Líbano torna-se peão na guerra entre sauditas e Irão pela supremacia regional

Riad diz aos seus cidadãos para saírem do Líbano. Beirute diz que o seu primeiro-ministro, Saad Hariri, foi posto em prisão domiciliária na Arábia Saudita e exige o seu regresso.

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Um cartaz de Hariri numa rua de Beirute MOHAMED AZAKIR

O ministro dos Negócios Estrangeiros do Líbano exigiu à Arábia Saudita que deixe regressar a Beirute Saad al-Hariri, o primeiro-ministro libanês que se demitiu do cargo no sábado, num discurso a partir de Riad. Na altura, disse ter a vida em risco e acusou o Irão. Reina no Líbano a suspeição de que Hariri está detido em prisão domiciliária, por decisão do príncipe herdeiro saudita, e que o Líbano foi transformado num peão da disputa pela liderança regional entre a Arábia Saudita e o Irão.

“Exigimos o regresso à pátria do nosso primeiro-ministro Saad Hariri”, disse Gebran Bassil, ministro dos Negócios Estrangeiros, depois do avião de Hariri ter regressado sem ele. “O regresso do chefe de Governo é uma necessidade para recuperar a dignidade do Líbano e preservar os equilíbrios internos e externos”, diz um comunicado do partido de Hariri, citado pelo jornal libanês L’Orient Le Jour.

O Ministério dos Negócios Estrangeiros da Arábia Saudita, entretanto, avisou os seus cidadãos para saírem do Líbano, e disse-lhes que não devem viajar mais para aquele país. O Kuwait fez o mesmo aviso aos seus cidadãos, e o Bahrein, nação do Golfo Pérsico de maioria xiita mas governado por uma monarquia sunita, tinha emitido idêntico alerta já a 5 de Novembro.

No seu discurso de demissão, Hariri, um milionário cuja família fez fortuna na Arábia Saudita, e que desde sempre contou com o apoio de Riad, acusou o Irão e o movimento xiita libanês Hezbollah de semearem conflitos em países árabes, e disse temer ser assassinado. O seu pai, o primeiro-ministro Rafiq Hariri, morreu num atentado à bomba em 2005. Em causa estaria uma conspiração para atingir o Irão e o Hezbollah, o seu aliado xiita libanês.

O anúncio da demissão foi uma surpresa para os seus colaboradores mais próximos e suscitou imediatamente suspeitas. "Quando chegou à Arábia Saudita, pediram-lhe para ficar lá e ordenaram-lhe que se demitisse. Disseram-lhe para ler a sua declaração de demissão e tem estado em prisão domiciliária desde então", disse à Reuters  um "elemento importante do Governo libanês".

O líder do Hezbollah, Hassan Nasrallah, negou as acusações e mostrou-se incrédulo com o discurso de Hariri: "Esta demissão foi uma ordem saudita, que ele foi forçado a cumprir. Não foi desejo dele", afirmou Nasrallah, citado pela televisão Al-Jazira.

Fim da guerra na Síria

Há um cenário de conflito iminente a montar-se num dos locais mais voláteis do mundo, que pode estar relacionado com o fim, ou pelo menos com a redução considerável do conflito na Síria, como previa, num artigo publicado há cerca de um mês o analista Joseph Bahout, do Carnegie Middle East Center.

“Os motivos pelos quais o Líbano foi poupado até agora podem deixar de ser válidos. Regionalmente, a Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos estão a procurar formas de compensar as perdas que sofreram na Síria, e um local onde possam desafiar e fazer sangrar o Irão”, escreveu Bahout.

Esse nova frente de trincheiras pode ser o Líbano, que nos últimos anos foi mantido pelos sauditas como um centro de lazer e de investimento, e preservado como a retaguarda do Hezbollah, que deveria estar em paz para que as suas milícias xiitas se pudessem empenhar totalmente no apoio ao regime de Bashar al Assad na Síria, diz o analista. “O Hezbollah poderá ver-se obrigado a aceitar esta situação [de conflito no Líbano], em especial se houver uma componente israelita”, afirma.

O Presidente francês, Emmanuel Macron, que estava de visita aos Emirados Árabes Unidos - onde concluiu um negócio de venda de dois navios militares - partiu de surpresa para a Arábia Saudita esta quinta-feira, para encontrar-se com o príncipe herdeiro, Mohamed bin Salman "para discutir as questões regionais, em particular o Iémen e o Líbano". "Vou enfatizar a importância de manter a estabilidade e integridade do Líbano", afirmou o Presidente francês, citado pela Reuters.

O bloqueio total ao Iémen - a todas as entradas por mar, ar e terra - foi decretado pela Arábia Saudita e forças aliadas que combatem os rebeldes huthis (tribo de confissão zaidita, um ramo do islão xiita), apoiados pelo Irão, como retaliação contra o míssil disparado a partir do Iémen contra o aeroporto de Riad, no sábado, e que foi interceptado pela defesa saudita.

O míssil foi identificado pela Arábia Saudita como sendo de fabrico iraniano. O disparo foi classificado como "uma escalada perigosa" por parte de Teerão. Mas o impacto deste bloqueio ao Iémen está a ser brutal, num país em guerra, com uma enorme epidemia de cólera e em que 17 milhões de pessoas - 60% da população - já vive em situação de insegurança alimentar, e sete milhões não sabem quando terão a sua próxima refeição.

Tudo isto acontece num momento em que Mohamed bin Salman (MBS) começou uma cruzada anti-corrupção que parece uma purga. No fim de semana passado, mais de 200 pessoas foram detidas, entre as quais 11 príncipes ou figuras importantes do reino, como o milionário Alwaleed bin Talal, investidor em empresas ocidentais como o Citibank ou a Apple. Alguns analistas vêem nesta acção uma vingança: o custo de guerra no Iémen, conflito lançado por MBS, tem tido consequências graves para a economia saudita e Talal terá recusado o convite para ajudar a estabilizar os cofres do Estado.

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