Grace Mugabe, a mulher que se prepara para o lugar do marido
A primeira-dama do Zimbabwe já não esconde a ambição de ocupar a presidência.
Dois vice-presidentes afastados nos últimos três anos parecem ter aberto caminho para uma ambição que já não é escondida: Grace Mugabe, a mulher do Presidente do Zimbabwe, Robert Mugabe, quer ocupar o lugar do marido. O próximo capítulo desta saga acontece já em Dezembro, quando o partido no poder, a Zanu-PF, escolher quem vai ocupar a vice-presidência.
Grace foi, durante muitos anos, uma primeira-dama conhecida pelas acções de beneficência que costumam ser parte da função. Mas é também famosa pela sua faceta muito consumista (chamam-lhe “Gucci Grace”), com relatos de dias de compras em que chegou a gastar cerca de 88 mil euros (um dia de 2003 em Paris, diz a revista norte-americana Newsweek).
Grace Mugabe era apenas uma entre várias tipógrafas do Presidente quando os dois se conheceram no início dos anos 1990. A mulher de Mugabe, Sally, tinha uma doença terminal e o Presidente disse mais tarde numa entrevista que queria ter filhos antes que a sua mãe morresse para que esta conhecesse os netos (e acabou mesmo por ter três filhos com Grace, os primeiros dois ainda em segredo). Grace, 41 anos mais nova do que ele, então casada, separou-se após a morte de Sally e alguns anos depois Grace e Robert Mugabe casaram numa enorme e faustosa cerimónia.
Outra faceta famosa de Grace é o seu envolvimento em vários incidentes violentos. Um repórter fotográfico britânico queixou-se de ter sido esbofeteado por ela quando lhe tentou tirar uma foto em Hong Kong, em 2009 (os seguranças da primeira-dama seguraram-no, alegou). Recentemente, uma modelo que estava num quarto de hotel com os filhos de Grace também disse ter sido agredida por ela (a África do Sul, onde ocorreu o caso, começou a investigar o incidente, mas deixou Grace sair do país concedendo-lhe imunidade diplomática).
Durante anos, Grace manteve-se neste papel, tentando ainda aventurar-se em empresas que não correram muito bem (minas) e que correram melhor (lacticínios, em cinco explorações cujos donos, brancos, foram expulsos no âmbito do processo da reforma agrária no país).
Um doutoramento em três meses
Mas além do empreendedorismo, a primeira-dama começou a mostrar algum interesse em desenvolver um combate pelo poder político. Este ficou notória em 2014, ano em que aceitou a nomeação para liderar a ala feminina do partido Zanu-PF; obteve um muito duvidoso grau de doutoramento da Universidade do Zimbabwe, onde esteve inscrita três meses; e contribuiu para o afastamento de uma vice-presidente: Joice Mujuru foi demitida por alegadamente conspirar contra Mugabe dentro do partido.
Mujuru, que era vista como uma potencial sucessora presidencial, ficou desde então condenada à irrelevância, apesar de ter tentado fazer política dentro do país. O caso do seu sucessor, Emmerson Mnangagwa, é bastante semelhante no modo como foi afastado: acusado de liderar um complot contra Mugabe (as declarações de demissão de Mujuru e Mnangagwa têm passagens exactamente iguais).
O caso de Mnangagwa, demitido na última segunda-feira, é, no entanto, particular por outros motivos. Antigo braço-direito de Mugabe, de quem é próximo desde os tempos da guerrilha dos anos 1970, foi responsável pelos serviços de segurança do Zimbabwe – e assim provavelmente envolvido em atrocidades cometidas nos anos 1980.
Mugabe criticou publicamente Mnangagwa no fim-de-semana, fazendo antever um afastamento, mencionando um episódio em que participantes num evento do partido apuparam Grace. Quatro pessoas foram presentes a tribunal nesta sexta-feira por causa destes apupos.
E num comício após o afastamento de Mnangagwa, Mugabe disse: “A estrada tem leões. Há perigos. Há morte.” Um aliado próximo do ex-vice-presidente disse que ele tinha fugido de “assassinos” e estava num “lugar seguro”. Diz-se que poderá estar na África do Sul, segundo outros rumores estará na China.
Ganância ou sobrevivência?
“Penso que este é um dos acontecimentos políticos mais relevantes desde a independência”, disse David Coltart, da oposição, citado pelo sul-africano Mail and Guardian. “Mugabe separou-se da pessoa que tem toda a informação sobre como as coisas foram feitas”, sublinhou, desde massacres em Matabeleland (onde segundo o historiador Stuart Doran poderão ter sido mortas 20 mil pessoas) à “resposta à eleição de 2008 [quando o opositor Morgan Tsvangirai denunciou represálias sobre os seus eleitores] até à preparação das de 2013”, aponta.
A idade de Mugabe (é o líder mais velho do mundo e está no poder desde 1980) faz com que a sucessão seja um assunto cada vez mais presente. Grace, que no início do ano disse que o marido seria candidato às eleições do próximo ano e mesmo se tivesse morrido “concorria como cadáver”, já não faz segredo da ambição de ocupar o seu lugar quando ele morrer. “Dizem que quero ser Presidente. Porque não? Não sou zimbabweana?”, perguntou. “Já disse a Mugabe para não ter medo. Se me quiser dar o lugar, dê-mo sem problemas”.
A estratégia de Grace Mugabe pode ser mais do que fome de poder, diz o diário britânico The Guardian. “Muitos vêem a primeira-dama como oportunista, gananciosa e egoísta. Mas e se a sua motivação for mais uma questão de sobrevivência?” questionava recentemente o jornal. No artigo, o jornalista zimbabweano Andy Moyse sublinhava que após a morte de Mugabe, Grace “vai ficar muito exposta porque não há estrutura de poder que a salve – ela está a tentar cimentar a sua posição”.
Ibbo Mandaza, que já pertenceu ao partido, não acredita que Grace tenha alguma hipótese de suceder ao marido na presidência e disse ao Financial Times que em sua opinião Mugabe está a usá-la para atingir os seus inimigos.
Alex Magaisa, antigo conselheiro de Tsvangirai e professor na Universidade de Kent (Reino Unido), disse ao Mail and Guardian que, em sua opinião, Grace não será a sucessora preferida de Mugabe. “Digo isto por causa da atitude dele para com as mulheres”, explicou ao jornal sul-africano. “Mugabe sempre lidou com as mulheres no partido e com as ministras de modo sexista e misógino. Uma e outra vez, é claro que não vê as mulheres como líderes capazes na política.”
E alerta: “Quando Mujuru era vice-presidente, todos achávamos que ela estava destinada à presidência. Quando Emmerson Mnangagwa assumiu [a vice-presidência] muitos de nós pensaram que seria ele. Agora temos Grace… e acho que não deveríamos cair na mesma armadilha de pensar que está tudo resolvido.”
Mais: Grace é importante por ser mulher de Mugabe. “Enquanto ele existir, ela fará o que quiser”, comentou Magaisa, desta vez à CNN. “Sem ele, ela não sobreviverá politicamente nem um dia.”