Governo confirma diploma que acusa eléctricas de passarem custos da CESE para os clientes
Esclarecimentos da EDP e da Endesa não chegaram para fazer o secretário de Estado da Energia mudar de ideias. Empresas têm de devolver dinheiro às tarifas.
O Secretário de Estado da Energia confirmou a nulidade de um despacho do anterior Governo com o argumento de que este diploma permitiu à EDP e à Endesa reflectirem os custos com a contribuição extraordinária sobre o sector energético (CESE) e a tarifa social nos seus clientes, em 2016 e 2017. Essa intenção já tinha sido sinalizada por Jorge Seguro Sanches num despacho de Setembro, mas faltava ainda ouvir as empresas.
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O Secretário de Estado da Energia confirmou a nulidade de um despacho do anterior Governo com o argumento de que este diploma permitiu à EDP e à Endesa reflectirem os custos com a contribuição extraordinária sobre o sector energético (CESE) e a tarifa social nos seus clientes, em 2016 e 2017. Essa intenção já tinha sido sinalizada por Jorge Seguro Sanches num despacho de Setembro, mas faltava ainda ouvir as empresas.
Embora o período de audiência prévia já tenha decorrido, as exposições das duas eléctricas não foram suficientes para convencer o Governo, que mantém as acusações e quer que devolvam dinheiro ao sistema eléctrico.
Em Setembro, quando foi publicado o despacho de Seguro Sanches a sinalizar a declaração de nulidade do despacho do seu antecessor, Artur Trindade, fontes conhecedoras do processo disseram ao PÚBLICO que está em causa um valor próximo de 100 milhões de euros.
As empresas contestam a versão do Governo. No caso da Endesa, o presidente da empresa, Nuno Ribeiro da Silva contradisse o Governo, assegurando que “não houve um cêntimo que fosse de repercussão da CESE e da tarifa social nas facturas dos clientes”.
Apesar do despacho de Setembro de Seguro Sanches mencionar a “criação de uma nova contribuição pecuniária para os consumidores”, o presidente da Endesa garante que nunca houve transferência dos encargos “directamente imputados às empresas” para os consumidores, que “nunca tiveram nenhuma linha de custos extra” nas tarifas. E assegurou que “as empresas cumpriram a lei”.
A opinião do actual Governo aparenta ser distinta. No despacho publicado esta terça-feira (mas com data de 10 de Outubro, ou seja, três dias antes de o regulador da energia apresentar a sua proposta tarifária para 2018), o secretário de Estado da Energia confirma mesmo a nulidade do despacho de Trindade (com data de Outubro de 2015) e pede à ERSE que faça as contas ao que as empresas terão a devolver ao sistema eléctrico. No dia 13 de Outubro, quando divulgou a proposta de tarifas para 2018 (uma descida de 0,2%), a ERSE confirmou que os cálculos já incluíam este acerto com a EDP e a Endesa, mas não especificou os montantes.
EDP avalia aprofundadamente
A EDP e a Endesa “apresentaram a suas pronúncias em sede de audiência, a primeira em 27 de Setembro de 2017 e a segunda em 21 e 28 de Setembro de 2017, sem que, contudo, tivessem logrado apresentar argumentos que abalassem os fundamentos daquela manifestada intenção”, revela o secretário de Estado da Energia, a propósito da intenção de declarar a nulidade do despacho do Governo PSD/CDS e pedir à ERSE que abatesse às tarifa pagas pelos consumidores em 2018 os "montantes indevidamente nelas incluídos nos anos anteriores (2016 e 2017)”.
Numa curta declaração, o grupo liderado por António Mexia confirmou que está a estudar o caso: "A EDP foi notificada no dia 17 de Outubro. Já solicitou informação adicional e está a analisar a situação de forma aprofundada”, respondeu a empresa.
O diploma de Seguro Sanches prossegue considerando que as orientações do anterior Governo contrariam “as normas legais que determinam que os custos com as tarifas sociais e com a Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético (CESE) sejam suportados pelos produtores, proibindo a sua repercussão, directa ou indirecta, nas tarifas de uso das redes de transporte, de distribuição ou de outros activos regulados de energia eléctrica” e que permitiram criar uma nova contribuição pecuniária para os consumidores.
“Não só não existia lei que previsse tal contribuição pecuniária, como, pior, existia lei que expressamente a proibia, o que determina a nulidade parcial do Despacho n.º 11566-A/2015, de 3 de Outubro [de Artur Trindade], por força do disposto no artigo 161.º, n.º 2, alínea k), do Código do Procedimento Administrativo”, refere o documento.
"Assim, (…) declaro a nulidade parcial” do referido despacho “e consequentemente, solicito à ERSE que pondere no cálculo da tarifa UGS do próximo ano, a recuperação, em benefício das tarifas pagas pelos consumidores, dos montantes indevidamente nelas incluídas nos anos anteriores (2016 e 2017)”, conclui o despacho de Seguro Sanches.
Empresas falam em isenção
Segundo explicou Nuno Ribeiro da Silva ao PÚBLICO, o que esteve em causa na decisão do anterior Governo foi uma medida para evitar que os produtores tivessem duas vezes custos com a CESE e a tarifa social.
As empresas argumentam que se tratou de uma espécie de isenção e não de um custo que recaiu nos consumidores. A isenção nasceu no âmbito de um decreto-lei de 2014 que criou um novo imposto aos produtores portugueses para equilibrar a balança de encargos no mercado grossista com as centrais espanholas.
Isto assumindo que os produtores espanhóis estavam numa situação concorrencial desfavorável por terem impostos mais elevados e que as empresas portuguesas conseguiam ir à boleia do nível de preços mais elevado induzido pelas concorrentes espanholas, sem ter a mesma estrutura de custos.
Mais tarde, uma portaria de 2015 veio permitir às centrais portuguesas descontarem ao valor desse imposto custos com a CESE e a tarifa social, considerando que esses custos também eram um factor de desvantagem para as empresas portuguesas. E foi esse dinheiro que o Governo autorizou a ERSE a ir buscar às empresas com efeitos retroactivos.