Vizinhos da Siderurgia queixam-se dos seus pulmões negros a Bruxelas e a Marcelo

Moradores de Paio Pires dizem viver na “terra da morte lenta”, sujeitos a descargas poluentes 365 dias por ano e queixam-se de abandono por parte do Estado e da autarquia.

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São lançadas limalhas “que os moradores varrem diariamente das suas varandas e parapeitos, ou limpam das suas viaturas” LUÍS RAMOS/ARQUIVO
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Escórias num quintal DR
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Escórias numa varanda de um terceiro andar DR
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Nuno Ferreira Santos

Um grupo de moradores de Paio Pires, no concelho do Seixal, está a preparar uma queixa às instituições comunitárias por alegados crimes ambientais e contra a saúde pública decorrentes da actividade da antiga Siderurgia Nacional, hoje SN-Seixal, SA, e pertencente ao grupo espanhol Megasa, confirmou um dos membros ao PÚBLICO. E também já escreveram ao Presidente da República.

“Vamos pedir à Comissão Europeia que verifique se a legislação comunitária, designadamente as directivas sobre esta matéria, que foram transpostas para o direito nacional, estão a ser cumpridas em Portugal e neste caso”, diz João Carlos Pereira, do movimento Os Contaminados.

Segundo a mesma fonte, a “extensa exposição” a apresentar em Bruxelas está em fase de conclusão e “apenas pendente de respostas a questões colocadas à Agência Portuguesa do Ambiente (APA) e outras instituições”. Será “fundamentada em provas documentais e testemunhais sobre os crimes ambientais aqui ocorridos, e que apenas resultam de uma estranha passividade dos órgãos do poder político, principalmente aqueles que tutelam a actividade da empresa: os ministérios da Economia e do Ambiente”.

O movimento aponta o dedo à “enorme condescendência” da APA, “que se atreveu a renovar a licença ambiental à SN Seixal sem estudos epidemiológicos feitos a uma comunidade onde se sucedem os casos de carcinoma de pulmão e doença pulmonar obstrutiva crónica, para além de ter ignorado aquilo que as imagens mostram. São mais de 15 mil seres humanos obrigados a respirar um ar que ninguém ainda lhes garantiu ser respirável”.

A aldeia de Paio Pires, com 15 mil habitantes, está sujeita há décadas a descargas poluentes, 365 dias por ano, da siderurgia que labora de dia e de noite e de onde são lançados, para a atmosfera furanos, dioxinas, óxidos de nitrogénio, de enxofre e de carbono, compostos orgânicos voláteis e metais pesados. De acordo com este grupo, são lançadas também, e “às toneladas”, poeiras e outras partículas, incluindo limalhas “que os moradores varrem diariamente das suas varandas e parapeitos, ou limpam das suas viaturas e campas do cemitério”.

João Carlos Pereira acrescenta que algumas destas limalhas conseguem “apanhar-se com um íman” e que toda esta poluição chega “pelo ar que, fatalmente, aqui se respira”.

Os moradores dizem “haver a noção” de que os casos de carcinoma do pulmão e de doença pulmonar obstrutiva crónica “são comuns na comunidade” mas que esses indicadores têm sido ignorados pelas autoridades portuguesas.

“As pessoas, quando vão a consultas, no Hospital Garcia de Orta, por exemplo, apercebem-se que os médicos conhecem uma incidência anormal de carcinomas nestas populações, mas não existem estudos sobre o problema, ou, se existem, estão escondidos”, diz Carlos Pereira.

Os Contaminados sublinham que nunca foi feito um rastreio de saúde aos moradores de Paio Pires. Uma medida que, defendem, deveria ter carácter regular.

O grupo acusa o poder político de ter “uma clara atitude de protecção” da empresa e contribuir para a “muralha de silêncio que abafa este magno problema” e pede resposta a duas perguntas directas: Se “é verdade que a incidência de doenças do foro respiratório, desde a mais simples alergia aos carcinomas, ultrapassa, na aldeia de Paio Pires, a média nacional” e se o Governo e autarquias “podem garantir que o ar que se respira na aldeia, e num raio de vários quilómetros, representa, em momento algum, um perigo para a saúde pública”.

Poluição de solos e ruído

Entre os crimes ambientais que Os Contaminados denunciam estão “escorrências para os solos e massas de água” e níveis de ruído “muito acima” do permitido por lei e que, segundo dizem resulta da actividade da aciaria — núcleo do forno eléctrico onde o aço é fundido, e não da central de oxigénio “como a empresa faz crer”.

A poluição sonora incomoda sobretudo à noite porque é no período nocturno que a fábrica mais labora com esta unidade, por razões de economia energética.

Estes moradores denunciam a exposição de cerca de mil crianças a descargas poluentes, com a existência de várias escolas, creches e infantários “mesmo por baixo das chaminés e sistemas de exaustão da fábrica”, algumas das quais a “escassas centenas de metros do principal foco poluidor”.

As emissões deste foco, a aciaria, não são, segundo os denunciantes, devidamente monitorizadas. Apenas algumas partículas são medidas de forma contínua, mas pela própria empresa e não por qualquer entidade independente, sendo que “as partículas mais agressivas, potencialmente cancerígenas, são medidas como e quando a empresa entende”. A Agencia Portuguesa do Ambiente tem instalada uma Estação de Medição da Qualidade do Ar em Paio Pires mas, dizem os moradores, as partículas que correspondem a metais pesados, que estarão entre as potencialmente mais perigosas para a saúde pública, não são medidas “alegadamente por não serem inaláveis”.

O PÚBLICO contactou a SN Seixal, a APA e a Câmara do Seixal mas não obteve resposta.

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