Bruxelas antecipa derrapagem de 625 milhões na receita em 2018
Numa repetição do que aconteceu em anos anteriores, previsões da Comissão para o défice estrutural estão longe das realizadas pelas autoridades portuguesas nas vésperas da emissão da opinião de Bruxelas sobre o OE.
Uma derrapagem de 310 milhões de euros nas despesas com pessoal e menos 200 milhões de euros de receita fiscal, apenas compensados parcialmente com o facto de o investimento público poder ficar mais uma vez bem abaixo do esperado. Estes são alguns dos principais desvios que a Comissão Europeia antecipa para a execução orçamental do próximo ano em Portugal e que contribuem para que, mais uma vez, o plano orçamental do Governo fique próximo de ser considerado em “sério risco de incumprimento” das regras europeias.
No passado dia 27 de Outubro a Comissão tinha avisado o Governo, através de uma carta enviada a Mário Centeno, que de acordo com as suas contas, a proposta orçamental para 2018 tinha implícita uma redução do défice estrutural português (o défice público excluindo os efeitos da conjuntura económica e as medidas extraordinárias) de 0,4 pontos em vez dos 0,5 pontos projectados pelo Governo e abaixo dos 0,6 pontos exigidos pelas regras.
Mas esta quinta-feira, nas previsões de Outono apresentadas em Bruxelas, o Executivo europeu revelou estar ainda mais pessimista em relação à evolução deste indicador em Portugal. E calcula agora que o défice estrutural irá manter o seu valor inalterado, ficando ainda mais longe, quer da estimativa do Governo, quer das metas exigidas pelas regras.
O défice estrutural – apesar de a sua fórmula de cálculo ser criticada por diversos economistas e por governos como o português – continua a ter um papel central na aplicação prática das regras orçamentais europeias, sendo o indicador fulcral para medir o esforço de consolidação orçamental de cada país.
Este mês, a Comissão deverá emitir uma opinião sobre os planos orçamentais dos Estados-membros, atribuindo uma de quatro classificações possíveis: “conforme”, “globalmente conforme”, em “risco de incumprimento” ou “em sério risco de incumprimento”. Esta última classificação é a que todos querem evitar, até porque implica que a Comissão peça ao país a entrega de um OE revisto.
Um dos factores para a Comissão identificar um “sério risco de incumprimento” é considerar que o OE apresenta, na média dos dois últimos anos, um desvio superior a 0,5 pontos percentuais face à redução do défice estrutural que é recomendada (e que no caso português é de 0,6 pontos). Sendo assim, tendo em conta que nas previsões da Comissão, se aponta para a existência de um desvio de 0,4 pontos em 2017 e de 0,6 pontos em 2018 (média de 0,5 pontos), Portugal está no limite daquilo que é aceitável por Bruxelas para não classificar o OE como estando em “sério risco de incumprimento”.
Na conferência de imprensa de apresentação das previsões, o comissário europeu Pierre Moscovici explicou que as divergências com o Governo no que diz respeito ao défice nominal (1,4% em vez de 1%) e ao défice estrutural (variação nula em vez de descida de 0,5 pontos) se devem “a uma visão mais conservadora da Comissão” relativamente a algumas rubricas da receita e da despesa e mostrou esperança que possam ser resolvidas. “Esperamos que estas discrepâncias possam ser anuladas ou reduzidas, como foi o caso em exames ou avaliações orçamentais anteriores, pelo que sou prudente relativamente a estes números”, afirmou o comissário.
Comparando os números apresentados pela Comissão e aquilo que está projectado no OE, é possível verificar que Bruxelas aponta para a ocorrência de um “buraco” na receita em 2018 de 625 milhões de euros, com o contributo negativo a vir essencialmente dos impostos indirectos (216 milhões) e outras receitas correntes, incluindo vendas (menos 319 milhões).
Do lado da despesa, o desvio é de 182 milhões. Se por um lado, a Comissão prevê que a despesa com pessoal vá ser bem maior do que o previsto pelo Governo (mais 310 milhões), por outro não acredita que o investimento cresça tanto (menos 375 milhões), antecipando pequenas derrapagens também nas contribuições sociais e outras rúbricas.
Depois de ter recebido a carta de Bruxelas, Mário Centeno respondeu com a sua própria carta, em que reiterou as projecções do Governo e assinalou a existência de diferenças no modo de cálculo do produto potencial. Nos anos anteriores, as discussões entre Bruxelas e as autoridades portuguesas, por vezes com apresentação de medidas adicionais de consolidação, impediram que Portugal visse o seu orçamento ser rejeitado, garantindo que a classificação fosse apenas de “risco de incumprimento”, em vez de “sério risco de incumprimento”.
Tanto o Ministério das Finanças como a Comissão Europeia não responderam em tempo útil às questões colocadas pelo PÚBLICO sobre esta matéria.
As divergências (já habituais) entre Bruxelas e Lisboa ao nível das Finanças públicas ocorrem ao mesmo tempo em que a Comissão se aproxima grandemente das previsões para a economia feitas pelo Governo.
Bruxelas reviu de 1,8% para 2,6% a sua previsão de crescimento para a economia portuguesa este ano, ficando esta exactamente ao mesmo nível que é antecipado pelo Governo. Para 2018, também é feita uma revisão do crescimento, de 1,6% para 2,1%. Neste caso, o novo valor ainda fica abaixo dos 2,3% que são esperados pelo Governo.