O espaço aéreo europeu está a ficar mais pequeno

O fim da Air Berlin, Alitalia e Monarch veio evidenciar um mercado em consolidação, que está a ser aproveitado por empresas como a Lufthansa e a Easyjet.

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Solução para Alitália terá de ser conhecida até ao fina de Abril do ano que vem Reuters/Max Rossi

Em apenas quatro dias, a Lufthansa emitiu dois comunicados que dão nota da dinâmica de concentração que o mercado de transporte áereo está a atravessar: no primeiro, datado de 13 de Outubro, dizia que tinha assinado um contrato para ficar com a maioria dos activos da Air Berlin -- que entrara em insolvência em Agosto - em troca de 210 milhões de euros. No segundo, de dia 16, informava que tinha avançado com uma proposta de aquisição da Alitalia - ou partes dela -, que tombou financeiramente em Maio.

O que continha o envelope entregue aos administradores de insolvência da Alitalia, um entre sete apresentados até dia 16 com respectivas propostas de compra, não se sabe ao certo, mas a Lufthansa fez questão de sublinhar que não queria a empresa no seu todo.

O interesse da companhia alemã está concentrado em “partes da rede global de tráfego” e “o negócio europeu e doméstico ‘ponto a ponto’” (rotas directas, como Roma-Milão).

Isso implica, diz, um conceito remodelado para a empresa, que apelida de “NovaAlitalia”, com uma perspectiva económica a longo prazo. Diz a imprensa italiana que a oferta implica também a entrada de 500 milhões de euros e a saída de cerca de metade dos 12.000 trabalhadores.

Datas para o anúncio do vencedor, ou da escolha de uma lista mais pequena de candidatos para nova ronda de negociações, ainda não há. Mas tudo terá de estar decidido até ao final de Abril do ano que vem. E, embora não se conheçam todos os nomes dos candidatos a ficar com a companhia de bandeira italiana, sabe-se que a Easyjet está na corrida.

Ao mesmo tempo, a companhia área low cost de origem britânica é também uma das empresas que beneficia com o fim da Air Berlin, tendo avançado com uma oferta de compra de 25 aviões A320 estacionados no aeroporto de Tegel, em Berlim.

No caso da Lufthansa, o grupo alemão quer ficar com alguns aviões da Air Berlin para voos de curta duração, além da subsidiárias Nikki (de base austríaca) e LG Walter (uma empresa regional), que darão um novo impulso à sua própria unidade low cost, a Eurowings. O negócio, no entanto, tem de ter autorização por parte da Comissão Europeia, em termos concorrenciais, e a Ryanair já prometeu que não vai facilitar a concretização da operação, depois de ter defendido que tudo tinha sido feito de modo a facilitar a investida da Lufthansa (e assim refrear o reforço dos concorrentes mais diretos).

A questão Ryanair

Ocupada a tratar dos seus problemas internos, a companhia área low cost irlandesa também acabou por não fazer nenhuma oferta ligada à Alitalia, ao contrário do anunciado inicialmente. Por falhas no planeamento de pessoal, ou simplesmente por falta de pilotos disponíveis, a empresa foi obrigada a cancelar milhares de voos, e está agora a tentar controlar os danos, o que a impede de pensar em novas aventuras imediatas.

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Investida da Lufthansa à Air Berlin está a ser questionada pela Ryanair Reuters/Hannibal Hanschke

No meio de muitas queixas por deixar passageiros em terra, e de suspeitas de não estar a reencaminhar ou a indemnizar devidamente os passageiros que assim o desejassem, houve também quem questionasse se este não era um efeito negativo da estratégia de aperto sistemático dos custos aplicada pela Ryanair. Para já, defronta-se com um problema laboral, encabeçado pelos pilotos, com os trabalhadores a exigirem melhores condições, e que a empresa liderada por Michael O’Leary tem mostrado algumas dificuldades em solucionar.

Ainda assim, os resultados financeiros da empresa irlandesa continuam a ser bastante positivos, com um lucro de 1,3 mil milhões de euros no último ano fiscal, valor próximo do atingido pela Lufthansa (1,2 mil milhões). No caso da Alitalia e da Air Berlin, valores como estes eram vistos como algo utópico, e a sua luta era a de reduzir prejuízos (500 milhões de euros no último ano no caso da Alitalia, e 780 milhões no caso da Air Berlin).

Em comum, além da má prestação financeira ano após ano, as duas empresas tinham a Etihad como accionista. Farta de perder dinheiro após ter apostado em alargar os seus investimentos a outros mercados, numa lógica de crescimento internacional em que seria o ponto de ligação entre a Ásia e a Europa, a transportadora área dos Emirados Árabes Unidos acabou por fechar a torneira de financiamento, deitando por terra a Air Berlin (onde detinha 29% desde 2012, com quase 60% do capital disperso em bolsa) e a Alitalia (49% desde 2014, e onde aplicou 1,7 mil milhões, ao lado do Estado).

Também cansado de injectar dinheiro sem resultados e bloqueado pelas regras europeias no que toca a ajudas de Estado, o governo italiano deitou a toalha ao chão oito mil milhões de euros depois e após ter assistido em Abril ao falhanço de mais um plano de reestruturação, na sequência do chumbo dos trabalhadores.

Erros de gestão, dificuldades em cortar nos custos e responder aos ataques de quota de mercado das low cost nos voos de curto e médio curso ditaram o fim de um ciclo à transportadora italiana. O baixo preço dos combustíveis deu-lhe algum embalo, mas também à concorrência.

No caso da Air Berlin, o jornal alemão Handelsblatt destaca factores, além da concorrência feroz, como a “falta de foco”: tanto se virava para os voos de curta duração como para os de longa duração, nos segmentos de férias ou de negócios.  

Mercado em consolidação

 À Air Berlin e Alitalia juntou-se também a Monarch, companhia área britânica ligada a pacotes de férias (com voos charter). O anúncio do seu fim, no início de Outubro, deixando cerca de 110.000 pessoas em terra, surgiu três anos após ter mudado de mãos, já em dificuldades, da família Mantegazza para ao fundo Greybull Capital. Com o seu modelo de negócio encostado à parede de forma previvísel pelas low cost, a Monarch foi pressionada por dois imprevistos: os ataques terroristas e insegurança em destinos privilegiados como Egipto, Turquia e Tunísia; e o “Brexit”.

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Britânica Monarch não resistou ao trio de ataque formado pela insegurança em mercados como Egipto, concorrência das low cost e desvalorização da libra Reuters/Darren Staples

Com os turistas a optarem por mercados seguros como Espanha e Portugal, houve uma concentração de clientes e rotas que agudizou ainda mais a luta através do preço. Isto num quadro em que o voto favorável à saída do mercado europeu fez descer o valor da libra face à moeda norte-americana, quando o combustível é pago em dólares.   

Os espaços nos aeroportos e as rotas operadas pela Monarch serão rapidamente ocupados pelos concorrentes (como a IAG e a Norwegian), enquanto a Air Berlin e a Alitalia esperam o seu destino final suportadas por empréstimos estatais de curto prazo.

Para António Gomes de Menezes, ex-presidente da SATA e que faz parte do conselho de administração da TAP, existe um denominador comum entre estas três companhias aéreas: o facto de “não terem conseguido adaptar os respectivos modelos de negócios a uma maior competitividade do sector do transporte aéreo na Europa”.

Para este economista, que passou também pela EuroAtlantic e pela suíça PrivatAir, essa maior competitividade “advém, por um lado, do espectacular crescimento dos operadores de baixo custo (Low Cost Carriers ou LCCs), e, por outro, da consolidação e do fortalecimento dos grandes grupos (Lufthansa, Air France – KLM e IAG, que integra a British Airways e Iberia).

Depois de um verão quente para o sector da aviação na Europa, o mercado fica certamente mais concentrado (de acordo com os dados oficiais há 29 transportadoras aéreas licenciadas). E mesmo assim, parece haver espaço para maior consolidação: de acordo com dados recolhidos pelo Financial Times, as seis maiores companhias áreas da Europa, em termos de capacidade de oferta (Ryanair, Easyjet, Turkish Arlines, SAS, Lufthansa e British Airways) dominam 43% do mercado. Já nos Estados Unidos, as seis maiores controlam 90%. Outro dado: há 15 anos, as low cost detinham 9% do mercado, quando hoje o peso supera os 40%.

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“O fenómeno da consolidação é transversal a todo o espaço europeu e é expectável que operadoras independentes sejam absorvidas por grupos maiores”, refere António Menezes, acrescentando que, “casuisticamente”, os reguladores poderão abrandar esse processo.

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