Vinte e cinco anos depois, o bósnio esquelético da capa da Time viu ser feita justiça

Vários sobreviventes e familiares de vítimas de crimes de guerra e contra a humanidade cometidos na Bósnia estiveram esta quarta-feira em Haia, onde Ratko Mladic foi sentenciado a uma pena de prisão perpétua.

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Fikret Akic esteve preso nos campos de Keraterm e Trnopolje LUSA/Freek van den Bergh
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Nesta terça-feira em que Ratko Mladic, o comandante militar de etnia sérvia que ficou conhecido como “o carniceiro da Bósnia”, foi condenado a uma pena de prisão perpétua, vários sobreviventes que sofreram às mãos dos seus homens, bem como familiares das vítimas, juntaram-se à porta do Tribunal Penal Internacional em Haia, na Holanda, onde foi lida a sentença. Entre eles estava Fikret Alic, o homem que, há 25 anos, apareceu em pele e osso numa fotografia que correu o mundo.

A imagem de um homem subnutrido atrás de uma rede de arame farpado, juntamente com outras vítimas de violência, no campo de concentração sérvio de Trnopolje, acabou por ser capa da revista norte-americana Time a 17 de Agosto de 1992. E foi com essa capa na mão que Alic aguardou em Haia pela notícia da condenação de Mladic.

Fikret Akic foi prisioneiro nos campos de Keraterm e Trnopolje. Hoje vive na localidade bósnia de Kozarac, a quase 200 quilómetros da sua casa ancestral, que foi destruída na guerra pelas forças sérvias na Bósnia. É agora casado e pai de três filhos. Numa entrevista ao Guardian em 2012, Fikret recorda a forma a guerra afectou quem a viveu. O seu irmão mais novo, conta, acabou por ser internado para um hospital psiquiátrico depois de ter acordado um dia a falar dos campos de concentração, e de nunca mais ter parado de o fazer. “Eu sou um homem que ri. E foi isto que salvou a minha vida. Sobrevivi por causa de anedotas parvas que são mais tristes que engraçadas. Mas se não tivesse aprendido a rir-me, não teria conseguido”, dizia ao Guardian em 2012. 

Na mesma entrevista publicada naquele diário britânico, outros sobreviventes contavam as suas histórias e a forma como tentavam recuperar dos abusos que tinham vivido e sentido na pele: desde a tortura à destruição das suas aldeias, passando pela perda de familiares e amigos. Daqueles dias sobram poucas horas de sono e memórias difíceis de apagar. Dzemal Paratusic, por exemplo, revive o trauma desde 2009, quando regressou ao campo de concentração de Omarska para uma cerimónia de homenagem às vítimas: "Os problemas começaram aí. Memórias que não me deixam adormecer. Durmo uma hora por noite, depois adormeço outra vez de manhã e regresso ao campo".

“Pergunto-me muitas vezes: o que é que me aconteceu durante aquela altura no campo para que eu não sentisse dor nenhuma? O que é que isto pode ter feito ao meu corpo e à minha cabeça?”, questionava-se Dzemal Paratusic, que esteve preso no campo de Omarska.

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Tanto em Haia como em várias cidades do mundo por onde a diáspora bósnia se espalhou por força da guerra, várias mães e sobreviventes da guerra e do massacre de Srebrenica choravam enquanto assistiam à leitura da sentença de Mladic através da televisão. Mães como Munira Subasic, que perdeu o marido e o filho, e que em 2013, quando era presidente da principal associação de mães de Srebrenica, dizia que o que aconteceu em 1995 ainda não tinha acabado: “Ainda somos muitas, mães e mulheres, a procurar as ossadas dos nossos filhos e dos nossos maridos”.

Mladic, o principal executor da operação de genocídio e “limpeza étnica” na Bósnia durante a guerra, foi considerado culpado de dez dos 11 crimes de que estava acusado, incluindo a morte de cerca de oito mil homens e rapazes muçulmanos no massacre de Srebrenica, em Julho de 1995, o mais grave na Europa desde a II Guerra Mundial.

A condenação de Mladic surge cerca de ano e meio depois de Radovan Karadzic, antigo líder político dos sérvios da Bósnia e outro dos principais responsáveis pelo massacre de Srebrenica, ter sido sentenciado a 40 anos de prisão por genocídio, crimes de guerra e crimes contra a humanidade.

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