E se todo o governo catalão aparecer esta segunda-feira para trabalhar?

Agora é a sério. Os decretos já saíram em Boletim Oficial do Estado, mas falta perceber se é possível substituir uma administração autonómica e levar 200 mil funcionários a cumprir ordens dadas por Madrid.

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O presidente destituído da Generalitat, Carles Puigdemont, e os presidentes da câmara catalães, no parlamento, no dia da declaração da independência Albert Gea/REUTERS

Há muito tempo que parte da Catalunha e Madrid vivem em duas realidades paralelas. Mas desde sexta-feira o fosso aprofundou-se. Com cinco horas de intervalo, a maioria independentista do parlamento autonómico proclamou a República Catalã e o primeiro-ministro de Espanha, Mariano Rajoy, anunciou a destituição de toda a Generalitat e a dissolução do mesmo parlamento. Duas realidades, em teoria, sobrepostas.

Carles Puigdemont, presidente catalão destituído, falou aos catalães ao início da tarde de sábado, lembrando-lhes que “só os parlamentos podem eleger e destituir presidentes” e apelando a uma “oposição democrática” ao artigo 155, ao abrigo do qual Madrid tomou as decisões anunciadas na sexta-feira à noite e publicadas na manhã seguinte em Boletim Oficial do Estado (BOE).

“Governo toma o controlo apesar do desafio de Puigdemont”, foi a manchete escolhida este domingo pelo El País. Bem diferente da primeira página do diário independentista Ara: “Mensagem de Puigdemont: ‘Paciência, perseverança, perspectiva”.

Está por confirmar que o Governo central tenha imposto qualquer controlo. Soraya Sáenz de Santamaría, a vice-presidente de Rajoy em quem este delegou a coordenação da governação catalã até às eleições de 21 de Dezembro, não planeia aparecer no Palácio da Generalitat. Já se reuniu com responsáveis governamentais e distribuiu pastas – ficou estabelecido que as funções dos departamentos (ministérios) catalães serão cumpridas pelos ministérios de Madrid correspondentes –, mas ainda ninguém anunciou qualquer decisão com impacto na vida dos catalães.

E porque é que o site (e as contas nas redes sociais) da Generalitat continua activo e publicou a mensagem gravada sábado por Puigdemont, como se nada tivesse mudado? Anunciada a intervenção do presidente destituído, a grande preocupação da Moncloa (palácio do Governo em Madrid) foi confirmar à imprensa que Puigdemont não estava no Palau. É verdade, estava em Girona, a sua cidade, mas na delegação local da Generalitat.

Há medidas simples de pôr em prática. Por exemplo, o comandante dos Mossos d’Esquadra, Josep Lluís Trapero, e o director-geral da polícia catalã, Pere Soler, foram afastados e aceitaram a decisão. Os Mossos retiraram as escoltas a muitos conselheiros (ministros) e já terão tirado das esquadras a fotografia de Puigdemont, que algumas ostentavam.

Aparentemente, pelo menos os 17 mil Mossos vão responder às novas autoridades, mas entre 200 mil funcionários públicos sobra gente a afirmar que não o fará, dos jornalistas aos bombeiros, passando pelo maior sindicato de professores e centenas de municípios.

“É impossível”

“Foi difícil anunciar o 155, executá-lo é impossível”. A frase, “de um alto funcionário do Estado”, dita ao El País ainda na sexta-feira, resume as dúvidas do próprio Rajoy.

O problema não é apenas a aplicação inédita de um artigo que permite ao Governo “dar instruções a todas as autoridades” de uma comunidade autónoma que “não cumpra as obrigações que a Constituição ou outras leis lhe imponham, o actue de forma que atente gravemente contra o interesse geral de Espanha”. O problema é que o 155 não foi escrito com a intenção de suspender instituições ou demitir governos e não há manuais.

A Generalitat agora destituída ainda tentou entregar no Tribunal Constitucional um recurso contra esta aplicação, mas os juízes consideram que era precoce avaliá-la.

“Eu vou trabalhar. Deixei tudo no meu gabinete, ninguém trouxe nada na sexta-feira. Estou à espera do que decidam as chefias”, diz Martí Estruch Axmacher, assessor de imprensa da Diplocat (Conselho de Diplomacia Pública da Catalunha, criado para promover a Catalunha no mundo), “extinta” por decisão de Madrid. “Temos contratos”, lembra. “Sabemos que fomos – é uma palavra feia – extintos, mas nem percebo a razão nem fui informado disso a não ser pelas publicações no  Boletim Oficial do Estado”, descreve.

Axmacher diz que fará o que decidirem os seus superiores. “Se as instruções forem no sentido que é preciso obedecer, que estamos despedidos, muito bem, mas se nos disseram, ‘continuem a trabalhar’ parece-me bem, mesmo porque considero que temos feito um bom trabalho”, diz. “Há um edifício, há computadores, gabinetes… A Diplocat está extinta só porque assim o diz o Governo espanhol?”

Conselheiro não, ministro

Este responsável não estranha que o PÚBLICO tenha tentado sem sucesso falar com vários assessores de diferentes departamentos da Generalitat, assim como com membros das principais organizações independentistas, a Assembleia Nacional Catalã e a Òmnium. Fala num “vazio informativo”, como se as iniciativas estivessem pendentes de decisões tomadas em Madrid às quais será preciso reagir.

O conselheiro (destituído) do Território e da Sustentabilidade, Josep Rull, presidiu domingo às celebrações do centenário da chegada do comboio à cidade de San Cugat del Vallès, onde foi apresentando, precisamente, como conselheiro. “Segunda-feira, a minha vontade é vir aqui e já não ser conselheiro da Generalitat mas ministro da nova República Catalã”, disse Rull aos funcionários do seu Departamento na sexta.

Rajoy está aliviado por nenhum conselheiro ter permanecido no seu gabinete. Será mais fácil travar-lhes a entrada do que expulsá-los, pensa. É esta a grande limitação de Madrid: depois das cargas policiais no referendo inconstitucional sobre a independência (que fizeram mais de mil feridos), é preciso evitar cenas de violência.

“A minha impressão é que não seremos os únicos a aparecer para trabalhar”, diz Axmacher, estimando que se a decisão na Diplocat for resistir à ordem de Madrid a maioria dos funcionários ficará. “Acredito que iremos todos trabalhar, incluindo os conselheiros e o presidente”. 

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