Esquerda e Governo acordam solução no OE para descongelamento das carreiras
Costa junta-se a Marcelo para travar mais exigências de reposição de carreiras. Mortágua avisa que repor carreiras sem contar todo o tempo de serviço "nunca foi feito", nem com Cavaco nem com Guterres.
Da votação desta quarta-feira das propostas do Orçamento do Estado (OE) para 2018 não deverá surgir grande celeuma em torno do caso mais complicado para o Governo: a forma como será feito o descongelamento das carreiras dos professores. Ao que o PÚBLICO apurou, BE e PCP vão aprovar a proposta do PS e com isso adiam uma solução em letra de lei para o que sair das conversas do Governo com os sindicatos, que serão retomadas a partir de 15 de Dezembro.
Nos últimos dias, os partidos e o Governo têm andado num braço-de-ferro sobre o que devia constar no OE sobre este assunto. Perante o impasse, o que ficou acordado nesta terça-feira entre os partidos no Parlamento não foi mais do que a aprovação da proposta do PS, que não define nada em concreto, ficando tudo dependente das negociações entre o Ministério da Educação e os sindicatos.
A proposta dos socialistas, que chegou a ser dada como retirada do guião de votações, vai, no entanto, sofrer uma pequena alteração de semântica. No texto lê-se que "a expressão remuneratória de tempo de serviço" nas carreiras em causa "é considerada em processo negocial com vista a definir o prazo e o modo para a sua concretização". Ora, a esquerda e os sindicatos pediram para que o "de" fosse trocado por um "do" para que o artigo passe a definir mesmo "o tempo de serviço em que as carreiras estiveram congeladas" e não um tempo indefinido.
O secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares confirmou ao PÚBLICO que os socialistas vão corrigir o texto, no momento da votação. “Temos de o fazer para que fique como o que foi acordado entre o Governo e os sindicatos às seis da manhã de sábado”, disse Pedro Nuno Santos.
Apesar desta alteração de semântica, pouco mais ficará em letra de lei para já e nada garante que a mudança do "de" para "do" signifique que contará todo o tempo de serviço, até porque isso não foi garantido aos sindicatos, que assumem apenas que está em cima da mesa. Ao que o PÚBLICO apurou, o Governo entende que "algum" tempo deve contar, mas aceder a contar todo o tempo de serviço abriria uma "caixa de Pandora", dado que outras classes profissionais já vieram exigir o mesmo, e criaria uma pressão enorme sobre as contas públicas.
Foi, aliás, nesse sentido, para arrefecer as expectativas quer dos professores quer de outros profissionais nas mesmas circunstâncias - como os militares, forças de segurança e magistrados do Ministério Público -, que António Costa se juntou nesta terça-feira ao Presidente da República na defesa desta ideia. "A ilusão de que é possível tudo para todos isso não existe", disse aos jornalistas no final do fórum económico na Tunísia. Costa fez questão de referir que vai ter em conta as capacidades do país para satisfazer reivindicações: "Tem de haver a compreensão de que é possível repor o relógio a andar para a frente, só que não é possível repor o relógio a andar para trás”.
Se aplacou as exigências dos profissionais acabou por dar também um recado aos parceiros de governação, lembrando que este é um assunto que "não consta do programa do Governo, em relação ao qual não há qualquer compromisso". O que está no programa, disse, é o descongelamento, e não "a recuperação das carreiras".
E neste assunto Costa e Marcelo falam a uma só voz: "A posição do Presidente da República e do primeiro-ministro são iguais no que se trata a não desbaratar aquilo que deu tanto trabalho aos portugueses", disse Marcelo Rebelo de Sousa numa visita à Reitoria da Universidade de Lisboa.
O Presidente frisou por várias vezes que não se estava a referir a um caso específico, mas as notas estavam todas lá. "Tudo o que venha no futuro a ser decidido não pode pôr em causa esse objectivo fundamental, senão o que aparentemente está a ser dado com uma mão está-se a tirar com várias mãos. (...) O país percebe que aquilo que for necessário fazer em termos de justiça social deve ser feito, sem pôr em risco o que é muito importante e foi conquistado até hoje", insistiu.
Para já, o Governo conseguiu que a esquerda travasse alguma reivindicação — pelo menos nos actos, uma vez que nas palavras insiste que esta reposição deve acontecer nesta legislatura e prever também outras carreiras. "Qualquer uma das três propostas [do PS, do BE e do PCP] protege mais os trabalhadores do que a lei do Orçamento do Estado", disse Joana Mortágua a justificar o voto do BE. O PCP remete para o que disse na semana passada.
Em termos políticos, o assunto não morrerá cedo, apesar desta cedência da esquerda. Pelo BE, numa entrevista ao PÚBLICO e à Rádio Renascença, que será divulgada nesta quinta-feira, Mariana Mortágua lança uma nova pressão sobre Costa, comparando com o que foi feito por Cavaco Silva. "Não quero acreditar — e acho que isso nunca esteve em cima da mesa — que ao descongelar carreiras todos os anos de serviço fossem pura e simplesmente ignorados. Isto não pode ser aceitável, nunca foi feito. Assim foi no tempo de Cavaco Silva, assim foi no tempo de António Guterres", disse.
Eram estas as reivindicações que estavam explanadas nas propostas do BE e PCP que também vão a votos e para as quais PSD e CDS mantêm reserva sobre a sua posição de voto. O líder da bancada social-democrata, Hugo Soares, confirmou ao PÚBLICO que o partido está a analisar as propostas. Da parte do CDS, a deputada Ana Rita Bessa mantém que precisa de mais informação sobre o impacto orçamental.
Boa-fé negocial
Em reacção às declarações de António Costa, os sindicatos de professores remetem para a declaração de entendimento assinada no sábado, na qual se afirma que a recuperação do tempo de serviço estará em cima da mesa das negociações.
“Temos um compromisso assinado pelo Governo com vista a reparar os danos provocados pelo congelamento”, comentou o líder da Federação Nacional de Professores (Fenprof), Mário Nogueira. Este dirigente sindical admite que o texto do compromisso tem “fragilidades”, mas mesmo como estas fraquezas “nada foi posto em causa” daquilo que tem vindo a ser exigido pelos docentes.
Também o líder da Federação Nacional da Educação (FNE), João Dias da Silva, afirma que os sindicatos assinaram “de boa-fé um compromisso com o Governo". "Vamos para as negociações com base nos pressupostos que assinámos". com M.J.L., S.R, D.D., R.M.