Infraestruturas de Portugal quer fechar linha do Douro para obras

Objectivo é fazer as obras sem a limitação da passagem dos comboios, mas autarcas e operadores turísticos receiam impacto negativo na procura.

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evr Enric Vives-Rubio

Para resolver de vez o problema da modernização do troço entre Caíde e Marco de Canavezes, cujas obras se arrastam desde 2015, a Infra-estruturas de Portugal (antiga Refer) quer fechar a linha naquele troço durante três meses para poder trabalhar sem os condicionalismos da passagem dos comboios.

O problema é que, embora sejam só 16 quilómetros que fecham, a linha do Douro tem ainda mais 111 quilómetros que se prolongam até à Régua e Pocinho, que ficam assim desligados do Porto e da rede ferroviária nacional. E mesmo que sejam assegurados transbordos rodoviários aos comboios para o Douro interior, o impacto na procura é sempre negativo porque implica para os passageiros mudarem duas vezes: primeiro do comboio para o autocarro e depois do autocarro para o comboio.

Outro problema é o acesso às oficinas de manutenção por parte da frota da CP que ficará “fechada” entre Marco de Canavezes e Pocinho, sem ligação às instalações da EMEF em Contumil (Porto). 

Contactada pelo PÚBLICO, a CP, que oficialmente ainda não foi informada pela Infra-estruturas de Portugal sobre este assunto, não quis comentar.

Já o presidente da Câmara da Régua, José Manuel Gonçalves, que nesta sexta-feira tomou posse, nas suas primeiras declarações públicas mostrou-se preocupado com a possibilidade de a região ficar sem ligações directas ao Porto e disse que iria já na segunda-feira marcar uma reunião com a IP e levar o assunto à Comunidade Intermunicipal do Douro.

“Lamento que não tenha sido dado conhecimento aos autarcas desta intenção que, segundo parece, é para a IP a forma mais fácil de resolver os problemas, mas isto tem implicações muito sérias”, disse. Uma delas é que, depois de reabrir a linha, é difícil recuperar o mercado que entretanto se perdeu.

“Além disso, pela experiência que tenho naquilo que vejo das obras ferroviárias, os prazos nunca são cumpridos e os três meses podem ser um ano”.
Outra preocupação do autarca é com o impacto no turismo pois a época baixa no Douro é cada vez mais curta e há mais gente a querer viajar no comboio por motivos de lazer. 

Idênticas preocupações têm os operadores dos cruzeiros fluviais que contam com a via-férrea para os seus pacotes turísticos na região. Matilde Costa, porta-voz das empresas Barcadouro, Rota do Douro, e Tomaz do Douro, teme que esta interrupção – que está prevista para os meses de Inverno – resvale para a Primavera, que é quando iniciam os cruzeiros.

“É muito mau se isso vier a acontecer pois assim não sabemos quando podemos avançar com o material promocional para a próxima época”, disse ao PÚBLICO, lamentando que nem a Infra-estruturas de Portugal nem a CP lhes comuniquem estas alterações. 

“O pior disto tudo é a incerteza. Já estamos habituados a gerir a incerteza, mas esta é mais uma que pode ter impacto negativo porque as pessoas gostam muito da parte do comboio nos programas turísticos”.

Alberto Pereira, presidente da Câmara de Mesão Frio é peremptório: “estou cem por cento contra!”. E adverte que, a ser implementada a solução do fecho da linha, deverá ser assegurado transbordo a todos os comboios que existem do Marco ao Pocinho, sem que se reduza a oferta. Mas espera que as obras não sejam feitas com a linha interrompida “porque o Douro está a ter uma procura turística como nunca e essa solução seria muito má, tanto para os turistas como para as populações”.

O autarca diz que as obras na ferrovia devem é ser feitas nas horas mortas a fim de que os comboios continuem a circular, mantendo-se a linha aberta na sua totalidade. 
A procura na linha do Douro tem vindo a aumentar, em grande parte justificada pelo boom turístico. Em 2014 a CP transportou 737 mil passageiros neste corredor, número que subiu para 818 mil em 2015 e para 838 mil no ano passado. As estimativas para este ano apontam para um novo recorde de viagens e de número de passageiros.

Fechar linhas para obras é moda recente 

É só no século XXI que se generaliza o fecho de linhas por motivo de obras. Foi o caso da linha de Évora em 2010 e da linha da Beira Baixa, entre Castelo Branco e Covilhã, também por essa altura.

Nos 160 anos do caminho-de-ferro as obras na rede ferroviária foram sempre feitas de forma a não perturbar a circulação dos comboios, aproveitando-se os períodos da noite ou os fins-de-semana. Tal exigia um planeamento minucioso da obra por forma a rentabilizar ao máximo os períodos de tempo em que a linha estava interdita. Por vezes construíam-se linhas desviadas provisórias para nelas fazer passar os comboios enquanto se trabalhava na que estava a ser modernizada.

Esse know-how e esse imperativo de que a circulação ferroviária não deve ser afectada desapareceu quando passou a haver um gestor de infra-estrutura com mais peso do que o operador, o qual acaba por aceitar as decisões de quem “manda” na linha. 

A nova abordagem é mais financeira: faz-se as contas ao pagamento do transbordo rodoviário e indemniza-se o operador por não poder circular. Mas ignora-se que depois de uma linha fechada, é mais difícil recuperar os volumes de tráfego que antes existiam.

Mas a história recente em Portugal mostra que também houve linhas que fecharam e entraram em obras e acabaram por não reabrir: o troço Covilhã – Guarda na linha da Beira Baixa e o ramal de Lousã.

Fechar as linhas permite ao gestor da infra-estrutura aligeirar o planeamento, e aos empreiteiros trabalharem sem restrições motivadas pela circulação dos comboios. Mas nem por isso se trabalha 24 horas por dia. Nesta moda recente – de que é excepção as obras no túnel do Rossio quando este esteve fechado - os trabalhos decorrem só nas horas de expediente e sem aproveitar os fins-de-semana e feriados. Sai mais barato.

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