Uma escola a lutar por um prestígio perdido
A Escola Nacional de Bombeiros foi alvo de críticas pelo relatório dos técnicos independentes. Sofrerá mudanças, mas não se sabe quais. Direcção garante que escola já não é o que era.
Poucos minutos e a conversa vai logo parar ao menino dos olhos da Escola Nacional de Bombeiros (ENB), o simulador de realidade virtual para treinar os alunos em várias situações, incluindo incêndios florestais, com dois anos de idade. Na verdade, são dois meninos: falta o centro de treinos equipado para treinar bombeiros para agirem em toda a sorte de situações, apenas com um ano.
Os dois equipamentos são os novos cartões-de-visita de uma escola que tem estado nas bocas dos críticos por causa da formação dada a bombeiros, sobretudo no que toca ao combate a incêndios florestais. "Roma e Pavia não se fizeram num dia", diz ao PÚBLICO o presidente da direcção da ENB. Para José Ferreira, a escola é injustiçada porque quem dela fala muitas vezes tem "preconceitos" e "pré-juízos" que prejudicam a leitura sobre o trabalho que ali é feito por cerca de 80 funcionários e 1200 formadores. E quem fala, acrescenta, não sabe que a instituição mudou.
Mas quem falou, neste caso a Comissão Técnica Independente, disse que a formação dada pela ENB "não é complementada nem validada com acções desenvolvidas em ambiente real", que dá mais "instrução" do que "formação" e que, por isso, não é "adequada" ao que se exige. Palavras duras que para a direcção da escola estão desfasadas da realidade e são "simplistas".
Para José Ferreira, o simulador e o campo de treinos mudaram radicalmente a formação de bombeiros e aproximaram a escola portuguesa daquilo que se faz lá fora, sobretudo em França, a referência para estes assuntos. Nos últimos dois anos, já com os dois equipamentos em pleno funcionamento, foram formados seis mil bombeiros para combater incêndios florestais. Um número bastante longe dos 22 mil homens nas corporações.
Cinco milhões por ano
À porta da sala de comando, um quarto escuro totalmente em silêncio, há uma frase que explica que é importante estar o "homem certo" a tomar "a decisão certa", no "momento certo". Naquela sala, não é só a forma de comandar um incêndio que se ensina — também são avaliados os comportamentos dos alunos, ali só comandantes de forças de bombeiros. E há quem sue em bica durante os 45 minutos em que virtualmente tem de movimentar meios que estão divididos em sectores (cada comandante de sector está numa sala ao lado a dar informações do que vê e a executar as ordens que recebe) e decidir o que fazer para apagar o fogo.
Naquele espaço simulam-se situações reais, com comunicações reais, e recria-se um posto de comando, totalmente em silêncio e isolado, "que isto não pode ser uma bandalheira". A referência de José Ferreira a explicar a formação é directamente associável ao que aconteceu em Pedrógão Grande e que é relatado pelos técnicos: havia demasiada gente, políticos incluídos, no posto de comando.
Lá fora, ao ar-livre, há um ferro-velho com dezenas de carros, onde neste dia de manhã uma equipa treinava o desencarceramento. Há um pouco de auto-estrada onde são simulados acidentes e no centro de treinos há uma sala com temperaturas elevadas para situações de resgate e salvamento e uma zona de fogo criado, que qualquer bombeiro tem de conseguir apagar.
Tudo isto tem um custo de cinco milhões por ano, o orçamento total da escola. Mas, na verdade, há mais 12,5 milhões que euros de financiamento que levantam dúvidas. Desde 2009 que a maior parte do orçamento total da ENB (17,5 milhões de euros) vai direitinho para pagar aos bombeiros profissionais da Força Especial de Bombeiros (FEB). Um negócio feito com o Governo de então que transforma a ENB numa "barriga de aluguer" da Autoridade Nacional de Protecção Civil (ANPC). O esquema é simples: estes homens são "fornecidos" pela escola, que lhes paga com o dinheiro que vem da ANPC, porque não há forma de o Estado os integrar nos quadros. José Ferreira garante que "não é" financiamento encapotado da Liga de Bombeiros Portugueses (a outra sócia, com a ANPC, da ENB).
Agora, muito vai mudar na ENB, mas ainda não se sabe bem o quê. O Governo, de acordo com o comunicado de António Costa no final do Conselho de Ministros extraordinário de 21 de Outubro, tem como intenção passar esta escola para o sistema formal de ensino como escola profissional e aproximá-la dos politécnicos.