Beck quer muito ser nosso amigo
O melhor Beck destacava-se pela visão inesperada, este Beck desilude por querer ser muito correcto, muito prestável, muito agradável para toda a gente.
Há três anos, quando editou Morning Phase, clássico tardio e sequência admirável do ainda mais admirável Sea Change, Beck dizia ao Ípsilon que ao longo dos anos sempre sempre se sentiu à parte. Até concedia que, provavelmente, encaixava melhor que nunca nesta época de todas as músicas e de todos tempos a coexistirem em simultâneo, ainda assim, não esquecia que, que nos anos 1990, a década do seu grande fulgor criativo, era visto como “uma aberração” – palavras dele.
Três anos depois destas declarações, quando temos nos ouvidos Colors, o seu décimo segundo álbum, damos por nós a pensar que melhor seria que Beck não tivesse encaixado nunca e que ser considerado “uma aberração” é, na verdade, um grande elogio. Porque este Beck upbeat, pop mais pop não há (assim foi pensado o disco), todo sorriso aberto e cintilante e sem sinais da ironia que era componente importante da sua identidade criativa, soa a um Beck a menos – ele deve andar por aqui, que a voz não engana, mas temos dificuldade em encontrá-lo nestas canções preparadas para encaixar nos vários tipos de “pop” para as massas disponíveis nos topes por esse mundo fora.
O problema não está, obviamente, em querer chegar a todos, e não se funda no facto de Beck se mostrar atento àquilo que é o mainstream destes tempos – há tanta má música no underground como no dito mainstream, como há por lá tanta música boa como matéria que podemos classificar como aberração, desta vez com intenções insultuosas. O problema está no facto de este disco de parto muito prolongado (o primeiro single, Dreams, foi editado em 2015), gravado com o produtor Greg Kurstin (Adele, Sia Lilly Allen), ser tão certinho e tão correcto na forma como segue a fórmula adequada a cada uma das canções que, terminados os dez temas que o compõem, sobra uma sensação de irrelevância. O novo álbum não acrescenta nada ao percurso de Beck e também não acrescenta canções ao cancioneiro global.
As cores de Colors são garridas como as da publicidade que promete a felicidade ao humano consumidor (tudo para impressionar os olhos de quem vê), cruzada com refrões apoiados em coros que, em vez de enriquecerem a melodia principal, se limitam a reforçá-la para efeito épico – se se proporcionar o encaixe algures de um falsete, melhor ainda. As cores de Colors são o leve filtro electrónico encafuado em arremedo de ginga funk que é menos o Beck de Midnite Vultures e mais os Maroon 5 a tentarem, e a falharem, uma versão dos INXS (falamos de Dreams) e são a alusão à produção hip hop contemporânea de Wow, sem outro propósito que mostrar que Beck continua homem atento.
Há uma actualização dos Police para o século XXI (“No distraction”), que serve para confirmar que os Police estão muito bem onde quer que estejam e que não precisam de actualização, e há um arremedo Beatlesco, guiado por pianada McCartney (Dear life), que se perde no refrão, demasiado ansioso por nos abraçar como velhos conhecidos quando, na verdade, não o conhecemos de lado nenhum.
É um mal de que enferma grande parte do disco: quer muito ser o nosso melhor amigo, o companheiro predilecto para festa de sábado à noite, o tipo sempre sorridente e sempre feliz que quer muito espalhar felicidade por todos os que estão à sua volta. Acontece que ninguém pode estar tão feliz, tão luminoso, tão cheio de vontade de abraçar toda a gente o tempo todo - e o tipo que é abraçado pela 15ª vez em uma hora desconfia. Algum tempo depois, irá tentar evitar o ser radioso quando voltar a encontrá-lo. Algum tempo depois disso, alguém perguntará, “Lembras-te do Colors?”, e esse alguém receberá como resposta uma expressão intrigada: “Quem?”.