Compra e venda de equipamento militar está fora de controlo, diz Tribunal de Contas

Nova auditoria à execução da lei de programação militar detecta deficiências por corrigir há uma década. Juízes não aceitam confidencialidade como argumento para não prestar contas rigorosas.

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A compra e venda de equipamento militar por parte das Forças Armadas está fora de controlo, diz o Tribunal de Contas na sua mais recente auditoria.

Num relatório divulgado nesta quarta-feira de manhã, os juízes acusam o Ministério da Defesa e as Forças Armadas de não lhes terem fornecido informação suficiente sobre a execução da lei de programação militar – o que os impediu de auditar com rigor os investimentos do sector.

“A documentação disponível para os respectivos sistemas de gestão e controlo [das Forças Armadas] não fornece transparência ao processo de planeamento, execução, controlo e reporte e não confere a consistência, a fiabilidade e a completude exigíveis à lei de programação militar”, pode ler-se no documento, que acrescenta que esta limitação “impossibilita o Tribunal de Contas de formular um juízo sobre a adequação do planeamento, execução e controlo” da compra e venda de aeronaves e outros equipamentos militares.

Os juízes não aceitam o argumento da confidencialidade das despesas do sector invocado pelas Forças Armadas para não prestar contas com rigor. “A programação dos investimentos militares publicitada noutros países é bastante mais clara, objectiva e detalhada”, apontam, dando como exemplo França, onde este tipo de informação é publicada online. E recordam que estas são insuficiências e deficiências que têm vindo a assinalar na última década, “sem que tenham sido tomadas medidas para as colmatar, apesar das recomendações do tribunal nesse sentido”.

Apesar da opacidade, de uma coisa, porém, o Tribunal de Contas não tem dúvidas: de que foi enganado quando deu o seu aval para que os aviões C-130 fossem reparados na OGMA — Indústria Aeronáutica de Portugal. É que o visto do Tribunal de Contas baseava-se no pressuposto de que as verbas sairiam do orçamento de funcionamento da Força Aérea, quando, afinal, acabaram por vir da lei de programação militar, “em desrespeito pela decisão judicial de concessão de visto do tribunal”. Se a situação se voltar a repetir, os juízes ameaçam vir a sancionar financeiramente os responsáveis pela violação da lei.

De resto, o relacionamento entre a Força Aérea e a OGMA não parece, de acordo com o que apurou a auditoria, pautar-se pelo maior rigor. Ainda no que respeita aos C-130, a Força Aérea pagou mais de cinco milhões de euros para reparar injectores que, entretanto, a Indústria Aeronáutica de Portugal “considerou irreparáveis”. Mais tarde, “pagou 2110 euros referentes a peritagem dos mesmos injectores, mas na factura constava a indicação de ‘reparação’”. Apesar de tudo, as contas acabaram por bater certo no final: as oficinas prestaram serviços extra à Força Aérea para a compensar do dinheiro pago a mais. 

As deficiências encontradas na auditoria estendem-se aos sistemas informáticos e ao planeamento. “Na Força Aérea existem cerca de 70 aplicações” informáticas em uso, algumas dos quais obsoletas, refere o Tribunal de Contas. Em causa estão sobretudo os sistemas de suporte à logística, que impedem uma adequada e eficiente gestão de existências. “Existe necessidade de aplicações ajustadas à actividade em áreas exclusivas e sensíveis”, conclui o tribunal, recordando que também já no passado recomendou que este tipo de problemas fosse resolvido.

No caso da Força Aérea, a auditoria preconiza que os projectos destinados à sua modernização estejam ancorados em “pareceres e estudos técnicos robustos”, elaborados por entidades independentes da indústria ou de potenciais fornecedores. Objectivo declarado: “Prevenir a existência de possíveis conflitos de interesse e decisões financeiras ou administrativas viciadas de desvio de poder”.

Perante o cenário com que se depararam, os juízes recomendam ao ministro da Defesa que a revisão da lei de programação militar, que deverá ficar pronta no ano que vem, inclua um novo modelo de gestão orçamental centrado no desempenho e nos resultados, por forma a que passe a ser possível o escrutínio do investimento nas Forças Armadas. Tendo em conta que está em curso uma reforma da administração financeira do Estado, preconizam para 2019 a plena integração dos investimentos em causa no sistema de programação orçamental plurianual – que estabelece os limites de despesa financiada por receitas gerais. 

Confrontados pelos juízes com as irregularidades detectadas na auditoria, as Forças Armadas responderam como puderam. A Força Aérea, por exemplo, alega que as delongas na revisão da lei de programação militares não eram compagináveis com a constante inovação tecnológica na área da aeronáutica, o que a fez redefinir prioridades ao nível da compra e venda de equipamentos militares. E assegura que “sempre” actuou dentro do quadro legal vigente, procurando a melhor eficiência da despesa pública”. Para, a seguir, admitir poder ter “praticado alguns lapsos”, que “pela sua reduzida expressão”, devem ser desculpados pelo Tribunal de Contas.

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