Arca, o colaborador perfeito
Ela tem 52 anos e ele 28, mas quando se juntam a comunicação fácil acontece. No novo álbum dela, o músico e produtor venezuelano Arca volta a estar em evidência.
Há um fosso geracional. Ela tem 52 anos e ele 28 anos. Quando se conheceram há três anos ela ficou boquiaberta com o conhecimento que ele tinha da sua obra, devolvendo-lhe coisas que nem ela tinha presente. Ele está-lhe agradecido porque ela lhe deu a confiança que lhe faltava.
Alimentam-se mutuamente. Björk diz que comunicam de forma telepática e que nunca colaborou com ninguém com quem tivesse tamanha convergência de ideias. Na feitura de Vulnicura (2015), e na digressão que se seguiu, ele foi importante. Mas agora o seu papel cimentou-se, participando desde o início e não apanhando o processo a meio, assumindo a co-produção, com ela a afirmar que existiu grande partilha. Para mais o colaborador desde a primeira hora dele, o artista e videasta Jesse Kanda, participou agora também na cultura visual do álbum dela.
Se com Arca definiu um universo onde os signos masculinos e femininos e o que é humano ou pós-humano é representado e ao mesmo tempo questionado, com ela parece estar a acontecer o mesmo, como se constata olhando para a capa do novo disco, que foi concebida por Kanda e pela própria Björk.
Arca tem estado bastante activo nos últimos anos. Para além de Björk tem colaborado com Kelela, FKA Twigs ou Kanye West e tem-se lançado em nome próprio. Primeiro com o álbum Xen (2014), depois com Mutant (2015) e, este ano, com um registo homónimo, o seu melhor álbum até agora.
E com esta curiosidade. Até agora era conhecido por compor sonoridades futuristas singulares, predominantemente instrumentais. Björk insistiu com ele para começar a cantar, assumindo o castelhano. Ele assim fez. E o resultado é uma obra que acabará, no final deste ano, por rivalizar em muitas das listas dos melhores álbuns de 2017 com o disco dela.
Ao longo dos anos Björk recorreu a muitos colaboradores na feitura dos discos (Neelee Hooper, Mark Bell, Matmos, Zeena Parkins, Leila). Há dois anos insurgiu-se na imprensa porque sentia que nem sempre os créditos na feitura da música lhe eram endereçados. O facto de ser mulher e cantora a colaborar maioritariamente com músicos homens, segundo ela, ajudou a criar a ideia errónea de que a composição nem sempre seria dela. Com Arca essas tensões não acontecem.
Se existe coisa que, diz ela, lhe é essencial é o trabalho colectivo: “Gosto de espaço para a solidão e para a reflexão pessoal, mas também para a troca. Ser-me-ia difícil fazer música totalmente sozinha”, admitia há anos, assumindo que tinha uma ideia romântica do trabalhar em grupo. “É a minha herança anarquista, mas também aprendi sobre dinâmica colectiva com o meu pai como líder sindical.”
O facto de ter feito parte, desde a infância, de uma família muito grande também é mencionado por ela como um factor importante na forma como é obrigada a comunicar para pessoas de gerações e formações diferentes. “Desde sempre convivi com gente excêntrica e vulgar, das mais diferentes idades, pelo facto da minha família ser enorme e diversa e isso ajudou-me porque me obrigou a tentar ser compreendida por todos. Acho que transportei isso para a música. Sempre me interessou a criação sem compromissos, mas que pudesse cantar à minha avó e ela compreender.”
Como a coreógrafa que necessita que o bailarino intervenha na composição e não seja mero executante, ou como o artista plástico que projecta uma escultura de luz e aproveita a técnica do electricista para dar corpo ao que imaginou, a islandesa sabe que é possível desenvolver em grupo ideias em laboratório que ela foi arquitectando na solidão. Por norma tende a trabalhar com criadores que contêm traços de semelhança com ela, expondo traços de singularidade, mas capazes de comunicação total, conseguido ser tão inteligíveis como experimentais. Exactamente como Arca.