Com tango, mas sem tangas: belas carnes

As carnes argentinas e os seus afamados cortes juntam-se a outras especialidades das Pampas. No Belos Aires, a cozinha sul-americana não é só para atrair turistas.

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Nelson Garrido

A onda turística tem disseminado pelo Porto múltiplos restaurantes e bares, muitas vezes sem conceito definido e até mais baseados num plano de marketing ou comunicacional. Alguns chavões, umas frases bem estudadas e uma pitada de imaginação e aí temos mais uma retumbante novidade “gourmet” ou “gastronómica”. Tudo tanga, tal como dizem os portuenses na sua sagaz e incisiva maneira de expressar.

Nascido há pouco mais de dois anos, e também filho da torrente turística, o Belos Aires está, no entanto, longe de tangas e baseia-se antes num conceito gastronómico assente na fama e qualidade das carnes argentinas. São quatro cortes da divulgada arte das Pampas para as carnes bovinas com os quais Maurício Ghiglione, o cozinheiro e proprietário, nos afaga agora os estômagos.

Também ele chegou como uma espécie de turista — se bem que pela mão da namorada —, mas agora a história é outra. A par das carnes grelhadas, outras especialidades e alguns vinhos argentinos, também o tango está sempre como música de fundo neste restaurante. Daí que bem se possa dizer que há belas carnes, com tango, mas sem tangas!

Com formação nas artes culinárias, Maurício enamorou-se também pela cidade e depois de alguns empregos como cozinheiro, ele e a mulher (que deixou as deambulações aéreas como assistente de bordo) decidiram que era tempo de enveredar por um projecto turístico, que inclui o restaurante e alojamento local.

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Nelson Garrido

Fica na Rua de Belomonte, onde as sombras e as seculares fachadas concorrem com o peso da história, num edifício esguio que foi pacientemente recuperado de alto a baixo com cuidado e gosto. À porta dupla com um degrau no intervalo segue-se um banco corrido agarrado à parede granítica a par do qual se alinha a fila de mesas que se alonga para lá da esquina pela parede de fundo.

Umas quatro dezenas de lugares que se preenchem com regularidade e a aconselhar marcação antecipada. Escasseia a luz natural, a decoração combina o moderno e o retro a compor um ambiente de tendência jovem e elegante. Baixela correcta e na mesma linha, se bem que sobre toalhas rendadas de material plástico, cuja cor escura acaba por acentuar a sensação de pouca luminosidade.

A par dos quatro cortes de “carnes argentinas no grill” — “ojo de bife”, “bife de chorizo”, “colita de cuadril” e “lomo” (17/25€) —, a carta oferece também “ossobuco estufado” (15€) e “lombinhos [de porco] com boletos” (17€). Há também uma meia dúzia de “entradas” (2/12€), três “saladas” (8/9€), outros tantos pratos de “peixe” — garoupa, atum com abóbora assada, de lombo de bacalhau com broa —(17/18€), e cinco “sobremesas” (5/6,50€).

A carta de vinhos é criteriosa, com base no Douro e nos da Argentina, aos quais se juntam alguns Verdes, do Alentejo e espumantes.

A par do pão em três variedades, o “couvert” (2,50€/pax) inclui ainda umas tostinhas de pão com alho, azeite (excelente, da Casa Anadia) e um mimo do chef. No caso, um interessante croquete de risotto (com farinha de aveia) que foi servido sobre cama de espinafres salteados e, no topo, vagem de ervilha e um pouco de maionese. O chef, que simpaticamente circula pelas mesas explicando ingredientes e conceito, diz que é uma forma de ir testando a reacção a novos sabores. Este pode subir já à lista e enriquecer o menu.

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Nas entradas, testaram-se as “empanadas típicas argentinas” (2€/unidade de tamanho avantajado), tendo sido especialmente apreciada a que levava recheio de frango com azeitonas e pimento. Interessante também a de espinafres, enquanto a de carne (picada) se mostrou demasiado marcada (sabor e aroma) pela presença de cominhos.

Na versão mais portuguesa, uma bem interessante, as “lascas de bacalhau com cebola assada, batata e ovos caseiros” (8€). Lascas do dito, seco e salgado como é de lei, intercalada com rodela de batata frita numa cama de tapenade de azeitonas e meia cebola assada em cada topo. Destoava apenas o ovo cozido, em gomos, pelo contraste frio com os restantes elementos.

Provou-se também o “mbeju de mandioca e queijo” (6€), uma espécie, gigante e achatada, dos pãezinhos de queijo brasileiros. Neste caso com as variedades gouda e mozzarella, mas a mostrar-se claramente excessivo como entrada. Apesar da bem executada vinagreta com tomate e pimento que o cobria.

Quanto às carnes, no “ossobuco estufado” (15€) a qualidade da carne, o tutano e os tagliatelli caseiros não mereciam tanto queijo a ofuscar-lhes o sabor, enquanto os dois bifes provados mostraram mesmo a qualidade de que são feitos os cortes argentinos.

No “bife do chorizo” (22€), o mais famoso, a carne macia tem uma gordura envolvente que lhe reforça o sabor. Além de tenro, há um balanço entre textura e sabor que o fazem delicioso. Mais rosado, de textura marmorizada, com sucos e gorduras a concentrarem-se no centro, o “ojo de bife” (20€) é mais aveludado e envolvente na boca.

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Nelson Garrido

Por comparação aos nossos talhos, dir-se-á que o “chorizo” vem da alcatra ou lombo alto; o “ojo de bife” do acém; a “colita de quadril” (17€) do pojadouro; e o “lomo” (25€) do lombo.

As porções, em quantidade que, não sendo excessivas, são generosas, chegaram à mesa laminadas e acolitadas por dois molhos com os quais não quisemos perturbar os sabores excelsos das carnes.

Como acompanhamentos, uma inexpressiva polenta e alguns gomos de batata, incluindo doce, que pareceram ter sido cozidos antes de passar pelo forno. Nem é que fossem maus, mas é claro que carnes desta qualidade e sabor exigem coisa bem menos banal ou burocrática.

Nas sobremesas, muito boa aceitação para o copo com “creme de coco e amêndoas crocantes” (5€) e os “pastelitos de marmelo com calda de vinho do Porto e gelado de queijo serrano” (6€).

O serviço é cordial e competente e o tango como música de fundo reforça a satisfação e o ambiente convidativo. Sem tangas e com belas carnes.

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