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"Continuo a desenhar o mesmo: os amores, as mulheres, as minhas paixões"

Em 2016, Nuno Saraiva ganhou o prémio de Melhor Álbum Português no festival de BD da Amadora. Este ano é o homenageado. "Sempre me entusiasmaram as histórias das cidades de periferia porque são uma espécie de locais de abandono, de fuga", diz.

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Aos 48 anos, Nuno Saraiva leva já 30 de carreira como ilustrador Vitorino Coragem

Nuno Saraiva, vencedor do prémio de Melhor Álbum Português nos Prémios Nacionais de Banda Desenhada do Amadora BD de 2016, é homenageado na edição deste ano com uma retrospectiva das três décadas de trabalho de ilustração e banda desenhada.

Tudo isto é Fado é, além do título da exposição, o título de um álbum e de uma série de tiras suas.

A organização do Festival de BD da Amadora optou por chamar à minha exposição Tudo isto é Fado porque à partida, como acontece com outros livros que são premiados e dão uma exposição, o autor expõe os originais do livro destacado do ano passado. Sendo essa a ideia que me foi apresentada, comecei a vasculhar uma série de desenhos, ilustrações e bandas desenhadas que tinha no baú. De repente, dou por mim a descobrir umas páginas publicadas em 1987, o meu primeiro trabalho pago e publicado. Feitas as contas, fazia 30 anos.

Nunca tinha pensado nisso?

Não. Fiquei surpreendido, porque pensava que não tinha sido há tanto tempo, pensava que tinha sido, sei lá, quase há 25 anos. Dá um número redondo. Foi uma banda desenhada que foi publicada após vencer um concurso para jovens. Tinha na altura 16-17 anos, salvo erro. Venci o primeiro prémio, que dava direito a um cheque e à publicação numa revista que na altura era a mais lida de banda desenhada, o Jornal da BD. Eu e o cenógrafo [da exposição] lembrámo-nos de fazer qualquer coisa que tivesse a ver, por um lado, com o meu passado e, por outro, com o meu presente, muito ligado às Festas de Lisboa, aos arraiais, ao fado. Então mantiveram o nome Tudo Isto é Fado, não por causa do título do livro, mas porque tudo isto é um fado, é um destino. A palavra "fado" está hoje ligada ao infortúnio, à perda, à saudade ou à má sorte, mas na verdade a sua origem é outra. Significa "destino", e o destino não tem de ser mau, [também] pode ser bom.

Como era essa primeira banda desenhada?

Chama-se Ted Sponja. Era a história de um detective privado nova-iorquino dos anos 1940-50, uma espécie de detective meio gangster, que estava sempre embriagado, muito inspirado nos romances policiais da época, tipo Raymond Chandler, por exemplo, ou Dashiell Hammett. Era um anti-herói.

Então, se não fosse este convite, se não tivesse ido pesquisar nos seus arquivos, nunca se teria dado conta de que fazia 30 anos de carreira...

De todo. Teria deixado passar. Como, de resto, tenho deixado passar tudo o que é efemérides. Não ligo muito a isso. É o tipo de coisa que me faz sentir um bocado velho.

Nunca tinha olhado para trás desta maneira?

Não, não.

Tirou algumas conclusões ou guardou algumas datas para festejar no futuro?

As datas mais importantes que desejo festejar em plenitude e sempre, são as datas de aniversário da minha filha. A verdade é que ao longo de 30 anos de carreira eu posso ter evoluído, o meu traço ou o meu raciocínio podem estar mais apurados, mas houve uma única coisa que não mudou - a enormíssima dificuldade que um ilustrador, um artista ligado à ilustração e à banda desenhada, tem em chegar ao último dia do mês com dinheiro suficiente para pagar uma renda e as despesas.

Desde que ganhei a independência dos meus pais, sensivelmente aos 22 anos [hoje tem 48], a verdade é que nunca falhei o pagamento no final do mês, mas é uma batalha constante. Até agora ainda não consegui chegar a um momento em que venha o dia 25 e me sinta aliviado. De certa forma, toda esta insegurança e estes desequilíbrios do ponto de vista financeiro alimentam a vontade de estar continuamente a trabalhar com força, com energia. E acho que consegui atingir algo que é muito raro um autor atingir, seja aqui ou lá fora, que é criar uma identidade própria. 

Mas em termos de abordagem mudou alguma coisa? O mundo mudou muito em 30 anos...

Se olharmos para trás, para as grandes obras clássicas da antiga Grécia, da antiga Roma, chegamos à conclusão que, ao fim e ao cabo, as nossas preocupações são sempre as mesmas. É o amor, é a auto-estima, é o sucesso, é a autoconfiança. No meu caso, acho que desde que comecei a trabalhar continuo a desenhar o mesmo: os amores, as mulheres, as minhas paixões. Se calhar o traço mudou, mas as intenções são as mesmas.

Além da exposição, desenhou várias figuras da Amadora para o cartaz do festival. Como foi essa pesquisa?

Propus uma investigação sobre a Amadora, sobre as gentes da Amadora, dentro do tema reportagem. Fui às bibliotecas, às associações recreativas, fazer um bocadinho de trabalho de arqueologia, e tentar saber quem são as figuras que fizeram aquele território. Todos nós conhecemos relativamente bem a história das grandes cidades. Só que as cidades da periferia são muito marginalizadas. Se calhar essa preocupação vem-me por também ser um suburbano, um filho de Almada... Mas sempre me entusiasmaram as histórias das cidades de periferia porque são uma espécie de locais de abandono, de fuga, em que as pessoas procuram fugir ao barulho e ao caos de uma [grande] cidade.

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