Quanto pagaria para ter mais tempo de vida saudável?
Medicamentos, suplementos, transfusões de sangue jovem ou dietas com poucas calorias: O sonho de parar o envelhecimento passou da ficção para a ciência e há muitos jogadores conhecidos e importantes em campo, como os fundadores da Amazon e da Google.
Há uma ínfima minoria de pessoas que vive para lá dos 100 anos. E há seres vivos com tempos de vida muito diferentes. O envelhecimento parece ser à luz da genética do século XXI um processo que se pode controlar e manipular. Há grupos de investigação científica que procuram compreendê-lo. E empresas que investem milhões para conseguir vender vida. E pessoas, especialmente as mais endinheiradas, que não podem ou não querem esperar pelas confirmações científicas e compram já tratamentos para viverem mais: medicamentos, suplementos, transfusões de sangue jovem ou dietas com poucas calorias. Quanto pagaria para ter mais tempo de vida saudável? Viver mais e parar o envelhecimento é um sonho antigo, que saltou da ficção para a ciência.
A francesa Jeanne Calment foi a pessoa que mais tempo viveu. Nasceu 12 anos antes de ter início a construção da Torre Eiffel, em 1875. Casou-se com 21 anos e graças à fortuna do marido nunca precisou de trabalhar, nem fora nem dentro de casa. Praticava esgrima, ténis e natação. Andou de bicicleta até aos 100. Gostava de chocolate e de vinho do Porto. Fumou dos 21 aos 117 (não fumava mais do que dois cigarros por dia e pensa-se que não inalava). Gostava de pintar, tocar piano e ir à opera. E mais do ar fresco do que da vida social. Fazia longas caminhadas e era apressada.
O seu único neto morreu aos 36 anos num acidente de moto, quando Calment tinha 88. Era o seu último parente vivo. A partir daí viveu sozinha até aos 110, altura em que se mudou para um lar, ainda de boa saúde, na sequência de um incêndio em casa. Não quis pendurar no seu quarto fotografias da filha e do neto, porque queria olhar para a frente. Mas pediu para ser enterrada com uma fotografia de cada, o que se concretizou. Aos 113 contou aos jornalistas como tinha conhecido o pintor Vincent Van Gogh, fazia 100 anos. Aos 114 um estudante de doutoramento em Medicina fez a sua história clínica. Tinha sido vacinada uma vez em criança e a aspirina era o único medicamento que alguma vez tomara na vida, para as enxaquecas. Disse na televisão que nunca, nunca tinha estado doente. Como supercentenária, andava pelos corredores do lar mais depressa do que residentes 30 anos mais novos. A vitalidade, a lucidez e o humor com que respondia aos jornalistas a cada aniversário surpreendia. Partiu uma perna aos 115 anos, numa noite enquanto subia as escadas para ir fumar. Foi operada e sobreviveu. Nunca mostrou sinais de demência, tendo aprendido matemática numa idade avançada. No final da vida estava praticamente cega, ouvia mal e andava numa cadeira de rodas, mas não tinha nenhuma doença grave. Era crente e estava em paz com Deus. Assegurava que não lhe faltava nada porque tinha as suas bonitas memórias. Atribuía a sua longevidade ao humor e dizia que morria a rir.
Jeanne Calment morreu em 1997 de causas inespecíficas, 122 anos, cinco meses e 14 dias depois de ter nascido. Teve muito mais tempo de vida saudável do que a esmagadora maioria dos seres humanos, os seus anos extra não foram vividos como uma moribunda. Podemos perguntar porquê. Jeanne não teve um estilo de vida radicalmente diferente do que muitas outras pessoas que vivem bastante menos. A resposta para uma longevidade deste tipo tem de ser encontrada nos genes: 62 antepassados directos de Jeanne Calment viveram significativamente mais do que a generalidade das pessoas da sua época. Uma boa parte deles, especialmente do lado do pai, passou os 80. Os mecanismos da hereditariedade ao nível do ADN só foram cabalmente esclarecidos já ia o século XX bem avançado. Mas Calment ganhou uma espécie de lotaria genética em pleno século XIX, no momento em que foi concebida. O seu irmão, François, viveu até aos 97.
Aprender com as supercentenárias
“Jeanne Calment e os seus sucessores. Notas biográficas dos seres humanos que mais tempo viveram” é o título de um estudo publicado em 2010, feito por uma equipa de investigadores que estudou as vidas de 20 pessoas que chegaram aos 115 anos. Recolheram dados biográficos, fizeram entrevistas e descobriram que os supercentenários tinham vidas muito diferentes. Três dos 20 pertenciam a famílias abastadas, mas os restantes trabalharam boa parte das suas vidas. Um nasceu prematuro. Metade não teve filhos ou teve apenas um. Uma das mulheres teve 15 filhos e outra 12. Em comum tinham muito pouco: para além de serem quase todos mulheres (apenas dois homens neste grupo de 20), a maioria nunca tinha fumado (ou fumado muito pouco) e nenhum tinha sido obeso. Nenhum seguiu o que seria considerado hoje em dia uma dieta saudável. Três das mulheres que mais viveram comiam bastante chocolate e outros doces. A medicina moderna ajudou a prolongar as suas vidas, tratando-os de infecções e fracturas, por exemplo. Mas nenhum teve problemas cardíacos significativos ou formas graves de cancro. Oito não tiveram qualquer tipo de demência até ao último ano de vida. Todos tinham sentido de humor e uma forte vontade de viver, mas não temiam a morte e pareciam reconciliados com a finitude da sua vida.
No mundo conhecem-se apenas cerca de 65 pessoas com mais de 110 anos. E as histórias de Jeanne Calment e dos seus sucessores não oferecem uma explicação óbvia para as suas vidas prolongadas. Mas os filhos de centenários têm oito a 17 vezes mais probabilidades de ultrapassarem os 100 anos. Se queremos chegar saudáveis aos 80 anos, precisamos de ter um estilo de vida saudável. Mas se quisermos ser centenários saudáveis, precisamos de ter os genes certos.
Por isso a empresa norte-americana Androcyte tem em curso um grande estudo clínico que visa sequenciar o ADN de supercentenários e compará-lo com o de pessoas que vivem menos. Infelizmente, nenhum de nós escolheu os pais mediante uma análise genética. Mas a esperança é que o conhecimento dessas diferenças permita desenvolver medicamentos que simulem em pessoas “normais” os efeitos desses genes que permitem a alguns viver mais tempo. Outra hipótese mais arrojada é a possibilidade de usarmos técnicas modernas de edição genética, de autêntico “corte e cola” de ADN, para substituir genes normais por versões desses genes vantajosos para o envelhecimento. João Pedro de Magalhães, investigador na área de envelhecimento da Universidade Liverpool, tem reservas quanto a esta segunda abordagem: “Uma coisa é curar uma pessoa de uma doença, outra coisa é fazer uma pessoa saudável viver mais tempo. Eu diria que não está no horizonte fazermos esse tipo de aplicações na área do envelhecimento, mas, certamente à medida que melhoramos essas técnicas, poderá eventualmente chegar-se ao ponto em que vale a pena melhorar os nossos genes, mesmo em pessoas saudáveis.”
A baleia que foi caçada duas vezes
Em Maio de 2007, uma baleia-da-gronelândia foi caçada na costa do Alasca. A caça à baleia está proibida, mas algumas comunidades estão autorizadas a capturar um pequeno número para fins tradicionais. Mas não era a primeira vez que alguém tentava caçar aquela baleia. Os baleeiros encontraram, entre um osso do pescoço e o ombro do mamífero de 50 toneladas, a ponta de um arpão explosivo. Um fragmento de 30 centímetros de um modelo fabricado em New Bedford, no Estado norte-americano do Massachusetts, produzido apenas entre 1879 e 1885. A baleia terá sido arpoada enquanto jovem, ainda no final do século XIX. Mas viveu até ao século XXI, tendo chegado a uma idade entre os 115 e os 130 anos.
Na sequência da descoberta, os investigadores têm vindo a estimar a idade de outras baleias-da-gronelândia. Pensa-se que podem viver mais de 200 anos e são o mamífero mais longevo que se conhece. Outro que se aproxima são os elefantes, que podem viver 70 anos. E, claro, os humanos.
Mas as baleias-da-gronelândia permanecem livres de doenças até idades muito mais avançadas do que nós. Resta saber qual é o “truque” — e se também resulta connosco. Tendo em conta o seu enorme tamanho e longevidade, deveriam ter uma incidência de cancro apocalíptica. Mas não têm. As suas células devem ter uma probabilidade de desenvolver cancro significativamente menor do que as células humanas. Para compreender essas diferenças e identificar os seus mecanismos antienvelhecimento, investigadores sequenciaram o genoma da baleia-da-gronelândia. Os mecanismos que lhe conferem longevidade e resistência às doenças do envelhecimento ainda são praticamente desconhecidos. Mas já foram identificados alguns genes relacionados com mecanismos específicos de reparação e manutenção do ADN.
Outro animal que vale a pena estudar é o rato-toupeira-nu, que pode viver mais de 30 anos, muito mais do que o rato doméstico, que vive em média apenas dois anos. Tal como a baleia-da-gronelândia, é praticamente livre de cancro. O estudo de espécies com longevidades distintas mostra como o envelhecimento é um processo regulado e com o qual podemos interferir. Talvez a ideia mais impressionante seja a descoberta da facilidade com que se consegue aumentar o tempo de vida de certos organismos, com a alteração de um único gene. Uma mutação num gene específico (daf-2) do verme C. elegans resulta na expansão da sua vida para o dobro (de 30 para 65 dias). Conhecem-se mais de 200 mutações de um único gene que conseguem aumentar o tempo de vida de espécies habitualmente usadas como modelos de investigação em laboratório, como vermes e moscas. E mais de 20 manipulações genéticas que conseguem atrasar a morte e os sintomas de envelhecimento em ratinhos de laboratório.
E se fosse possível fazer o mesmo connosco? Essa ideia é obviamente irresistível. Mas pode não ser assim tão fácil. Conhecemos mais de 800 genes associados à longevidade em leveduras e vermes, mas apenas sete em seres humanos. Já sabemos muito acerca de como prolongar a vida de modelos de investigação, mas ainda pouco em nós. Provavelmente, poucos genes que permitem manipular o envelhecimento em animais-modelo serão úteis em humanos. Mas esses poderão ter um efeito tremendo. De qualquer forma, este novo conceito do envelhecimento, como um processo plástico e moldável, abre espaço a muitas ideias de negócios para o travar.
O envelhecimento pode ser visto como a deterioração progressiva das funções fisiológicas acompanhada de aumento da vulnerabilidade e mortalidade com a idade. Os tratamentos antienvelhecimento visam atrasar o surgimento de múltiplas doenças relacionadas com a idade e não apenas uma em particular. Procuram tratar o envelhecimento em si. A ideia não é prolongar a vida num estado de decrepitude, proposta que teria muito poucos clientes, mas o número de anos de vida saudável. Um artigo de revisão recente, de que o investigador português João Pedro de Magalhães é co-autor, faz um apanhado das dezenas de empresas que procuram desenvolver estratégias deste tipo. E há muitos jogadores conhecidos e importantes em campo, como os fundadores da Google ou da Amazon.
As pontas dos atacadores
Uma parte importante desta história pode estar nos telómeros, que são as pontas dos nossos cromossomas. Fazem nos cromossomas as vezes das cabeças dos atacadores, que impedem os fios de se desfiarem. Os telómeros são sequências repetitivas de ADN ligado a proteínas, que têm como função proteger o nosso material genético durante a divisão das células. Temos também uma enzima, chamada “telomerase”, que serve para aumentar o tamanho dessas pontas protectoras dos cromossomas. Mas a telomerase vai perdendo a sua luta e, à medida que envelhecemos, os telómeros vão-se tornando mais curtos e os nossos cromossomas ficam mais desprotegidos. A descoberta de medicamentos para activar a telomerase, e dessa forma alongar os telómeros, é a aposta de empresas como a BioViva e a Telocyte (esta focada no tratamento da doença de Alzheimer).
Serão os telómeros o elixir da juventude? Para João Pedro de Magalhães, é mais complicado do que isso: “Os telómeros são importantes em algumas doenças do envelhecimento, são mecanismos de protecção contra o cancro. Em relação a outros factores do envelhecimento, não é ter telómeros longos que é importante. Há um tamanho ‘Goldilocks’ [referência à história infantil Caracóis de Ouro e os Três Ursos, em que uma menina faz escolhas que considera as mais convenientes, como a sopa nem muito quente nem muito fria]. Os telómeros não podem ser nem muito grandes nem muito pequenos, têm de ter um tamanho médio. Por isso, eu diria que há manipulações de telómeros que podem ser importantes para determinadas doenças, mas não acho que alongar os telómeros por si só seja sequer benéfico para a saúde. Existem empresas neste momento que vendem compostos, suplementos que permitem aumentar o tamanho dos telómeros, mas não acho que seja necessariamente a melhor estratégia.”
Outras empresas procuram medicamentos que permitam preservar as funções fisiológicas das células ao longo da vida, não focadas especificamente nos telómeros, mas também noutros factores relacionados com o envelhecimento das células. É o caso da Unity Biotechnology, que conta entre os seus investidores com o fundador da Amazon, Jeff Bezos.
Compreender o processo de envelhecimento poderá implicar a análise de grandes quantidades de dados. Por isso, outras empresas apostam na recolha e análise maciça de dados (Big Data). É o caso da Human Longevity, fundada pelo investigador e empresário Craig Venter, que nos anos de 1990 liderou a empresa que, em competição com um consórcio público, primeiro sequenciou o genoma (todo a sequência de ADN) humano. A empresa combina as sequências de ADN de muitas pessoas, com dados acerca das suas características e saúde. Por pouco mais de 23 mil euros faz um conjunto de exames médicos e sequencia o ADN dos seus clientes, de modo a fornecer-lhes informação acerca dos seus riscos de saúde, para que possam tomar decisões médicas e de estilo de vida mais bem informadas. Também a Calico (California Life Company), uma empresa ligada à Google, procura analisar grandes quantidades de dados para compreender os processos biológicos da longevidade, embora de momento não ofereça qualquer produto.
Comer menos, viver mais
A restrição calórica, ou seja, a redução da ingestão de calorias sem desnutrição, retarda o envelhecimento em vários animais, de vermes a mamíferos. Mas uma dieta de restrição calórica é demasiado dura para a maioria das pessoas. No entanto, alguns estudos indicam que o jejum regular pode ter efeitos semelhantes a uma dieta constante de restrição calórica. Estas modalidades incluem o jejum intermitente (60% de redução calórica dois dias por semana; ou dia sim dia não), o jejum periódico (uma dieta de cinco dias a cada duas semanas, com não mais do que 1100 kcal) e alimentação com restrição de tempo (limitar o período diário de ingestão de alimentos a oito horas ou menos). Todas parecem demonstrar eficácia na perda de peso e melhorias em vários indicadores de saúde, tanto em pessoas com peso saudável como com excesso de peso. Baseado nestas premissas, a empresa L-Nutra criou refeições que imitam o jejum. Vende um plano alimentar de cinco dias por mês que visa “enganar o corpo”, simulando cinco dias de jejum. A dieta personalizada, que inclui quantidades rigorosas de couve, sopa de quinoa, chá e outras coisas, é entregue em caixas que custam cerca de 280 euros. A empresa assegura que os consumidores podem ter uma dieta normal durante os restantes 25 dias no mês.
Para João Pedro de Magalhães, a restrição calórica “provavelmente funciona para algumas pessoas, que deviam fazer uma dieta. Mas para pessoas que já tenham uma dieta saudável, que não sejam obesas, vai ter um efeito muito pequeno. Eu não recomendaria restrição calórica como uma forma de aumentar a longevidade. Dito isto, sabemos que o estilo de vida tem um impacto no envelhecimento, sabemos que as pessoas obesas, que fumem ou consumam excesso de álcool também têm uma longevidade mais baixa”.
Sangue jovem
Há cerca de 150 anos que se fazem experiências de parabiose, ou seja, a ligação através de intervenções cirúrgicas do sistema de circulação sanguínea de dois animais. Mais recentemente têm sido feitas experiências com ratinhos, de transfusões de plasma jovem para ratinhos idosos, que mostram benefícios na memória dos ratinhos idosos. Mas num outro estudo, em que ratinhos fêmea idosos receberam transfusões de plasma jovem durante vários meses, não foi observado qualquer aumento significativo da longevidade. Num outro trabalho, em que foi feita a troca de sangue entre ratinhos novos e velhos, parece seguro o prejuízo para os ratinhos jovens, mas em vários testes não há benefícios para os ratinhos idosos.
Para Sílvia Curado, investigadora portuguesa na área de genética na Universidade de Nova Iorque e autora do livro Engenharia Genética: O Futuro já Começou (Glaciar, 2017), “de acordo com alguns estudos, teremos mais razões para acreditar que mais facilmente o sangue de um dador velho envelhece um organismo novo do que sangue novo rejuvenesce um organismo velho”. E acrescenta que esses estudos “têm sugerido a presença de factores (proteínas) que podem desempenhar um papel na reparação de tecidos ou melhoramento da memória. Um deles sugere, por exemplo, que uma proteína normalmente presente em ‘sangue jovem’ pode levar à reversão de hipertrofia cardíaca (resultante da idade) num ratinho mais velho”. Mas “embora promissores”, muitos dos resultados obtidos até hoje nesta área têm sido “contraditórios”. Para além disso, “a maioria destes estudos utiliza o ratinho como modelo animal, ou seja, desconhece-se ainda se tais efeitos poderão ser confirmados no ser humano”.
Em humanos, a empresa Ambrósia tem planeado um ensaio clínico para avaliar os efeitos de transfusões de sangue jovem para pessoas mais velhas relativamente saudáveis. A iniciativa tem gerado controvérsia: a empresa tenciona cobrar a cada participante cerca de 7500 euros, o que levanta questões éticas. Na opinião de Sílvia Curado, “tornam-se participantes de um ‘ensaio clínico’ atipicamente financiado por cada participante. Um ‘ensaio clínico’ visto por muitos como não mais do que um mero ‘scam’ [embuste], sem bases sólidas ou uma estrutura controlada. Instigados pela promessa de juventude, compram transfusões, sem garantias, arriscando-se a contrair doenças transmissíveis, desenvolver fortes reacções alérgicas ou infecções mortais”.
E se resultar?
Vamos imaginar que estamos nalgum momento futuro, que pelo menos uma destas abordagens resultou e há um tratamento antienvelhecimento realmente eficaz e com um efeito dramático. Quem teria acesso a esse tratamento, apenas uma minoria ou franjas relativamente alargadas da população?
Para João Pedro de Magalhães, “depende da natureza do tratamento. O tipo de intervenção que está no horizonte é a nível de fármacos e esses não tendem a ser excessivamente caros. Só para dar um exemplo: neste momento, está a preparar-se um ensaio clínico antienvelhecimento em Nova Iorque para um medicamento chamado ‘metformina’, que já é usado para a diabetes tipo 2 e outras condições. Por isso, é um medicamento já bastante estabelecido e extremamente barato. É um exemplo de um medicamento que, se realmente tiver um impacto antienvelhecimento, qualquer pessoa poderia comprar. Por outro lado, se o tratamento antienvelhecimento for uma transfusão de sangue de dadores jovens ou uma terapia genética que do ponto de vista técnico seja bastante complicada, então estamos a falar de tratamentos bastante mais caros”.
Para Sílvia Curado, “a questão se um novo tratamento antienvelhecimento eficaz estaria disponível a uma franja mais alargada ou mais restrita da população é não só inerente a este tipo de tratamentos, mas também a qualquer nova tecnologia ou abordagem terapêutica não comparticipada. Mas temos vindo a verificar que o custo de grande parte das tecnologias emergentes, embora inicialmente elevado, se vai tornando progressivamente mais baixo, eventualmente tornando essa tecnologia acessível a uma fracção mais alargada da população. Entre os exemplos mais recentes e óbvios, encontra-se a sequenciação de ADN. No período de apenas 15 anos, o custo da sequenciação do genoma humano desceu de 100.000.000 dólares para menos de 1000. Podemos, hoje, ter acesso à sequenciação do nosso genoma tão facilmente como ter um telemóvel na mão”.
E num cenário de grande expansão da vida humana poderíamos continuar a ter filhos, tendo em conta a pressão sobre os recursos naturais que uma vida mais longa implicaria? Para Sílvia Curado, este cenário não é totalmente novo: “Em Portugal, a esperança média de vida aumentou mais de 13,5 anos nos últimos 45 anos”, ou seja, quase um quinto da nossa vida chega-nos como um bónus destas últimas décadas.
Há uns séculos (um período relativamente curto na escala da existência humana), a esperança de vida era aproximadamente 40% da actual. “A tendência continuará, em princípio, a ser essa, a de aumentar a nossa longevidade. Ainda assim, sim, continuámos e continuamos a ter filhos. No entanto, não podemos ignorar que paralelamente à expansão da vida humana tem-se vindo a verificar também um aumento da população mundial”, diz Sílvia Curado. Mas a solução também poderá vir da ciência: “Não esqueçamos, no entanto, que também a nossa capacidade criativa e conhecimento científico-tecnológico têm evoluído, proporcionando-nos novas soluções possíveis. Temos hoje ao nosso alcance ferramentas como a engenharia genética cada vez mais acessível, mais sofisticada e mais eficaz, que nos permite desenhar e melhorar produtos alimentares.”
Se tudo falhar: congelar a cabeça
Um aumento significativo da longevidade humana é hoje uma perspectiva plausível, mas num calendário incerto. E a imortalidade não parece estar ao nosso alcance nos tempos mais próximos. Por isso, algumas pessoas admitem pagar 180 mil euros para congelar o corpo, pouco após a morte. O sangue é substituído por um líquido anticongelante e o corpo é guardado a 196 graus negativos, na esperança de que a ciência do futuro seja capaz de o ressuscitar. Há uma versão low-cost: por 75 mil euros pode-se congelar só o cérebro. Estes são os serviços que oferece a fundação Alcor, sediada no Arizona. Desde 1972, já congelou os corpos de 152 pessoas (a maioria homens) e mais de mil outras pessoas contam ter os seus corpos (ou apenas cabeças) preservados da mesma forma. Diz Sílvia Curado que “se avanços científicos recentes prometem melhorar drasticamente o campo da medicina, a ideia de, num futuro mais ou menos longínquo, poder vir a reanimar pacientes terminais em casos de patologias para as quais não existe actualmente cura poderia fazer algum sentido”.
Mas a investigadora levanta algumas questões: “Um estudo relativamente recente sugere que o verme C. elegans retém uma forma de memória após ter sido criopreservado. No entanto, para além de serem necessários mais estudos para testar a preservação de todos os mecanismos de memória, será também essencial testar a retenção de memória em organismos com sistemas nervosos mais complexos. Um outro estudo descreve ter sido possível criopreservar cérebros de coelhos e de porcos. Este estudo reporta que a preservação da estrutura destes cérebros mamíferos foi quase perfeita: quando ‘descongelado’, o cérebro aparentava ter mantido a maioria das estruturas e sinapses. No entanto, este mesmo estudo ainda não provou ser possível reanimar o cérebro.” E conclui: “Se de facto conseguirmos um dia preservar o cérebro humano, o que poderemos esperar aquando da sua reanimação? Algumas memórias? A reprodução de traços comportamentais? A recuperação de uma identidade? Para além de esta hipótese levantar questões como ‘de que é formada a identidade?’, não podemos deixar de imaginar como será acordar num mundo futuro, novo, desconhecido”.