Polanski volta a provocar polémica em França

Retrospectiva programada pela Cinemateca motiva indignação de associações feministas.

Foto
Roman Polanski Christian Hartmann

O passado do realizador polaco Roman Polanski, actualmente com 84 anos, está de novo a perturbar a sua vida em França. Desta vez, foi o anúncio da realização de uma retrospectiva na Cinemateca, em Paris, que reacendeu os protestos e a indignação de sectores feministas no país.

A prestigiada instituição cinéfila vai exibir a obra do cineasta entre 30 de Outubro e 3 de Dezembro, chamando a atenção para a “arte visionária” de um autor cuja obra é vista como possuindo “uma unidade paradoxal e profunda”, que “combina o grande espectáculo com a visão pessoal, o interesse pelas inovações técnicas e as explorações psíquicas, derivas pelo fantástico e sentido do detalhe realista” – pode ler-se no comunicado com que a Cinemateca apresenta o programa, que abre com a estreia em Paris do mais recente filme de Polanski, D’Après une Histoire Vraie, que teve a primeira apresentação mundial no último Festival de Cannes e cuja estreia comercial em França está anunciada para 1 de Novembro.

Citada pelo jornal Le Figaro, a associação Politiqu’Elles critica que Polanski seja “colocado num pedestal na Cinemateca Francesa”. E a porta-voz do colectivo, Fatima El Ouasdi, lamenta que “muitos artistas condenados ou presumidos culpados” sejam reabilitados pela sociedade e continuem a ser homenageados. “Pode-se ser um artista brilhante e uma pessoa desumana”, acrescenta.

Outra reacção partiu do colectivo Sexisme sur écrans: “Não colocámos em questão a carreira do cineasta, mas trata-se, apesar de tudo, de uma personagem duvidosa. Incensá-lo nesta altura, em pleno caso Weinstein, é provocatório”, diz esta associação, estabelecendo uma ligação directa com o caso que diariamente tem vindo a suscitar novas revelações de episódios de abusos sexuais praticados por figuras marcantes da indústria do cinema e do showbusiness, entre Hollywood e a Europa.

O próprio Roman Polanski foi também, na última semana, acusado de um novo caso de violação: a artista norte-americana Marianne Barnard, de 52 anos, revelou ao tablóide britânico The Sun ter sido violada pelo realizador em 1975, numa praia em Malibu, Los Angeles, quando, com apenas dez anos, fora aí deixada pela mãe para uma sessão de fotografias com o realizador.

Além das réplicas do caso Weinstein, França vive também com os seus próprios casos, entre os quais o da actriz Julie Delpy, que numa carta enviada na semana passada ao jornal Le Parisien também se queixou de ter sido vítima de assédio sexual quando tinha apenas 13 anos; ou o do produtor do Quebéque Gilbert Rozon, que se demitiu este mês da direcção do festival de humor Juste pour Rire, que fundara nos anos 80, e também do cargo de membro do júri de um programa da televisão francesa dedicado a novos talentos, na sequência de acusações de agressões sexuais; ou ainda a polémica provocada pela recente capa da revista Les Inrockuptibles dedicada ao músico Bertrand Cantat, que em 2003 espancou até à morte a actriz Marie Trintignant, o que motivou inclusivamente um pedido de desculpas público da direcção da publicação pela sua opção editorial.

Sem provocação

Respondendo às críticas das associações feministas e às suas réplicas nas redes sociais, o presidente da Cinemateca Francesa, Frédéric Bonnaud, recusou, em declaração ao Figaro, a existência de qualquer “provocação”. “Não estamos a substituir-nos a nenhuma Justiça. A nossa programação faz-se com um ano de antecedência. Sabíamos que Polanski tinha um novo filme pronto para Cannes. Os grandes cineastas têm direito a uma retrospectiva todos os 12 anos”, acrescentou.

Além da sessão de abertura no dia 30, o programa da abertura da Retrospectiva Polanski deverá contar também com a presença do realizador a 1 de Novembro para a apresentação de Chinatown e, no dia 4, para uma lição de cinema subordinada ao título The Ghost Writer, título de outro dos seus filmes.

O calendário do ciclo inclui ainda a exibição de curtas-metragens do realizador, dois filmes que lhe foram dedicados, My Inspirations (2015), e Roman Polanski: A Film Memoir (2011), ambos assinados por Laurent Bouzereau; e ainda uma "carta-branca" ao cineasta, que escolheu sete longas-metragens, de As Mãos e a Morte (1939), de Lewis Milestone, até 8 ½ (1962), de Federico Fellini.

Recorde-se que no início deste ano Polanski esteve no centro de outra polémica pública em França: em Janeiro, viu-se obrigado a renunciar à presidência da cerimónia de entrega dos Césares, os prémios da indústria cinematográfica francesa, na sequência de idênticos protestos públicos contra a sua indigitação. Paralelamente, o autor de O Pianista, que lhe valeu o Óscar de melhor realizador em 2003, continua a contas com a justiça norte-americana na sequência do processo que lhe foi movido em 1977 pelo caso de abuso sexual da então jovem de 13 anos Samantha Geimer, que o levou a fugir dos EUA, nunca mais tendo regressado ao país onde fez parte relevante da sua filmografia inicial. 

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