Endesa contradiz Governo: não passámos "um cêntimo" para os consumidores
Ribeiro da Silva diz que as empresas de electricidade não reflectiram "um cêntimo” da taxa da energia e da tarifa social nas facturas dos clientes.
O conteúdo do despacho publicado na semana passada pelo secretário de Estado da Energia causou surpresa e mal-estar no sector eléctrico. O presidente da Endesa, uma das empresas afectadas pelo despacho em que Jorge Seguro Sanches acusou o seu antecessor de ter permitido aos produtores de electricidade repercutir nos consumidores os custos com a tarifa social e a contribuição extraordinária da energia (CESE), não hesita em contradizê-lo: “Não houve um cêntimo que fosse de repercussão da CESE e da tarifa social nas facturas dos clientes”, assegurou Nuno Ribeiro da Silva ao PÚBLICO.
Apesar do despacho mencionar a “criação de uma nova contribuição pecuniária para os consumidores” – e de fontes ligadas ao processo indicarem que o montante relativo a 2015 e 2016 que pesou nas tarifas da luz rondou os 100 milhões de euros – o presidente da Endesa garante que nunca houve transferência dos encargos “directamente imputados às empresas” para os consumidores, que “nunca tiveram nenhuma linha de custos extra” nas tarifas.
“Não houve habilidade nenhuma das empresas, que cumpriram a legislação em vigor”, sublinhou Ribeiro da Silva. Será então a legislação do anterior Governo ilegal, como aponta Seguro Sanches? As empresas (em que se inclui a EDP), que ainda estão dentro do prazo de audiência prévia, terão os seus argumentos alinhados e supõe-se que não fiquem de braços cruzados perante esta medida com efeitos retroactivos. Para já, o argumento é que o despacho de Artur Trindade que agora foi revogado procurou impedir que os produtores tivessem duas vezes custos com a CESE e a tarifa social.
Na prática, ter-se-á tratado de uma espécie de isenção às empresas e não de um custo que recaiu nos consumidores. A isenção nasceu no âmbito de um decreto-lei de 2014 que criou uma nova tarifa aos produtores portugueses para equilibrar a balança de encargos no mercado grossista com as centrais espanholas, que estavam numa situação concorrencial desfavorável por terem impostos mais elevados. Mais tarde, uma portaria de 2015 veio permitir às centrais portuguesas descontarem ao valor dessa tarifa custos com a CESE e a tarifa social. E é esse dinheiro que o Governo espera agora que a ERSE vá buscar às empresas com efeitos retroactivos, de modo a conter os preços da electricidade no próximo ano.
Qual será a leitura da lei que prevalece é algo que ainda é incerto. Certo é o desconforto da Endesa com uma “medida que cria instabilidade legislativa”, e que terá “efeitos em cascata” em toda a economia. Com a “introdução de um novo sobrecusto, as centrais portuguesas vão ficar em desvantagem face às espanholas” e, logo, vão “ficar fora de jogo”, garantiu Ribeiro da Silva. “Nós [Endesa] vamos parar o ciclo combinado [central a gás do Pego]; mas que fique claro que não é uma retaliação, é porque as centrais portuguesas vão perder competitividade na ordem de mérito de despacho [do mercado ibérico] pois as espanholas vão passar a ser mais competitivas”, disse o gestor. “Tínhamos um plano de operação em Portugal, estudámos as repercussões da introdução deste sobrecusto e vemo-nos obrigados a corrigi-lo, porque não vamos estar a produzir para acumular prejuízos”, afiançou.
Com a desqualificação das centrais portuguesas, o país, que tem tido um saldo exportador de electricidade positivo, “vai passar a importar, sobretudo nas horas de ponta, em que o preço é mais elevado”, criticou Ribeiro da Silva. O impacto negativo vai transferir-se também para as tarifas do gás dos clientes domésticos e industriais, garantiu o gestor. Com as centrais a gás a funcionar menos tempo, o consumo também vai diminuir, fazendo com que os custos fixos dos gasodutos tenham de ser repartidos por menos metros cúbicos de gás: “Os clientes domésticos e os industriais vão ter uma factura maior”, sustentou.