Criar um “balcão único” para trazer “mais ensaios clínicos” para Portugal

Presidente do Health Cluster Portugal, Salvador de Mello, defende que Portugal deve ambicionar conseguir ter 150 milhões de euros anuais em ensaios clínicos, triplicando o valor actual. Hoje realiza-se a conferência anual do Health Cluster, sob o mote “Construir Consensos para 2020 e mais além”.

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Salvador de Mello assumiu a presidência do Health Cluster Portugal em Março RUI GAUDÊNCIO

Desde Março que Salvador de Mello é o presidente do Health Cluster Portugal, uma associação privada sem fins lucrativos que junta diversos actores do sector da saúde. No dia em que se realiza a conferência anual da associação, sob o mote “Construir Consensos para 2020 e mais além”, o também presidente do grupo privado José de Mello Saúde defende que as exportações e os ensaios clínicos são as duas áreas de aposta para captar investimentos, tornando a saúde uma nova Autoeuropa para o país. Quanto ao turismo médico, os mercados-alvo são a Escandinávia, os Emirados Árabes Unidos e a Rússia.


O tema deste ano da conferência anual é “Construir Consensos para 2020 e mais além”. Que consensos são precisos construir?
O primeiro consenso, e compromisso, que é preciso atingir é reconhecer o valor económico e social da Saúde. É um sector que tem tido um desempenho extraordinário, que hoje representa cerca de 5% do Produto Interno Bruto (PIB) - tem um valor acrescentado bruto superior a 8700 milhões de euros -, que emprega pessoas muito qualificadas, que contribui significativamente para as exportações com mais de 1400 milhões de euros. Fica bem patente o valor económico que a Saúde tem. Parece-me que um dos consensos a ser atingido é que é fundamental uma tutela económica do sector da Saúde e não só uma tutela sectorial.
 
Quer explicar melhor esse conceito?
A Saúde, pelo contributo para a criação de riqueza em Portugal, deve ter uma tutela do Ministério da Economia, da secretaria de Estado da Internacionalização e não ser só olhada como um factor de despesa, como uma visão sectorial do Ministério da Saúde implica. Muitas vezes fala-se de turismo. E a Saúde, diria, tem um potencial tão grande ou maior. Por isso deve ter um acompanhamento e um fomento do lado da economia.

O tema da conferência é também “ir mais além”. Onde é este mais além?
É contribuir para uma maior internacionalização, que passa por conseguir um aumento considerável das exportações. A nossa expectativa é acabarmos 2017 com um valor superior a 1500 milhões de euros. Seria um excelente objectivo concretizar 2000 a 2200 milhões de euros em exportações em 2020. Isto implica uma agenda coordenada de todos os actores, desde logo das empresas mas também das instituições universitárias, académicas e públicas. Um segundo objectivo, que gostaríamos de ver concretizado, é conseguir atrair investimento produtivo.

Portugal tem condições de segurança, que a par da estabilidade, são hoje uma vantagem competitiva importante. Devíamos ambicionar trazer um conjunto de investimentos até ao final da próxima legislatura que possam representar uma nova Autoeuropa, pelo efeito multiplicador que possam ter.

Quando assumiu a presidência do Health Cluster Portugal disse que o grande desafio desta direcção seria afirmar no exterior o reconhecimento da "boa saúde" que se faz em Portugal. O que pensam os estrangeiros sobre a nossa saúde?
Faz-se em Portugal um excelente trabalho. Temos indicadores muito positivos: a esperança média de vida é das maiores a nível europeu, a mortalidade infantil é das mais baixas. Portugal tem excelentes equipamentos de saúde, tanto públicos como privados, e muito modernos e excelentes profissionais. Estão em desenvolvimento um conjunto de projectos que colocam Portugal ao nível do melhor que existe na Europa. Com estes factores, mais a segurança e o clima, temos excelentes condições para atrair doentes internacionais. O que falta é mais promoção e reputação. A colaboração com as instituições públicas, Ministério da Economia, AICEP [Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal] são fundamentais, tal como promover a boa saúde que se faz em Portugal sempre que se vai lá fora.

Mas a imagem que as pessoas têm é positiva?
Temos uma população estrangeira residente em Portugal bastante significativa. A população que conhece as nossas unidades de saúde tem uma visão muito positiva do sector. Isso também vai contribuir para o passa-palavra e a reputação do sector. Mas há quem não conheça e há um esforço para levar esse conhecimento.

Está quantificado o peso dos doentes estrangeiros (não residentes) a procurar cuidados em Portugal?
Não tenho ideia do peso, mas temos uma ideia do potencial. O potencial do turismo médico está identificado em cerca de 100 milhões de euros anuais. Os mercados que nos quais queremos trabalhar são essencialmente a Europa – muito a Escandinávia -, os Emirados Árabes Unidos e a Rússia. A importância do turismo médico não é tanto pela dimensão que pode representar, que apesar de tudo é pequena, mas é muito importante para a reputação e para a promoção de Portugal também a outros níveis. O efeito multiplicador a outras actividades pode ser significativo.

Quanto tempo para se chegar a este potencial?
Seria um bom objectivo atingir este valor nos próximos três a cinco anos. Há um outro objectivo que também é muito importante que é o incremento dos ensaios clínicos. Temos todas as condições para sermos um destino significativo de ensaios clínicos. Hoje deveremos ter cerca de 45 a 50 milhões de euros de ensaios clínicos em Portugal e devemos ambicionar chegar muito rapidamente a 150 milhões por ano. Deveríamos assumir o objectivo de triplicar este valor entre cinco a sete anos.

Fala de ensaios clínicos ou de investigação?
Estou a falar de ensaios clínicos das várias fases, incluindo fase 1 [é a primeira fase de testes em humanos – pequenos grupos de voluntários saudáveis – com o objectivo de avaliar a segurança do produto]. Não há razão nenhuma para que Portugal não se aproxime de países que são habitualmente destinos de ensaios clínicos e que não compita com eles. Para isso é fundamental, mais uma vez, uma visão económica do sector. E muitas vezes existem barreiras administrativas que impedem o crescimento dos ensaios clínicos.

Quer dar exemplos?
Uma visão económica e do valor que pode representar, pelo efeito indutor que tem para outras áreas, poderão levar a que se centralize num balcão único a gestão e a promoção de Portugal como destino de ensaios clínicos. Porque ao nível dos hospitais, as barreiras administrativas são tantas que ultrapassam muitas vezes os conselhos de administração, que gostariam de ter mais ensaios clínicos. Mas como a lógica da gestão dos hospitais é muitas vezes do lado da despesa, não têm as condições para um investimentos a mais médio/longo prazo.

Uma das questões apontadas é também a falta de recursos humanos.
Tem a ver com isso. É preciso investir para colher um pouco mais tarde. É preciso uma visão de médio/longo prazo e não uma visão orçamental. É mais um exemplo da tutela económica que me parece muito importante ter. Uma solução seria criar um centro que se constitua como balcão único que assuma a gestão e a promoção dos ensaios clínicos e que tenha flexibilidade para investir nesta área.

E que ficaria sob a alçada do Ministério da economia, na sua opinião?
Teremos de ver. Pode ser uma gestão participada por diversos actores, mas claramente que o Ministério da Economia, da Saúde e outros agentes poderiam participar numa lógica colaborativa. Mas haveria autonomia de gestão e flexibilidade para encarar o investimento numa lógica de médio/longo prazo. A ideia do balcão único é colocada enquanto ambição. É uma possibilidade que o Health Cluster apresenta para a promoção de Portugal enquanto destino de ensaios clínicos, uma proposta para debater e analisar com os players da Saúde em Portugal.

Já existe um grupo interministerial a estudar o turismo de saúde, do qual o Health Cluster faz parte. Quais são os próximos passos?
Os próximos passos são os de promoção, ir a feiras internacionais e dar a conhecer Portugal e a saúde.

Falamos de termas, spas?
Falamos de cuidados médicos: cirurgias, consultas, cuidados mais hospitalares. É disso que estamos à procura, e quando falei dos 100 milhões de euros é o potencial de cuidados médicos.

O que nos distingue de outros países onde o turismo de saúde já uma prática?
Temos um sistema de saúde muito desenvolvido com tecnologia de ponta, profissionais do melhor que existe, um país muito seguro, o clima e uma excelente relação qualidade-preço. Falo nesta relação e não só em preço, porque não somos os mais baratos – penso que não devemos ambicionar ser os mais baratos –, mas sim termos um preço correspondente à qualidade que prestamos.

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