Marvel noir

A primeira temporada de O Justiceiro chega nesta sexta-feira ao serviço de streaming Netflix.

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Frank Castle, uma caveira no peito e armado até aos dentes DR

“O Justiceiro. Um voo de sombras num mundo perigoso de um homem que não existe. Um jovem solitário numa cruzada para defender a causa dos inocentes, dos fracos e dos oprimidos num mundo de criminosos que estão acima da lei.” É inevitável que um dia destes apareça (mais) uma nova versão de Michael Knight e o seu carro falante, mas não é deste “Justiceiro” que vamos falar. Para além de Knight Rider, há outra fatia da cultura pop que ficou conhecida como “Justiceiro”, cortesia das primeiras edições brasileiras da Marvel em Portugal, um nome que não faz justiça ao original. The Punisher, o anti-herói com uma caveira no peito e armado até aos dentes, não é de todo um justiceiro heróico.

Nesta sexta-feira, o serviço de streaming Netflix faz mais uma entrega da sua parceria com a Marvel, O Justiceiro, que fora introduzido na segunda temporada de Demolidor e com impacto suficiente (foi o ponto alto, na verdade) para ser titular da sua própria série. É o prolongamento de um universo mais terra-a-terra e menos intergaláctico das séries anteriores (Demolidor, Jessica Jones, Luke Cage, Punho de Ferro e Os Defensores), mas O Justiceiro faz uma guinada para terrenos mais sombrios, ou não fosse esta uma das personagens mais divisivas da Marvel.

Porque Frank Castle, na essência, é um assassino com uma metralhadora em cada mão para quem a violência é a primeira, segunda e terceira opções (se quisermos, é este o seu superpoder). E não é fácil lidar com ele num país em que a violência pelas armas de fogo é uma coisa endémica. Aliás, a estreia dos 13 episódios no serviço de streaming foi adiada devido ao atentado ocorrido em Las Vegas a 1 de Outubro deste ano, em que um homem, a partir de um quarto de hotel disparou sobre a multidão, provocando 58 mortos e 546 feridos.

“Vamos ser honestos. Adiámos a estreia por causa da tragédia em Las Vegas. Fizemo-lo por respeito e acho que foi uma decisão acertada”, admitia, em entrevista recente ao IndieWire, Jon Bernthal, o actor que encarna Frank Castle na sua versão televisiva. Não só a estreia foi adiada, como foi cancelada a antestreia de dois episódios na Comic Con de Nova Iorque e, durante muito tempo, não se soube quando a série iria estar disponível, e, um dia antes de esta ter ocorrido em Los Angeles, aconteceu novo atentado no Texas, em que um antigo militar abriu fogo numa igreja e matou 26 pessoas.

Tal como nos comics, Castle é um antigo militar em busca de vingança pelo assassinato da sua família, um homem traumatizado pela perda, que declara guerra sem quartel ao crime organizado e, ao contrário dos outros heróis da Marvel, dispara a matar quando tem um bandido na mira. Ou seja, olha-se para este Justiceiro e pensa-se num vigilante fascista que glorifica o uso de armas e tem uma visão de um mundo a duas cores. Não é assim tão simples, diz Jon Bernthal, que foi o Shane de The Walking Dead, e que é, de longe a melhor versão de Castle, depois das tentativas falhadas no cinema com Dolph Lundgren, Thomas Jane e Ray Stevenson.

“Não acredito em heróis ou vilões. Para mim, não são interessantes e não são reais. Nunca quis glorificar o Frank Castle. O que quero mostrar com ele, acima de tudo, é a sua dor e angústia e o preço da violência, e o que lhe custou”, diz o actor de 41 anos, que espera, que O Justiceiro funcione, de alguma forma, como um espelho, e não como um catalisador de mais violência: “A arte, no seu melhor, pode ser um espelho que obriga a sociedade a olhar para si própria e questionar-se. Não é o nosso papel dar respostas, mas fazer perguntas. Se esta série fizer isso, será algo muito positivo.”

A rubrica Televisão encontra-se publicada no P2, caderno de domingo do PÚBLICO

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