“A ideia de Marcelo é a de reconstituição de um Bloco Central”
“As divergências que temos com o PS não se alteraram, pelo contrário”, lamenta Mariana Mortágua, assinalando onde o Governo está a desiludir o Bloco. Já com Marcelo não há surpresa: quer refazer um Bloco Central e isso vai ser “mais evidente”.
Só os votos ditarão se o BE vai para o governo. Mas as diferenças ante o PS acentuam-se nos serviços públicos e leis laborais, para além da UE, diz a dirigente bloquista.
Passados dois anos deste executivo, sente que o Bloco está mais perto ou mais longe de integrar um governo?
[Risos] Penso que... penso que a questão não pode ser colocada dessa forma. A integração do Bloco num governo do PS não é uma questão de boas ou más relações com o Governo, não é uma questão de esta experiência correr bem ou menos bem. Nós fizemos um acordo com o PS com base num objectivo muito concreto: recuperar rendimentos e travar a terraplenagem de direitos sociais em Portugal. E tem havido ganhos. E acho que o país sente os resultados desse acordo que fizemos. Mas as divergências que temos com o PS não se alteraram, pelo contrário. Entendemos hoje que há uma série de campos em que era possível ir e o PS, infelizmente, não chega a esses sítios. Nalguns sítios até com... é um pouco, não [lhe] chamaria uma desilusão, mas há sítios onde se esperaria mais.
Tais como?
O investimento em serviços públicos é um deles. É evidente que os serviços públicos precisam de um reforço muito importante de investimento e que esse reforço não está a ir tão longe quanto era preciso que fosse. Nas leis laborais era importante reverter o que foi feito durante a troika e que tem precarizado as relações laborais e contribuído para baixar os salários. E essa reversão não foi feita — quanto mais ganhos para além da reversão. E isto independentemente de outras questões que temos sobre regras europeias, tratado orçamental, dívida pública — que condicionam o dia-a-dia e têm traduções muito práticas, que é esta: é a Saúde que precisa de investimento e não tem, a Educação. Nestas áreas o PS não foi até agora tão longe quanto se esperaria. E quando analisamos a pertença ou não pertença, a ida ou não ida para um governo, não discutimos lugares, discutimos políticas.
Portanto, neste momento não haveria condições para ir para este Governo?
Elas não existiram à partida. Quando precisámos de negociar dívida pública e não foi possível negociar uma proposta para reduzir o peso dos juros na dívida que tem asfixiado a economia portuguesa; quando foi preciso negociar mais margem orçamental e não foi possível, porque há margens orçamentais demasiado exigentes — e desnecessárias; quando foi necessário negociar outras medidas e não foi possível.
Acha que alguma vez essas condições vão existir? Com as regras europeias que existem?
[Silêncio] Nenhuma regra é imutável. As regras são feitas por políticos e são um reflexo de relações de forças. E de maiorias. Aquilo que determinará a capacidade do Bloco para fazer valer as suas políticas é a força que tiver em eleições.
Acha que uma eleição de Mário Centeno para o Eurogrupo podia ajudar a mudar regras?
Eu penso que isso é muito pouco...
Provável?
Não é a questão de ser provável. Não entendemos que uma eleição para o Eurogrupo funcione como uma espécie de promoção da qual Portugal tire algum tipo de vantagem. Até hoje o Eurogrupo foi uma instituição que tem servido para pressionar as economias mais frágeis e para impor as políticas mais absurdas e prejudiciais aos interesses dos países mais frágeis. Não me parece que vá mudar a sua natureza. Tenho imensas dúvidas de que, seja quem for a personalidade, possa alterar essa natureza.
Começámos esta entrevista falando do Presidente, voltamos a ele: antes da apresentação deste Orçamento ele alertou contra um Orçamento eleitoralista, esta semana voltou a dizer que é preciso saber quanto custam as reposições de carreira. Pelo meio tivemos os incêndios. Crê que o Presidente começou a voltar costas a esta maioria?
Eu não gosto de me colocar no papel de comentadora, muito menos de interpretar intenções ou acções. Sempre me pareceu que o Presidente e a sua ideia seria a ideia de reconstituição de um Bloco Central. Para além de questões mais conjunturais. Portanto, é de esperar que, tendo em conta a conjuntura partidária...
As mudanças no PSD?
Entre outras coisas. É de esperar que essa tendência quase natural do Presidente da República se venha a manifestar. Não é nada de surpreendente, acho que é até bastante expectável.
Em 2019?
Ah, mas isso é um nível de previsão, calendarização... [risos]
Estamos a falar de Marcelo Rebelo de Sousa.
Bem sei [sorriso]. Cada um terá os seus planos muito bem feitos, muito detalhados. Mas falo de tendências gerais: penso que a ideia que preside à acção do Presidente é a ideia de um Bloco Central. Penso que é essa a ideia de estabilidade que quer promover e a ideia de validar um certo discurso que, do ponto de vista retórico, não se distancia muito — embora numa versão mais light — da retórica da direita sobre a crise, sobre a reposição dos direitos, rendimentos. É expectável que essa aproximação venha a ser cada vez mais evidente no futuro.
E pensa que o PS cederá?
Tudo dependerá da relação de forças. Não há cartas marcadas neste jogo, dependerá da força que cada partido tiver no futuro. E sobre o PS só o PS pode responder.