Sobe a pressão para ser investigada a lavagem de dinheiro em Malta
Falta de controlo sobre movimentos financeiros de clientes do Azerbaijão num banco maltês ganha visibilidade. Parlamento Europeu pôs a nu sucessão de casos em Malta.
A aparente passividade das autoridades de Malta perante suspeitas de corrupção ligadas a pessoas politicamente expostas, a denúncia de esquemas de planeamento fiscal opacos, os atrasos na transposição de medidas de combate ao branqueamento de capitais e as falhas no controlo de movimentos financeiros estão a deixar as instituições maltesas, do Governo às instâncias judiciais, sob maior atenção internacional, para se apertar o cerco à criminalidade económica e à lavagem de dinheiro na praça financeira mediterrânica.
A pressão sobre o primeiro-ministro trabalhista, Joseph Muscat, ele próprio fragilizado por revelações que associam a mulher e membros do seu Governo a alegados pagamentos através de contas offshore, tem vindo a subir de tom nos últimos meses e chega de várias frentes. Começou ainda em 2016 com as revelações dos Panama Papers, tornou-se mais visível este ano com os Malta Files, expondo milhares de empresas que ali beneficiam de um sistema fiscal altamente chamativo, e voltou a intensificar-se no rescaldo dos Paradise Papers com uma resolução do Parlamento Europeu muito crítica do funcionamento do Estado de Direito no país.
Pelo meio, quando Valletta estava a dias de terminar a presidência rotativa da União Europeia, a Comissão Europeia confrontou Malta com o facto de não ter transposto dentro do prazo (até 26 de Junho) a nova directiva anti-branqueamento de capitais. Mas a questão é anterior e mais profunda do que o mero falhanço de prazos: outras dúvidas que se levantaram sobre o cumprimento das actuais regras de combate ao branqueamento de capitais fizeram chegar a Bruxelas alertas para que a Comissão actuasse e se procedessem a investigações.
O país não foi a único a ser visado por Bruxelas em relação à nova directiva – outros 16 receberam notificações para que transponham as novas regras. Christian Wigand, porta-voz da Comissão Europeia, confirma ao PÚBLICO que Bruxelas vai agora “analisar as respostas e tomar uma decisão sobre os próximos passos do processo de infracção”, nada mais referindo sobre a situação de Malta.
Agora pela mão de diferentes bancadas, o Parlamento Europeu aprovou um texto a denunciar uma sucessão de casos e suspeitas que apontam para a falta de independência política das forças policiais e judiciárias no combate à lavagem de dinheiro. A resolução, aprovada na semana passada com 466 votos a favor, 49 contra e 167 abstenções, vale pela exposição que dá ao caso maltês. Sobretudo num momento em que Bruxelas está a pedir mais esclarecimentos sobre diferentes assuntos, ora em relação à nova directiva, ora em relação à aplicação das regras do IVA na região, mesmo que um relatório recente tenha assinalado o facto de o chamado desvio do IVA no país ter sido um dos que mais melhorou na União Europeia.
Dúvidas sobre um banco
O caso de Malta tem várias ramificações. Perante várias acusações de corrupção, a polícia maltesa não avançou com investigações. Algumas alegações deram origem a inquéritos judiciais, mas uma das situações que saltou à vista dos eurodeputados foi o facto de não ter surgido “qualquer investigação policial” às revelações dos Panama Papers, onde se encontraram revelações sobre um ministro, um antigo ministro do anterior executivo e altos funcionários do país.
Documentos confidenciais da Unidade de Informação e Análise Financeira (UIAF) conhecidos em Maio levantaram suspeitas de lavagem de dinheiro sobre um funcionário de um gabinete do Governo. Depois das fugas de informação, dois funcionários desta unidade acabaram despedidos. E outro relatório publicado na mesma altura, lembra a resolução do PE, levantou o véu sobre uma instituição financeira – “descreveu em pormenor a inspecção levada cabo pela UIAF nas instalações do Pilatus Bank, a qual terá permitido apurar que o banco maltês infringe a legislação maltesa antibranqueamento de capitais”.
Os clientes do banco, apontam os deputados, “são na sua maior parte pessoas politicamente expostas do Azerbaijão” em relação às quais a instituição financeira “não aplicou medidas reforçadas de diligência”. Mas não se conhecem inquéritos judiciais em relação às pessoas politicamente expostas (quem ocupa ou tenha ocupado recentemente cargos públicos importantes, como deputados, membros de Governo, chefes de missões diplomáticas).
O assassínio da jornalista de investigação Daphne Caruana Galizia, a 16 de Outubro, num atentado bombista no seu carro, chocou a população e motivou manifestações na rua a exigir consequências.
O caso acabou inevitavelmente por trazer à tona várias histórias que a jornalista denunciara no seu blog. Galizia, alvo de fortes pressões chegando este ano a ficar com as contas bancárias congeladas, investigara o tráfico de combustível entre a Líbia e Malta, o que leva as autoridades italianas a não excluírem que uma rede de contrabando de combustíveis a actuar em Malta, Itália e Líbia possa estar por detrás do atentado. Outro caso denunciado pela jornalista foi um alegado caso de corrupção envolvendo o primeiro-ministro trabalhista Joseph Muscat e outros membros do Governo, por suspeitas de terem recebido pagamentos com origem no Azerbaijão.
Um assunto sensível à luz das outras revelações. O maior grupo financeiro esloveno, o NLB, referido num outro dossier, o caso Azerbaijani Laundromat, é o próximo assunto na agenda da comissão de inquérito dos Panama Papers em Bruxelas.