Mais um ex-governante e um penalista de renome implicados em pagamentos a Sócrates

Tanto o professor de Coimbra Germano Marques da Silva como o ex-secretário de Estado da Justiça Conde Rodrigues terão fingido prestar serviços no valor de milhares de euros ao Grupo Lena.

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Germano Marques da Silva MANUEL DE ALMEIDA/LUSA

O filho de um antigo ministro socialista e um ex-secretário de Estado também do PS estão implicados no esquema de lavagem de dinheiro protagonizado por José Sócrates, concluiu o Ministério Público, que aponta ainda o dedo ao escritório de advogados do reputado penalista Germano Marques da Silva.

Estas imputações não deram, porém, origem a nenhuma acusação de cometimento de crimes no âmbito da Operação Marquês, nem nos 15 processos autónomos que dela resultaram. O PÚBLICO tentou saber porquê junto da Procuradoria-Geral da República, mas sem sucesso.

De acordo com o despacho final proferido pelo Ministério Público, Germano Marques da Silva, para o qual trabalha a advogada do arguido Carlos Santos Silva, Paula Lourenço, facturou ao Grupo Lena, igualmente suspeito neste processo, 413.895 euros (77.395 dos quais respeitantes a IVA) em troca de serviços jurídicos que nunca prestou às empresas de Leiria.

Conde Rodrigues recebeu 161 mil euros

Da mesma forma, o ex-secretário de Estado da Justiça Conde Rodrigues, que integrou os dois governos liderados por Sócrates, recebeu do Grupo Lena 161 mil euros, tendo chegado a ser investigado por branqueamento de capitais.

“Entre 2012 e 2014 celebrou contratos de prestação de serviços que se indicia serem fictícios. E que justificaram o recebimento de valores relativamente aos quais se indicia que foram pagos pelo arguido José Sócrates por via da XMI [empresa do Grupo Lena] com o intuito de ocultar a sua origem ilícita”, descrevem os procuradores do Departamento Central de Investigação e Acção Penal, no mesmo despacho em que explicam que desta investigação “não resultaram fundadas suspeitas que levassem à sua constituição como arguido, nem indícios suficientes da prática de crime”.

Interrogado pelos procuradores, Conde Rodrigues – que o PÚBLICO tentou, sem sucesso, contactar ao longo dos últimos dois dias – explicou ter sido convidado pelo amigo do ex-primeiro-ministro, Carlos Santos Silva, para prestar consultoria nas áreas jurídico-financeira, fiscal e administrativa, nomeadamente em projectos especiais de investimento de âmbito internacional. Provas desse trabalho, efectuado num período em que o antigo governante era membro do Conselho Superior do Ministério Público, os investigadores não descobriram: os resultados do seu trabalho eram transmitidos verbalmente.

Hoje a trabalhar para a sociedade do antigo bastonário Rogério Alves, o jurista nega ter tido alguma relação de proximidade com José Sócrates, dizendo desconhecer também a sua amizade com Carlos Santos Silva.

Complexo esquema financeiro

O Ministério Público fala num complexo esquema de circulação financeira destinado a ocultar o rasto do dinheiro, que teria numa ponta um corruptor activo, o banqueiro Ricardo Salgado, e na outra um passivo, José Sócrates. Alegadamente também beneficiário dos favores do ex-primeiro-ministro a troco de dinheiro, o Grupo Lena teria um papel central na lavagem das verbas provenientes dos subornos.

“Quanto maior fosse o número de contas pelas quais os fundos fossem passando, mais dissipado e longínguo ficaria o rasto do dinheiro e menores seriam as hipóteses de a sua origem e propriedade ser determinada”, referem os procuradores, segundo os quais foram simulados contratos e montados circuitos de facturação entre a sociedade Lena Engenharia e Construções e as firmas Motupróprio e Germano Marques da Silva com o objectivo de justificar pagamentos no interesse dos arguidos José Sócrates e Carlos Santos Silva.

Tal como sucedeu com Conde Rodrigues, também não foi possível entrar em contacto com Germano Marques da Silva para obter explicações da sua parte para estes contratos.

“Os arguidos pretendiam obstar ao manifesto fiscal desses fundos em Portugal pelos verdadeiros beneficiários dos mesmos”, deduz o Departamento Central de Investigação e Acção Penal. As quantias facturadas pelo escritório do penalista “foram disponibilizadas pelo Grupo Lena para serem utilizadas no interesse de José Sócrates (…) através de pagamentos à sociedade Germano Marques da Silva”.

Tendo no seu objecto social a prestação de “serviços de consultoria de alta direcção” a Motupróprio pertencia a um filho do ex-ministro e deputado José Lello, histórico socialista que morreu no ano passado. Miguel Lello cobrou ao Grupo Lena, um dos seus escassos clientes, perto de 30 mil euros por seis meses de trabalho, apesar de, segundo o Ministério Público, nunca ter para isso desenvolvido qualquer trabalho. Mais tarde ainda havia de usar uma segunda empresa para o mesmo efeito, refere a acusação da Operação Marquês.

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