Parlamento decide tratar novos dados sobre Tancos à porta fechada
Chefe de Estado-Maior do Exército foi ouvido sob sigilo na Comissão de Defesa pela segunda vez e os documentos confidenciais entregues ficam num cofre a que os deputados só podem aceder mediante pedido expresso.
De porta bem fechada. Foi desta forma que a Comissão de Defesa Nacional decidiu que vão ser geridas as informações que vai conseguindo obter sobre o desaparecimento do arsenal de guerra de Tancos em Junho. Por isso, tanto os documentos enviados pelo Exército ao Parlamento, classificados como confidenciais, como a audição do chefe de Estado-Maior deste ramo, realizada nesta terça-feira, ficaram fechados e assim deverão continuar, de acordo com a vontade da maioria dos deputados da comissão.
No final da audição, o presidente da comissão considerou que tinha sido “esclarecedora”, mas sem adiantar sobre que matérias: “O senhor general explicou porque é que os documentos foram classificados, essas explicações pareceram-nos adequadas, e respondeu a todas as perguntas, dentro daquilo que é o seu conhecimento sobre os factos. Houve uma total transparência nas explicações que nos foram dadas”, disse Marco António Costa.
Mas deixou claro que o mistério de Tancos ainda não foi desvendado. “O que falta esclarecer são matérias do foro criminal”, disse. Já sobre “matérias de natureza organizativa e decisões que foram tomadas” afirmou que “há matérias muito objectivas” que “devem merecer uma reflexão, sem recriminações”, em particular sobre a reação das instituições. “O furto foi identificado no dia 28 de Junho de manhã, 24 horas depois a secretária-geral do SSI [Sistema de Segurança Interna] soube pela comunicação social e só no dia 30 é que houve a primeira reunião da unidade anti-terrorista. São lapsos de tempo demasiado grandes. Estamos a falar de matérias de segurança e não deve haver hesitações quanto à investigação, ao debate e procura de soluções para que não volte a acontecer”, considerou.
Marco António Costa também não quis dizer se o chefe de Estado-Maior do Exército (CEME) tinha reafirmado, como fizera antes, que havia a possibilidade de envolvimento de militares no furto, e recusou-se a antecipar se a comissão da Defesa poderá vir a revelar as conclusões da investigação em curso. Isto, apesar de garantir que a comissão vai continuar a querer ver tudo esclarecido, como insistentemente tem pedido o Presidente da República.
Sobre os documentos recebidos há cerca de duas semanas, e classificados pelo Exército como confidenciais, o presidente da comissão afirmou que dizem respeito à averiguação interna ordenada pelo ramo, sem adiantar se correspondem ao pedido de informação enviado por si próprio, em Junho, ao Ministério da Defesa, através de ofício que, por seu lado, também está sob reserva.
Tal como o PÚBLICO avançou na segunda-feira, os documentos encontram-se fechados em envelopes dentro de um cofre, à responsabilidade do secretário-geral da Assembleia da República. Nem o próprio presidente da comissão teve ainda acesso a eles, disse Marco António Costa.
“Os documentos são confidenciais e continuarão guardados pelo secretário-geral [do Parlamento]. Terão acesso a eles os deputados efectivos da comissão de Defesa, sem prejuízo de os outros deputados poderem solicitar à mesa [da comissão] a sua consulta, sob registo, mas sem possibilidade de tirarem fotocópias ou usarem meios electrónicos durante a mesma”, anunciou Marco António Costa na reunião ordinária que se seguiu e antes da decisão sobre a audição de Rovisco Duarte.
O Parlamento não dispõe, até hoje, de um regulamento sobre como lidar com documentos classificados, o que permite que as decisões se vão tomando caso a caso e sem sequer princípios gerais. O mesmo acontece com o regime das audições de entidades, que também é decidido casuísticamente. A própria comissão de Defesa tem oscilado entre audições à porta aberta e fechada, sendo previsível que a audição do ministro da Defesa, no próximo dia 28, possa contar com a presença dos jornalistas.
Só no caso de Tancos, já foram aplicados os dois regimes. A primeira audição ao CEME, dias depois de conhecido o desaparecimento do material militar, decorreu à porta fechada, mas, ainda antes de terminar, já havia notícias sobre o que estava a ser dito lá dentro. Por causa disso, as audições seguintes – aos responsáveis do Sistema de Segurança Interna e do Serviço de Informações da República – aconteceram na presença de jornalistas, tal como a do chefe de Estado-Maior General das Forças Armadas (CEMGFA). Na altura, a informação mais relevante por eles revelada foi a de que tomaram conhecimento do furto pela comunicação social – à excepção do CEMGFA, que foi informado pela secretária-geral do SSI.
A decisão de ouvir Rovisco Duarte pela segunda vez à porta fechada não foi, no entanto, unânime. PSD e CDS manifestaram-se no sentido da sua abertura, por se tratar de “matéria de interesse público que merece esclarecimento”, como afirmou o centrista João Rebelo. Mas o PSD estava dividido, já que tanto o actual como o antigo presidente da comissão, Matos Correia, defenderam o sigilo. Embora considere que a audição era apenas uma “actualização de informações”, o PS também quis a porta fechada, tal como BE e PCP, sobretudo para não desautorizar Marco António Costa, que tinha dito a Rovisco Duarte que preparasse uma intervenção à porta fechada.
Sem votação, a audição acabou por decorrer mesmo sem a presença de jornalistas. E com uma recomendação veemente do presidente da comissão: “À porta fechada quer mesmo dizer à porta fechada, os jornalistas não devem saber lá fora o que é dito cá dentro”.