar numa sala de ensaio, que permitiu ao Stop manter as portas abertas. A longo prazo o objectivo é transformar o centro num espaço exclusivamente dedicado à música, conta Carlos Freire.
À imagem do Stop, outros centros readaptaram-se, como é o caso do Central Shopping, agora ocupado por uma empresa multinacional, ou o Parque Itália, na Boavista, que é agora, mais do que um centro comercial, “um centro de serviços”, diz-nos José Oliveira, administrador. Ainda estão lá algumas lojas a funcionar, mas os espaços que foram ficando vazios deram lugar a escritórios. “Não há quase espaços vazios”, afirma.
O presidente da Associação dos Comerciantes do Porto, Nuno Camilo, defende que, face a uma mudança de hábitos dos clientes, que se foram “acomodando” aos “novos” centros comerciais, a sobrevivência dos centros mais antigos poderá estar dependente da readaptação a novas realidades. Acredita ser preferível arrendar um espaço que está desocupado para escritório ou para outro tipo de negócio que não uma loja do que mantê-lo fechado. Será essa multiplicidade de oferta que poderá dar a ganhar a outros negócios que existem no mesmo edifício. Dá o exemplo do Brasília, para onde defendia a instalação de uma Loja do Cidadão: “Havendo pessoas a trabalhar nesses espaços, haverá também gente a consumir nos negócios que lá estão.”