Cuca Roseta: nem tudo o que luz é fado
Cuca Roseta tinha na ideia um disco mais tradicional mas acabou por testar vários caminhos paralelos. Luz, resultado dessa experiência, chega sexta-feira às lojas, com fados e outras canções que lhe sorriram ao ouvido.
Estreando-se com um disco que trazia na capa apenas o seu nome, Cuca Roseta (2011), foram títulos sintéticos que deram a conhecer os seus trabalhos posteriores: Raiz (2013) e Riû (2015). O quarto, que agora chega às lojas, mantém essa escolha: chama-se apenas Luz e parte de um conceito fadista e espiritual, como explica Cuca Roseta ao Ípsilon: “Eu queria fazer um disco com esta palavra, que tem a ver com o fado e também com alguma coisa mais espiritual, mais interior. Uma luz que se encontra, que se ilumina e que vem através do fado. E este conceito surgiu antes das músicas.” E ela, na busca dos temas, acentuou-o. “A todos os compositores com quem fui falando, disse-lhe isso. Alguns que usaram esse conceito, outros não.”
Mas se esse era o conceito (e o disco assenta em três temas-base que o desenvolvem de forma mais explícita, Luzinha, Luz materna e Luz do mundo), já o propósito inicial se dispersou por outros caminhos. Depois de ter trabalhado com dois produtores internacionais de peso, um argentino (Gustavo Santaolalla, no disco de estreia) e um brasileiro (Nelson Motta, em Riû) e de se ter chegado mais ao fado em Raiz (produzido por Mário Barreiros), Cuca Roseta queria agora um disco “mais tradicional”. Mas que tivesse algo mais dela própria, coisas que sempre quis gravar e não pôde ou não a deixaram.
O resultado, com produção de Diogo Clemente, é um híbrido onde se misturam fado, folclore, pop, canções de toque brejeiro ao lado de outras que lembram madrigais, baladas espirituais a par de ritmos de ares brasileiros ou jamaicanos. Talvez esta Luz a defina, na sua diversidade de gostos, mesmo que deixe o fado mais às escuras. Isto em troca de uma alegria juvenil, assumidamente com menos rédea.
Um disco com mais “eu”
Entre os nomes dos compositores escolhidos, ressaltam o de Pedro da Silva Martins (com ou sem Luís José Martins, ambos dos Deolinda) e o de Carolina Deslandes. O primeiro assina três temas, a começar por Luzinha, que abre o disco. Mas também Balelas, de tom brejeiro e letra da própria fadista. “Às vezes gosto de ir buscar histórias mais caricatas. E pensei que a pessoa certa para fazer a música era o Pedro. Pu-lo completamente à vontade para mudar alguma coisa na letra, porque ele também escreve. E ele fez algumas adaptações, por isso a letra é assinada a meias.” Mas não há duas sem três: “Ele disse-me que ficou muito contente com o conceito e enviou-me um terceiro tema, Até ao amanhecer. Ouvi, gostei bastante, achei que tinha a ver com o disco, se bem que talvez seja aquele que se distancia mais de mim em termos musicais. É lindíssimo, mas foi mais difícil cantá-lo.”
Já Calorina Deslandes assina dois temas: “Um é completamente pop, não é fado, Quero; é uma história que era dela, mostrou-ma e encantou-me a simplicidade do poema. O outro, que ela escreveu para mim, Não demores, pedi-lhe para experimentar chegar-se ao meu lado. Tem a ver com o facto de o meu marido viver longe e ela escreve sobre isso.”
Esse lado mais pessoal está presente em várias escolhas. Por exemplo, em duas canções do folclore português que Amália também gravou: “Já estou para as gravar desde o primeiro disco, são duas músicas que eu adoro. O Alecrim faz parte da minha infância, canto-o desde sempre, e a Rosinha da Serra d’Arga tem a ver com a minha ligação ao Norte, onde ia às festas desde pequena. Sinto que estas músicas fazem muito parte de mim, mas sempre foram rejeitadas nos outros discos, achavam que não fazia sentido.” O mesmo para Triste sina: “É um fado que me marcou muito quando comecei a cantar no Clube de Fado. Teve a ver com um momento difícil da minha vida e depois tive medo de gravá-lo, porque mexe muito comigo. Mais distanciada, decidi gravá-lo agora.”
Há mais, assim. “Este disco, apesar de ter alguns temas que fogem um bocadinho à minha forma de ser em termos de estilo, é um disco em que queria que estivesse eu mesma muito presente. Por isso fui buscar coisas como o Alecrim, a Rosinha, a Triste sina ou o Fado Perseguição [em Luz materna, com uma letra de cunho mariano escrita pelo padre Nuno Amador], que é o meu fado tradicional preferido. Nunca o tinha gravado, embora tivesse tentado, e desta vez bati o pé. Porque queria que este Luz fosse um bocadinho mais eu.”
Da tradição ao piano
Há várias participações no disco, como Pedro Jóia, que dá um toque aflamencado a Versos contados, letra e música dela (“é quase um dueto entre ele e o meu tema”), Jorge Fernando, com Foge, um tema gingado que traz a sua marca já tão característica, ou Mário Pacheco, em Contemplação, que escreveu a música para uma letra dela (e toca-a no disco). “Esta música toca-me de uma forma especial, porque acho que me habituei a ouvir o Mário Pacheco, e a tocar com ele, e quando ele toca há alguma coisa de muito familiar que me emociona. E tinha de haver aqui um tema dele, faz todo o sentido, foi o meu mestre.” Ainda entre os fados, há um de Helder Moutinho, letra e música. “É um compositor fantástico e tradicional e este disco foi pensado inicialmente para ser mais tradicional. Depois do Riû, achei que já tinha viajado pelo mundo e queria voltar à raiz. Por isso pensei em compositores portugueses, que fossem populares mas que tentassem mais o fado, ou mais tradicionais.”
E há, por fim, o piano. Primeiro em Saudade e eu: “Toco piano em casa, todos os dias. E fiz essa música ao piano. O Diogo ouviu a gravação e queria pô-la no disco assim mesmo, mas não deixei; quem a toca no disco é o Valter Rolo.” Finalmente em Luz do mundo, só voz e piano. A letra é dela e a música é do pianista, Tiago Machado: “Acho esse tema extraordinário, é das canções mais bonitas do disco, algo épico. Andei muito tempo a tentar fazer uma letra que correspondesse a essa música. E devia ser ele a tocá-la no disco. Como é uma música mais contemplativa, achei que era muito bonito acabar o disco com ela.”