Domingos Farinho ainda é professor de Direito?
O Ministério Público não o acusa directamente de ser o escritor fantasma de A Confiança no Mundo; acusa-o de bem pior, tendo em conta a sua profissão – de ter participado numa fraude académica.
Basta entrar na página da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, clicar em “professores” e depois em “corpo docente”. Lá está ele: Domingos Soares Farinho, professor auxiliar, Ciências Jurídico-Políticas. Há até um currículo com as suas “publicações mais relevantes”, onde infelizmente não consta a obra que lhe trouxe maior fama: o primeiro livro de José Sócrates, A Confiança no Mundo.
A acusação do Ministério Público não diz que foi Domingos Farinho quem escreveu o livro. Diz que ele foi contratado para “prestar colaboração na redacção, sistematização e revisão da tese de mestrado” que Sócrates apresentou no Institut d’Études Politiques de Paris. Ou seja, o Ministério Público não o acusa directamente de ser o escritor fantasma de A Confiança no Mundo; acusa-o de bem pior, tendo em conta a sua profissão – de ter participado numa fraude académica, desta vez já não na modesta Universidade Independente, mas na prestigiada Sciences Po. Sócrates usou um domingo para a licenciatura e um Domingos para o mestrado.
A acusação diz mais. Diz que Domingos Farinho recebeu 40 mil euros por esse trabalho, e depois mais 43 mil para pagar a futura colaboração no doutoramento. E diz que esta segunda tranche já não foi paga directamente a ele, mas à sua mulher. A razão: “no final do ano de 2013, existia a possibilidade de Domingos Soares Farinho passar a trabalhar, em regime de exclusividade, para a Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Por tal motivo, Domingos Farinho, no dia 4 de novembro de 2013, perguntou ao arguido José Sócrates se existia algum inconveniente que o contrato fosse celebrado em nome da sua mulher.” Sócrates não viu qualquer inconveniente, e assim aconteceu, através de uma empresa de Rui Mão de Ferro, colaborador de Carlos Santos Silva. Perante a gravidade destes indícios, o Ministério Público extraiu uma certidão do processo.
Tudo indica que José Sócrates estabeleceu com Domingos Farinho uma relação semelhante à de um primeiro-ministro com o seu speech writer. Farinho escrevia, Sócrates revia. Este mantinha-se a par e sabia o suficiente para dar entrevistas sobre o tema, mas o trabalho duro de escrita foi atirado para cima do outro. Nem podia ser de outra forma: Sócrates foi escutado na Operação Marquês a perguntar a Farinho como copiar textos e contar caracteres. A sua infoexclusão é total. Uma tese de mestrado exige disciplina de escrita, de leitura, de reflexão; disciplina essa que Sócrates, dividido entre política, viagens, comentários, conspirações, férias e distribuição de dinheiro por família, amigos e namoradas, nunca poderia ter.
Não sei como Domingos Farinho consegue olhar todos os dias para a cara dos seus alunos. Mas, sobretudo, não sei como é que a Faculdade de Direito de Lisboa pode ser levada a sério quando continua muda e queda perante suspeitas desta dimensão. Há um ano, confrontado pelo Observador sobre o tema, o director da faculdade, Pedro Romano Martinez, declarou que tudo o que tinha saído na comunicação social dizia respeito a “um processo judicial em segredo de justiça”, que a faculdade desconhecia e não tinha “competência para investigar”. E agora, que já há acusação a Sócrates e uma certidão extraída do processo? Continua tudo na mesma? É normal uma universidade pública continuar a pagar a Domingos Farinho para ensinar Direito a futuros juristas portugueses? Não se lança um inquérito interno? Duas ou três perguntinhas? Uma justificação pública? Nada?