O meu amigo bombeiro

Não sou de emoções fáceis, mas o choro dele desperta o meu. Pergunta-me como pode isto acontecer quatro meses depois de Pedrógão Grande. Não tenho respostas para lhe dar

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Rafael Marchante/Reuters

Tenho um amigo que é bombeiro. Nunca vivi nenhum incêndio como ele, mas através dele já vivi muitos. Não sou de emoções fáceis, mas o choro dele desperta o meu. Quando me conta como foi ver dois velhotes abraçados a chorar com tudo a arder à sua volta ou quando me conta que só comeu porque alguém lhe ofereceu uma perna de frango e batatas fritas e me pergunta onde estão as cantinas dos militares. Pergunta-me onde estão os meios para dar seguimento ao alerta vermelho que foi emitido. Pergunta-me como pode isto acontecer quatro meses depois de Pedrógão Grande. Não tenho respostas para lhe dar. Faço as mesmas perguntas, com menos dor, mas também não sei como pode tudo isto ser possível.

É ao mesmo tempo um grande homem e um homem grande que quebra porque os dos fatos continuam sentados atrás das suas secretárias a emitir juízos de valor, enquanto uns se sacrificam para que outros não fiquem sem nada. Entretanto a conversa endurece e discutimos como todos os partidos aproveitam para fazer política enquanto pessoas perdem vidas, bens, empregos e o ânimo, tudo devorado pelo fogo. Enquanto Portugal arde, o país luta por demitir uma ministra. A ministra sai mas o ministério fica igual. E com ele o Governo. E não interessa se é este, o próximo ou o anterior. São todos iguais, pelo menos nisto. Isto é um problema estrutural tanto como é um problema de falta de assumir responsabilidade e de quem se esconde nos cargos do poder não saber o que é não estar lá. Talvez nem queiram saber.

O meu amigo é bombeiro há duas décadas e eu fico a pensar porque não sou eu bombeiro também. Porque fico ainda impotente a assistir a um país ser devorado pelas chamas, ano após ano. Porque não faço nada sobre isso? Entretanto decretos lei a favorecer os eucaliptais passam no Parlamento, os terrenos não são limpos. Os incendiários à solta e continuam a faltar condições para que homens, que na sua maioria são voluntários, se arrisquem e sejam abandonados à sua sorte pelo Governo e autarquias. Sim, porque as autarquias também têm culpa. Querem falar de guerra? Esta é a nossa guerra, diz o meu amigo bombeiro.


Mas já nada disso interessa, porque os bombeiros voltaram a casa, agora chove e muita gente ficou com o sentimento de missão cumprida quando a ministra se demitiu. Até ao próximo ano.

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