Oposição diz que Câmara de Guimarães deveria ajustar parque para 400 viaturas ao parecer do ICOMOS

A comissão portuguesa do Conselho Internacional de Monumentos e Sítios deu uma avaliação negativa ao novo parque automóvel em construção em Guimarães, numa zona candidata a Património Mundial da Humanidade. Domingos Bragança defendeu que o património arqueológico vai ser salvaguardado.

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O PSD criticou a posição da câmara sobre o assunto MANUEL ROBERTO

O parque de estacionamento para mais de 400 automóveis na zona da Caldeiroa, inserida nos 24 hectares da zona de Couros que o município candidatou a Património Mundial da Humanidade da UNESCO, em adição ao já classificado centro histórico, recebeu, a 28 de agosto, um parecer negativo da Comissão Nacional Portuguesa do ICOMOS, o Conselho Internacional de Monumentos e Sítios e foi tornado público há uma semana.

O presidente da Câmara de Guimarães, Domingos Bragança, tem insistido, desde então, que o documento não é juridicamente vinculativo e, por isso, a autarquia não tem de corrigir nenhum dos problemas lá apontados. O vereador André Coelho Lima, candidato às Eleições Autárquicas de 01 de Outubro pela Coligação Juntos por Guimarães – reúne o PSD e o CDS-PP num total de cinco partidos –, frisou, no entanto, que, a nível político, a autarquia precisava do documento que solicitou em Março último e, mesmo com uma avaliação que não desejava, deveria adaptar o projecto para, no futuro, receber um parecer positivo.

“Há um parecer, temos é de trabalhar com base nele. Não é dizer que está errado. Se não é importante, então não o tínhamos pedido”, defendeu à margem da reunião do executivo municipal, decorrida na quinta-feira.

Depois da presidente do ICOMOS Portugal, Maria Ramalho, ter dito, em Outubro, que o parecer era negativo, a obra, alvo de uma providência cautelar que a pode travar, arrancou, e a autarquia publicou o documento há precisamente uma semana, a par do restante arquivo ligado ao processo. Aí, lê-se que o parque se apresenta incompatível com a proposta de extensão da zona de Couros a Património Mundial da Humanidade, por estar “precisamente incluído na zona de classificação”, e que a “vivência quotidiana daquela zona será “afectada de forma irreversível”.

O parecer menciona ainda a demolição de várias construções em pedra, a substituição da “mancha verde” dos logradouros de casas e de antigas indústrias, “onde se incluem árvores de grande porte, algumas delas centenárias” por uma “zona verde” incapaz de sustentar espécies com raízes mais profundas, dada a estrutura de betão prevista para o subsolo, e as “limitações nas áreas previstas para a entrada e para a saída de veículos”, face à dimensão das vias e ao enquadramento das habitações e estabelecimentos comerciais.

A legitimidade do parque de estacionamento, defendeu, por seu lado, Domingos Bragança, deriva dos pareceres positivos da Direcção Geral do Património Cultural, da Direcção Regional de Cultura, entidades vinculativas, e das opiniões favoráveis dos vice-presidentes do ICOMOS, Ana Paula Amendoeira e José Aguiar, na sequência da reunião com a autarquia, a 18 de Abril. Mal o parecer foi tornado público, Domingos Bragança alegou contradições no seio do organismo e, na quinta-feira, apoiou-se na posição expressa ao município pela vice-presidente do ICOMOS para realçar que “Guimarães não é uma cidade arqueológica”, mas uma “cidade viva, que tem património arqueológico” e o preserva, como neste caso, disse.

A conservação dos tanques de curtumes encontrados durante as sondagens arqueológicas de 2014, realizadas sob o tecto da outrora Fábrica de Curtumes da Caldeiroa, imóvel datado do começo do século XX, foi a principal condição para tais pareceres positivos. A demolição dessa antiga fábrica vai, portanto, aser acompanhada por uma equipa arqueológica para minimizar eventuais efeitos negativos e para documentar novas estruturas que se possam descobrir na execução da obra. Já o parecer do ICOMOS reitera que esses mesmos tanques vão ficar “irremediavelmente descontextualizados” do novo figurino da zona envolvente.

Coelho Lima questiona estado da Candidatura de Couros a Património Mundial

O vereador do PSD alegou que a postura da autarquia diante do parecer do ICOMOS evidencia um afastamento da defesa do património como prioridade máxima, que levou o centro histórico da cidade a ser classificado como Património Mundial em dezembro de 2001, e criticou a inexistência de um relatório sobre o processo da candidatura da zona de Couros até 30 de setembro, já que esse desígnio foi anunciado com um “grande propósito” do mandato de Domingos Bragança de 2013 a 2017.

O alargamento da classificação à zona de Couros, pontuada por alguns tanques demonstrativos de uma indústria de curtumes que ali emergiu a partir do Século XII, já está incluída na Lista Indicativa de Portugal a Património Mundial, na sequência da confirmação da Comissão Nacional de UNESCO a 18 de maio de 2016. A candidatura prevê 43 hectares de património mundial e ainda uma Zona Especial de Protecção de 582 hectares, ao longo da ribeira de Couros.

Domingos Bragança sublinhou que a candidatura não sofreu qualquer interrupção e está, agora, a “aumentar a intensidade para a recta final que é a classificação”. “O que queremos é fazer bem. O que importa não é cumprir calendário”, disse, não avançando qualquer prazo para se saber o resultado da candidatura.

O parecer do ICOMOS também se pronuncia sobre o alargamento da classificação para abranger a zona de Couros, considerando-o “desejável e coerente”. Notou, porém, que algumas zonas do complexo foram “afectadas ou comprometidas por demolições ou intervenções descaracterizadoras”, mencionando o parque de estacionamento em construção e o hipermercado Pingo Doce, que abriu em junho.

Contactada pelo PÚBLICO para comentar o risco que tais obras podem trazer à candidatura de Guimarães e para esclarecer as alegadas divergências no seio do ICOMOS, a presidente do organismo, Maria Ramalho, não quis prestar declarações.

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