Curiosos ou sensíveis? Sim, os chimpanzés têm mesmo traços de personalidade como nós
Um novo estudo avaliou as características da personalidade dos chimpanzés da Tanzânia e concluiu que são parecidas com as de um trabalho de há 40 anos, o que significa que esses traços são estáveis ao longo do tempo. São ou agressivos, ou tímidos ou preguiçosos, como os humanos.
Cabelo louro apanhado num rabo-de-cavalo, roupas em tons cáqui e acompanhada por um chimpanzé (ou vários) no Parque Nacional de Gombe, na Tanzânia. É esta a imagem que temos da primatóloga Jane Goodall, pioneira no estudo dos chimpanzés, os nossos parentes vivos mais próximos. Foi a partir dela que os conhecemos melhor e percebemos que somos bastante parecidos com eles. Também usam ferramentas, passam conhecimento às gerações seguintes, têm culturas próprias ou até personalidade. A partir de Jane Goodall seguiram-se outros trabalhos de investigação. Um deles, nos anos 70, demonstrou que os chimpanzés têm diferentes traços de personalidade, como a curiosidade e a inveja. Quarenta anos depois, esse estudo foi repetido num maior número de indivíduos. Conclusão: esses traços são estáveis.
O local dos dois estudos foi o mesmo: o Parque Nacional de Gombe. No Norte da Tanzânia, é um sítio de transição entre habitats, desde a floresta ribeirinha, passando pelos vales, até à floresta e prado nos montes. Ao todo, há três comunidades de chimpanzés lá: a Mitumba, a Kasekela e a Kalande. Nos anos 60, Jane Goodall começou a habituar as comunidades à presença de investigadores e hoje há vários vigilantes no parque a cuidar e a observar os chimpanzés.
Também foi em Gombe que, entre Julho e Agosto de 1973, Peter Buirski, Robert Plutchik e Henry Kellerman (todos de instituições dos Estados Unidos) estudaram a personalidade dos chimpanzés. Os cientistas fizeram um questionário a estudantes universitários e investigadores de pós-doutoramento sobre 24 chimpanzés. Concluíram que esses chimpanzés podiam mostrar depressão, curiosidade, agressão, inveja, carinho, timidez ou outros estados emotivos. Ou seja, tinham vários traços de personalidade.
“A importância deste estudo é que demonstra a utilidade de um método para avaliar a personalidade dos chimpanzés que tem uma fiabilidade razoável e generalidade teórica”, escreveram num artigo científico na revista Animal Behaviour, onde publicaram os resultados em 1978. Nesse artigo não deixaram de citar Jane Goodall, pois a primatóloga já tinha mencionado as personalidades dos chimpanzés: “Goodall considera os comportamentos de ataque e de ameaça, fuga e apaziguamento, alarme e prevenção, ou amizade e saudação como exemplos de emotividade.”
Agora, esse método foi utilizado de novo e os resultados vêm num artigo científico publicado na revista Scientific Data. Uma equipa liderada por Alexander Weiss, psicólogo da Universidade de Edimburgo (Reino Unido), quis estudar os traços da personalidade dos chimpanzés. Por isso, os cientistas fizeram um novo questionário (que incluía o nome de cada chimpanzé, uma prática que Jane Goodall introduziu, ou a idade) em que 18 vigilantes de Gombe avaliaram os traços de personalidade dos chimpanzés. De um a sete, tiveram de quantificar se o chimpanzé era mais ou menos dominante, persistente, curioso, individualista, brincalhão, agressivo, impulsivo, inteligente ou sensível.
Ao todo, foram considerados 24 traços de personalidade no questionário e recolhidos dados de 128 chimpanzés (da subespécie Pan troglodytes schweinfurthii, ou chimpanzé-do-leste-africano), incluindo os 24 chimpanzés do estudo anterior. Entre os chimpanzés estudados esteve Fifi (1958 – 2004), a chimpanzé que Jane Goodall considerava “ágil e acrobática”. Concluiu-se então que os traços analisados agora são semelhantes aos observados no estudo anterior. Portanto, as características da personalidade dos chimpanzés são estáveis ao longo do tempo. “Estes dados permitem mensurar a personalidade dos chimpanzés de uma população bem conhecida por ter personalidades distintas, mas, por algum motivo, havia poucos dados quantitativos disponíveis sobre a personalidade”, refere o artigo científico, que tem várias tabelas com as análises dos vigilantes.
Uma chamada de atenção
“O objectivo deste artigo é permitir que futuros investigadores tenham uma ferramenta para aprender mais sobre a evolução dos chimpanzés e dos humanos”, diz ao PÚBLICO Alexander Weiss. “Penso que um dos obstáculos psicológicos para melhorar os esforços de conservação é que os humanos tendem a pensar que as diferentes espécies de animais são apenas isso, espécies. As diferenças no comportamento, a reactividade emocional e outras tendências, isto é, as personalidades dos indivíduos, ficam perdidas no processo.”
Então, este trabalho é também uma chamada de atenção para os perigos que os chimpanzés enfrentam, como a perda de habitat e a diminuição da sua população. “O facto é que os chimpanzés diferem tanto uns dos outros como nós humanos. Perder os chimpanzés poderá significar perder estes maravilhosos indivíduos e indivíduos que ainda poderão surgir”, explica Alexander Weiss. “Cada vez que uma espécie desaparece, perdemos um fio da tapeçaria da vida, em que todos os fios estão ligados entre si”, dizia também Jane Goodall numa entrevista ao PÚBLICO em 2016.
Para Alexander Weiss, a primatóloga britânica é uma referência: “O trabalho que ela conduziu e o que se seguiu mostrou o quanto podemos aprender sobre os chimpanzés, mas também sobre os humanos, se estudarmos estas [duas] espécies tão próximas.” O psicólogo não conhece tão bem Gombe como Jane Goodall, pois apenas visitou o parque em 2010 e 2011, mas não deixou de ficar impressionado. “Não há, para mim, nada como ver chimpanzés de todas as idades no seu habitat natural, interagindo uns com os outros, e todos com personalidades distintas como as dos humanos. Simplesmente incrível.”