Por estes dias já anda tudo pintado de cor-de-laranja, não há montra que não tenha abóboras, teias de aranha, morcegos e fantasmas. E, lá por casa, os miúdos também já andam há muito a escolher fatiotas com esqueletos e zombies, bruxas más e piratas assombrados. E miúdos e graúdos que gostem de passar tempo na cozinha já andaram a navegar horas no Pinterest à procura de ideias de pratos que tenham o vermelho-sangue e o verde-vómito como cores dominantes — pedimos desculpa por imagens tão vívidas, mas não há como não carregar nas cores: que dizer de salsichas a imitar dedos cortados, ketchup a desenhar-lhes o sangue a correr? É só o prato mais batido nestas festas.
O que os miúdos não sabem — e se calhar muitos pais também não — é de onde veio esta parafernália toda, e por que é que a 31 de Outubro as nossas crianças andam cada vez mais disfarçadas de pequenos diabinhos e irresistíveis bruxas a tocar à porta das pessoas e a gritar “trick or treat”, como se cada um dos nossos filhos fosse um pequeno cidadão norte-americano. Será televisão a mais – ou, correcção, para os dias de hoje, You Tube a mais? Talvez. De qualquer maneira, é também uma boa oportunidade para lhes explicar a diversidade de tradições, dar-lhes umas noções de geografia e, já agora, introduzir um pouco do conceito de globalização.
O Dia das Bruxas tem raízes numa celebração chamada Samhain, um antigo festival que comemorava o final das colheitas realizado no final do ano celta (boa oportunidade para relembrar as aulas de História, e recuperar que os povos celtas andaram por aqui 500 anos antes de Cristo). O Samhain assinalava o final do Verão e o início do Inverno escuro, e acreditava-se que o espírito dos mortos vinha atormentar os vivos e tentar estragar as colheitas.
Na Irlanda e na Escócia, e para homenagear os antepassados, era costume acenderem-se fogueiras no topo das colinas — os fogos de Hallowe’en, e está explicado o nome. Depois veio a lenda do Jack O’Lantern (sim, as lanternas), o homem que enganou o diabo, não foi aceite no céu e ficou a vaguear na terra, iluminado apenas por um punhado de carvão dentro de um nabo. Sim, os primeiros vegetais a terem o interior escavado e iluminado até foram os nabos e as batatas. Quando chegou aos Estados Unidos, foi uma proliferação de abóboras e o resto é o que se sabe
Como é que a tradição celta chegou aos Estados Unidos, que a universalizou? Foi na segunda metade do século XIX, altura em que um grande numero de imigrantes irlandeses fugiram da Grande Fome que grassava pelas ilhas britânicas. Apropriando-se da tradição, os norte-americanos começaram a mascarar-se e a pedir dinheiro ou comida de porta em porta, uma prática que acabou por se tornar no actual “trick or treat” (“doçura ou travessura”).
Bom, para noções de História e Geografia já está, até já atravessámos um oceano. As primeiras noções de globalização também. Falta falar da diversidade cultural, para lembrar que em Portugal também cá tínhamos uma coisa parecida — os americanos falam de bruxas e de mortos vivos, em Portugal falava-se de finados e fiéis defuntos. Adiante, e bola para a frente com a globalização outra vez, para explicar outra coisa: é que agora isso pouco importa, e para as crianças (as de facto e as que vivem em cada adulto) não há nada mais irresistível do que a possibilidade de pregar uma partida (travessura) ou levar para casa um montão de gulodices (doçura). Ou participar nas muitas actividades, workshops, sessões de contos, jogos, festas e concursos de máscaras que se multiplicam um pouco por todo o país.