"Quem está a assegurar o equilíbrio nutricional dos pratos vegetarianos nas escolas?"

Devia haver mais nutricionistas nos centros de saúde, nas escolas, nos lares, mas ainda falta vontade política, diz a bastonária Alexandra Bento, no dia em que começa o Congresso da Ordem dos Nutricionistas.

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Daniel Rocha

Há medidas positivas, mas falta articulação. Esta é uma das críticas que Alexandra Bento, bastonária da Ordem dos Nutricionistas, faz ao Governo. A obrigatoriedade de introduzir nas ementas das cantinas escolares uma opção vegetariana, que neste ano lectivo entrou em vigor, é um bom exemplo. “Como é possível a Assembleia da República legislar uma medida que tem importância e o Governo não estar preparado para a operacionalizar?”, interroga-se. “Quem é que está a assegurar o cumprimento do equilíbrio nutricional desses pratos? Há que perguntar. Porque não são nutricionistas.”

A relevância do trabalho dos nutricionistas é uma questão que percorre o programa de todo o Congresso da Ordem dos Nutricionistas, que decorre entre esta terça-feira e amanhã, em Lisboa, e que se orgulha de ser “o primeiro no mundo sem patrocínios”. O que Alexandra Bento lamenta é que haja um número insuficiente de profissionais onde defende que deveriam estar: nas escolas, nos lares de idosos, nos centros de saúde. “Quem é que se responsabiliza pelo equilíbrio nutricional dos meninos que escolhem a dieta vegetariana? Ou pela adequação da alimentação para uma criança que tem a doença celíaca ou a doença de Crohn ou que é diabética?”

Reconhece que “temos um princípio excelente, que é o de as escolas fornecerem alimentação às crianças”, mas considera que é importante actualizar algumas medidas. “A criação do [Programa do] Leite Escolar foi importantíssima, mas, neste momento, devíamos pensar na obrigatoriedade de ser leite sem qualquer tipo de adição. Não é concebível que num momento em que se fala de um consumo excessivo de açúcar estejamos a fornecer leite achocolatado às crianças.”

Mas, ainda mais importante do que isso, é a educação alimentar dos mais jovens, que, na opinião da bastonária, também não está a ser feita de forma adequada. “O que se ensina sobre a roda dos alimentos é muito pouco”, afirma. “Tem de haver novas abordagens na passagem da informação. As crianças são sensíveis às causas ambientais porque essa informação foi bem passada. [No caso da alimentação], é preciso envolver outros actores, como os chefs, mas é preciso que estes também tenham um verdadeiro conhecimento do que é a alimentação saudável. Isso é difícil sem envolver os nutricionistas.”

A Ordem tem tentado fazer chegar esta mensagem ao ministro da Educação, mas não tem sido fácil, diz. “Reunimo-nos com o secretário de Estado para manifestar a nossa preocupação. Já tentei ser recebida pelo ministro e até ao momento não fui, o que parece indicar que o ministério não encara esta questão como premente. Provavelmente, a única hipótese é enviarmos uma proposta por escrito ao ministro, o que me parece desajustado.”

Falhas nos centros de saúde

Voltamos à questão da “falta de articulação”. O que Alexandra Bento constata é que “no papel temos uma estratégia desenhada”, mas “falta uma verdadeira vontade política para a pôr em prática”. E se o Ministério da Saúde parece sensível aos argumentos dos nutricionistas, as medidas não passam depois pelo crivo do Ministério das Finanças.

A Ordem defende a importância da presença de nutricionistas nos centros de saúde como parte de uma política de prevenção de doenças ligadas à alimentação. “Os cuidados de saúde primários não estão desenhados para trabalhar a causa da alimentação e da nutrição”, diz. Há poucos nutricionistas. A proposta que a Ordem apresentou ao Ministério da Saúde passava pela presença de “pelo menos um nutricionista por cada um dos 55 agrupamentos de centros de saúde”, garantindo uma distribuição pelo território nacional mais equilibrada do que a que existe actualmente. Propunham ainda a entrada, logo em 2016, de 55 nutricionistas “com um programa nacional de acção” — a ideia “foi bem acolhida” pelo Ministério da Saúde, mas até agora não foi concretizada.

Alexandra Bento lembra que estamos num momento-chave. “Com os dados do 2.º Inquérito Alimentar Nacional e de Actividade Física [apresentados em Março] passámos a conhecer o panorama do país com precisão. O inquérito diz-nos que temos insegurança alimentar, ou seja, nem toda a população tem um acesso adequado a alimentos. A insegurança situa-se no nosso país em cerca de 10% e a insegurança alimentar grave, que é a dificuldade de acesso a alimentos, está nos 2%. Isto é grave num país que se diz desenvolvido.”

O retrato do panorama nacional mostra ainda que “estamos a viver pior nos últimos anos das nossas vidas, com um rosário de doenças crónicas não transmissíveis relacionadas com a forma como nos alimentamos” — este é, aliás, um dos temas centrais do congresso. E são doenças que pesam no Sistema Nacional de Saúde. “A diabetes custa 10% a 12% do Orçamento do Estado para a Saúde, este é um dado que está no Observatório para a Diabetes”, sublinha a bastonária. “Nos últimos anos, o aumento dos gastos com a diabetes é brutal.” A conclusão? “Sabemos do que estamos a morrer e quanto custam as doenças de que estamos a morrer. E sabemos que prevenir é a melhor aposta.”

A bastonária compara a actual situação com a que se viveu nos anos 1970 e 80 depois da realização do 1.º Inquérito Alimentar Nacional. “Nessa altura fez-se a primeira e única campanha alimentar nacional, muito centrada nas escolas, com os professores. Nunca mais houve uma grande campanha de educação.”

Em Portugal, prossegue, há uma grande aposta na higiene alimentar, porque se trata de regras europeias. Mas o país “ainda não tem uma verdadeira política alimentar e nutricional”. E conclui: “O excesso de peso e a obesidade das nossas crianças vai trazer-nos problemas de saúde no futuro. Como é que conseguimos conviver com isso tendo estrutura para resolver o problema?”

Já depois da conversa com o PÚBLICO, a bastonária elogiou em declarações à Lusa a proposta do Governo no Orçamento do Estado para 2018 que visa criar uma taxa sobre produtos, como biscoitos e batatas fritas, que apresentem elevado teor de sal. Perante a possibilidade de um chumbo, Alexandra Bento diz que lamenta. “A verba arrecadada” poderia ser aplicada em “medidas de promoção de hábitos alimentares saudáveis”.

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