O novo boutique hotel do Porto é mais um miradouro sobre o rio

Ocupa um edifício austero do tempo do Estado Novo na Rua da Restauração. O Torel Avantgarde esconde uma varanda onde apetece ficar a ver o Douro e 47 quartos dedicados a artistas portugueses e do mundo.

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Nelson Garrido

A porta é esculpida em madeira e imponente, aberta para uma recepção onde tudo é em grande escala, mas o edifício que ocupa o número 336 da Rua da Restauração é austero: linhas rectas, nada de floreados, janelas contidas, uma cor pálida, traços da arquitectura do Estado Novo. O Torel Avantgarde passa despercebido a quem percorre esta que é uma das ruas do Porto com melhor vista sobre o Douro, onde praticamente tudo está à distância de uma subida ou descida íngreme.

Conseguimos imaginar a vista que nos espera do outro lado, mas não deixa de impressionar. Por muitos miradouros (cada vez menos) secretos ou varandas em casas de amigos que nos possamos gabar de conhecer ou ter, o postal idílico que são as curvas do Douro é imbatível. Mas já vamos atravessar o piso térreo do novo boutique hotel da cidade, de portas abertas desde o início de Setembro.

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Nelson Garrido

Primeiro é preciso fazer o check in e saber qual dos 47 quartos disponíveis nos calhou em sorte; são todos diferentes, tendo em comum o facto de se dedicarem a um artista, português ou estrangeiro. Com a chave — que mais parece a de um automóvel — do quarto Amadeo de Souza-Cardoso na mão, esbarramos no elemento decorativo mais controverso do hotel. Na sala de espera ao lado da recepção, rodeada de candeeiros e vasos em tamanho XL, uma bandeira portuguesa salta à vista: é um tapete XXL, fabricada pela empresa de Espinho Ferreira de Sá, pousado sobre o chão de madeira. “É o que os hóspedes mais comentam, muito elogiado e muito criticado ao mesmo tempo”, revela o director do Torel Avantgarde, Francisco Lorite. “Há gente que acha fantástico. Em culturas como a inglesa ou a norte-americana, a bandeira está por todo o lado”, diz o espanhol. Mas também não faltam detractores, alegando que um símbolo nacional não pode estar no chão ou ser pisado. Será mais uma questão de gosto pessoal ou de discussão sobre símbolos?

Seguimos em busca do rio adivinhado, passando pelo elevador envidraçado, voltado para a vizinha Casa do Vinho Verde, e por uma sala de paredes e tecto cobertos por flores, sofás baixos vermelhos. É o espaço “que mais choca com o resto do hotel”, admite Lorite, mas foi essa a ideia — “quebrar com tudo”. Depois do bar, o restaurante Digby e estamos quase na varanda que as fotografias partilhadas na Internet nos prometeram. Sir Kenelm Digby — diplomata e gastrónomo inglês membro da corte privada do rei Carlos I de Inglaterra, no século XVII — é considerado “o inventor da moderna garrafa de vinho” e o nome do restaurante é um tributo a mais este artista. O formato, a resistência e o vidro esverdeado translúcido que ainda hoje caracterizam as garrafas de vinho são características pensadas pela figura inglesa. É também por isso que as garrafas estão por toda a parte no Digby, centenas delas.

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Aqui, apenas as portas envidraçadas nos separam da grande varanda que contorna o restaurante e onde é possível tomar uma bebida ou fazer uma refeição. De smartphone na mão, não faltam turistas à procura do ângulo perfeito para aquela fotografia de fazer inveja aos amigos. A verdade é que não é difícil, aqui: o final de tarde de final de Verão está mesmo a pedir aquele vídeo panorâmico. Lá está Vila Nova de Gaia, o Douro e os muitos barcos de passeios turísticos, uma pontinha do edifício da Alfândega do Porto e uma horta composta num terreno vizinho. No andar inferior, uma pequena piscina e um jacuzzi, rodeados de árvores e espreguiçadeiras que mais parecem sofás pousados na relva e, adivinharam, vista para o rio.

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Por muito que apetecesse “viver naquela varanda”, como se ouve na mesa ao lado, o quarto que é uma homenagem a Amadeo de Souza-Cardoso espera-nos. A iluminação é indirecta, a zona da casa de banho tem um banco de veludo verde e ao lado de um confortável sofá de cores quentes, um retrato de Amadeo ocupa grande parte da parede. Em cima da mesa de centro, um livro de colecção sobre a vida e a obra do artista português, recentemente exposta no Porto e em Lisboa. Uma parede espelhada divide as zonas de estar e de dormir e esconde duas televisões, uma voltada para o sofá e outra para as duas camas. Com paredes escuras e cortinas grossas que correm para marcar os dois espaços, o quarto tem uma dimensão generosa, confortável e com todas as comodidades de um hotel cinco estrelas: bebidas e pequenos snacks em frascos de vidro, máquina de café expresso, guarda-chuvas dentro do armário, chinelos e roupões imaculados, wi-fi sem falhas.

Uma curta noite de sono depois, é tempo de experimentar o Spa Balsamea. Tomada a decisão — bem fácil, por sinal — de ignorar as salas do ginásio e do banho turco, ficamos entregues às mãos da terapeuta Aline. A lista de massagens e tratamentos é extensa, desde programas de relaxamento a terapêuticas voltadas para quem faz desporto. O pack escolhido foi o “Tranquility Rosto e Corpo”. São 90 minutos de massagem e tratamentos de pele daqueles que deixam qualquer um bem-disposto e relaxado.

Fica apenas a faltar o pequeno-almoço, um buffet completíssimo servido no bar. Vários tipos de pão, bolos, donuts, croissants, queijos e enchidos, compotas, fruta, sumos e pratos quentes preenchem o balcão alto (e ao domingo há brunch). Uma dica final: mesmo que o dia não esteja particularmente sorridente, vale a pena pegar no prato e na chávena de café e ocupar uma das mesas da varanda. As cadeiras têm almofadas como as lá de casa. Não há pressa.

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Nelson Garrido

A Fugas esteve alojada a convite do Torel Avantgarde

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