Empresas portuguesas ganham dois “óscares do espaço”

A Deimos Engenharia e a Space Layer Technologies estão entre os premiados que desenvolvem projectos ligados a um programa europeu de observação da Terra com satélites, o Copérnico.

Foto
Dados recolhidos pelo satélite Sentinela-2A nos Alpes ESA

Nos “óscares do espaço” não há uma passadeira vermelha como aquela que vemos nos Óscares do cinema nem uma estatueta dourada para os galardoados. Mesmo assim, os cientistas vestiram-se a rigor com fato de gala para receberam um prémio pelos seus projectos de investigação de dados do espaço. Entre os cerca de 40 prémios atribuídos houve dois com participação de empresas portuguesas. Integrada na Semana Europeia do Espaço, a cerimónia de entrega dos prémios Copérnico Masters decorreu na última terça-feira em Talin, na Estónia, num sítio que guarda memórias da exploração no passado: o Porto de Hidroaviões, museu marítimo da Estónia.

A empresa Deimos Engenharia venceu uma das categorias dos prémios Copérnico Masters, o “Desafio de Pequenos Satélites Sentinela da ESA” (ou “ESA Sentinel Small Satellite Challenge”), numa equipa liderada pelo Instituto de Estudos Espaciais da Universidade Politécnica da Catalunha. Já o “Desafio do Copérnico para a Governação” (ou “Copernicus Government Challenge”), outra das categorias, foi para o projecto SOUL – Sensor Observation of Urban Life, da empresa portuguesa Space Layer Technologies.

“É um museu com belas-artes do passado”, dizia Johann-Dietrich Wörner, director da Agência Espacial Europeia (ESA) na abertura da cerimónia, referindo-se ao museu onde os “óscares do espaço”, como lhes chamam, estavam a ser entregues este ano. Agora a “bela arte do presente” é o espaço e o que se pode observar a partir dele. Como tal, as ideias espaciais foram premiadas.

Dois satélites do tamanho de dossiers A4

Este ano, entre 39 equipas em competição, o prémio “ESA Sentinel Small Satellite Challenge” (para pequenos satélites inovadores) foi para o projecto Federated Satellite System (FSSCat), da Universidade Politécnica da Catalunha e liderado por uma equipa daquela instituição, coordenada por Adriano Camps, e com a participação da empresa portuguesa de engenharia espacial Deimos Engenharia e ainda da GOMSpace, uma empresa dinamarquesa de fabrico de pequenas plataformas de satélites.

“Ufa! Foi complicado!”, brincava o coordenador da política do programa Copérnico, Thomas Beer, depois de pronunciar o nome do projecto vencedor. E, ao som da música Can't Stop the Feeling de Justin Timberlake, o coordenador da equipa subiu ao palco para receber um prémio no valor de um milhão de euros.

E o que é o FSSCat? É uma missão que, por enquanto, engloba dois nano-satélites (o CubeCat-5 A e B) com cerca de cinco quilos e com equipamentos científicos a bordo. “Está a imaginar um dossier A4? Imagine dois”, descreve-nos Nuno Ávila, director-geral da Deimos Engenharia em Portugal, e que também esteve na cerimónia. Estes dois pequenos satélites vão integrar uma missão com um lançamento previsto para o primeiro trimestre de 2019 na Guiana Francesa.

Foto
Ilustração dos dois nano-satélites CubeCat-5 A e B UPC

“Se tudo correr bem, vamos conseguir medir a humidade do solo com uma resolução muito maior”, explica Nuno Ávila, acrescentado que passará de uma resolução de 50 quilómetros para cerca de 100 metros. “A região de Lisboa é um pixel, ou seja, tem a região toda da mesma cor. Nós agora vamos conseguir discriminar isso com a missão dos dois satélites. Vamos conseguir fazer isso para 100 metros, ou seja, Lisboa deixa de ser uma mancha e tem manchas pequeninas”, exemplifica.

Nuno Ávila diz ainda que será possível ter um modelo mais rigoroso sobre a água do solo e “alimentar” modelos das alterações climáticas ou de risco de incêndios. “Ainda há a vertente do Árctico. Para além de inferir a vegetação, vai conseguir medir também a espessura das camadas de gelo superficiais.” Desta forma, será possível saber quais as zonas de degelo, assim como quais são as zonas que ficam abertas para o tráfico marítimo.

Nuno Ávila destaca que este projecto vem de uma relação de 15 anos com a Universidade Politécnica da Catalunha. E dá como exemplo o satélite SMOS, da ESA, que tem como objectivo medir a salinidade do mar e a humidade da Terra. “Vamos ficar responsáveis por assegurar toda a cadeia de processamento de dados da missão”, refere Nuno Ávila, que indica que haverá uma estação na Catalunha e uma réplica virtual dela (sem antena) em Lisboa.

Além disso, esta missão é um teste ao conceito de “missão federada”, que partilha vários satélites. Os CubeCat irão estar a uma altitude de 450 a 550 quilómetros, separados por centenas de quilómetros e sua ligação será feita com feixes de laser. “Os satélites funcionarão em sinergia. É um conceito inovador que se denomina ‘sistemas federados’ ou ‘satélites fraccionados’, em que cada satélite se especializa e desempenha um papel diferente, que se conjugam para a obtenção de um melhor resultado global”, considera Nuno Ávila, citado num comunicado da Deimos Engenharia. “Desta forma, podem ser utilizadas constelações de pequenos satélites de muito baixo custo, em detrimento de grandes satélites. Da mesma forma, o risco de falha da missão é mitigado por não se colocarem os ovos todos no mesmo cesto”.

Quanto ao “óscar”, diz ser um “orgulho”. “É o reconhecimento do trabalho que tem vindo a ser feito há mais de 15 anos. É essa percepção que se leva agora ao cidadão comum, porque tudo o que acontece no espaço acontece de forma muito faseada, contínua e lenta e é preciso dar tempo para as coisas maturarem.” E conclui: “É o princípio de algo mais importante.”

Melhorar a vida nas cidades

Já Pedro Caridade, da empresa Space Layer Technologies, subiu ao palco para receber o “Copernicus Government Challenge”, um desafio que pretende mostrar que o Copérnico (programa de observação da Terra, da Comissão Europeia em parceria com a ESA) é uma boa ferramenta para ser usada no sector público. O projecto português, o SOUL – Sensor Observation of Urban Life, pretende monitorizar a qualidade do ar nas cidades e ajudar as pessoas a evitarem as áreas altamente poluídas, para que não venham a ter problemas de saúde.

Tudo começou em 2015 no Instituto Pedro Nunes, em Coimbra, e chegou em 2016 ao programa Acelerador Copérnico, uma iniciativa dentro da competição do Copérnico Masters, para se criarem modelos de negócio. No Acelerador Copérnico, cerca de 50 startups desenvolvem durante cerca de um ano projectos onde terão de utilizar dados do programa de observação Copérnico, que tem agora seis satélites no espaço e serviços em terra e recebe ainda os contributos de outros satélites. Pedro Caridade escolheu “para o orientar” durante cerca de um ano o português Pedro Branco, da Virtual Angle BV, uma empresa nos Países Baixos.

Foto
Pedro Caridade (segundo a contar da direita) a receber o prémio Copérnico Masters

E de que forma usa o SOUL os dados do Copérnico? Aproveita um serviço do programa que disponibiliza dados sobre a qualidade do ar. Mas como esses dados não dão informação “ao nível da rua”, Pedro Caridade explica que foram instalados sensores em veículos em movimento, como táxis ou autocarros. “Começámos em Coimbra e queremos extrapolar para outros sítios”, realça, acrescentando que já têm uma aplicação (app) a funcionar.

Recentemente, o projecto fez uma parceria com a Philips e a Huawei para instalar sensores em postos eléctricos inteligentes. E, desde Agosto, que tem também dois novos clientes, a Comunidade Intermunicipal da Região de Coimbra e a Comunidade Intermunicipal Viseu Dão Lafões. Ao todo, estão envolvidos cerca de 32 municípios. “Desenvolvemos uma plataforma global para a Protecção Civil. Fazemos assim a monitorização em caudais dos rios, das cheias, do nevoeiro ou da erosão costeira”, explica. E quando estará pronto? “Até ao final do ano tem de estar disponível.”

Vestido com fato de gala e de sorriso aberto, expressa a importância para si deste prémio: “Ganhámos cinco mil euros, mas nem é por isso, é mais pelo prémio em si.”

Mais empresas, “startups” e investigadores passaram pelo palco rodeado de luzes coloridas e música animada para receber uma estatueta (um troféu transparente) para projectos diversos, desde a agricultura de precisão, a monitorização da actividade das abelhas ou a prevenção de incêndios.

Foto
Dados recolhidos pelo satélite Sentinela-3 dos incêndios florestais na região de Pedrógão Grande ESA

Aliás, ao longo da cerimónia, Günter Schneider, da direcção da agência espacial alemã (DLR), referiu a importância destes sistemas para países como Portugal, em que os incêndios destruíram milhares de hectares e morreram mais de cem pessoas este ano. Portanto, os dados gratuitos do programa Copérnico, lançado em 2014, podem dar informações sobre agricultura, passando por situações de emergência, segurança, atmosfera até às alterações climáticas.

Foto
A família de satélites Sentinela, que fazem parte do programa Copérnico ESA

Quando chega uma inundação?

Mas este ano o programa Acelerador Copérnico contou com mais uma ideia portuguesa para utilização dos dados deste sistema de observação da Terra. José Santos, juntamente com o italiano Francesco Cataldi e a portuguesa Marta Rocha, desenvolveram o Georisk. “Consiste na identificação através de dados de satélite em áreas que foram inundadas no passado. Identificamos as áreas e tiramos os parâmetros físicos, como a elevação, o declive e a precipitação num dado momento”, explica José Santos, também presente na Semana Europeia do Espaço para participar no Acelerador Copérnico.

Depois, através das imagens de satélite e de um algoritmo de aprendizagem computacional automática, que estão a desenvolver, identificarão áreas potencialmente idênticas e que poderão vir assim a ser alagadas num futuro próximo. “As inundações têm tido nos últimos anos um grande impacto. É um fenómeno cada vez mais recorrente”, refere José Santos, indicando que este projecto terá uma “aplicação interessante” para as seguradoras.

A equipa, que tem como mentora Inês Plácido, usou dados do Sentinela -1, um dos satélites do programa Copérnico. “Já utilizei dados para mapear áreas inundadas em Coimbra. Usei imagens antes e depois do evento em 2015, em que foi possível identificar uma grande área inundada”, exemplifica ainda.

Agora, quer desenvolver um protótipo para poder mostrar aos clientes e tem oito meses de orientação pela frente de Inês Plácido. Depois, o objectivo é passar para a incubadora da ESA. “A minha missão é sobretudo ajudar na parte do negócio para que o projecto deles se transforme num negócio com pernas para a andar”, diz Inês Plácido, agora a desenvolver o Centro de Incubação de Negócios (BIC, na sigla em inglês) da ESA na Áustria. No Instituto Pedro Nunes também existe um BIC desde 2014. No ano passado, segundo dados da Comissão Europeia, cerca de 80% das “startups” que participaram neste programa conseguiram atingir os seus objectivos. Ou como quem diz, conseguiram que as suas ideias ligadas ao programa Copérnico começassem a transformar-se num negócio.

Quem sabe se as ideias portuguesas vão estar entre os premiados do Copérnico Masters de 2018?

O PÚBLICO viajou a convite da Comissão Europeia 

Sugerir correcção
Comentar