Mais um relatório a arrasar a Protecção Civil

O Governo pediu a Xavier Viegas que investigasse a tragédia e as conclusões são claras: muito podia ter sido evitado, até algumas mortes. Mas o Estado falhou demais – e o incêndio ficará na história.

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Adriano Miranda

Foi logo no início da tragédia que o Governo pediu a Xavier Viegas, especialista em fogos florestais, que investigasse no terreno o que se tinha passado. Três meses depois, o professor da Universidade de Coimbra entregou o relatório ao MAI – e este só traz más notícias para a ministra da Administração Interna, Constança Urbano de Sousa: a Protecção Civil falhou em larga escala e essas falhas podem ter custado vidas.

A síntese executiva começa pela causa – e logo desmente a PJ e aponta o dedo à EDP: “O incêndio mais grave resultou das ignições de Escalos Fundeiros e de Regadas, que, em nosso parecer, terão sido causados por contactos entre a vegetação e uma linha elétrica de média tensão. Esta situação configura, em nossa opinião uma deficiente gestão de combustíveis na faixa de protecção da linha, por parte da entidade gestora.”

E depois não hesita na crítica à gestão do combate pela Protecção Civil. Desde o início da ocorrência: “No ataque inicial ao foco de Escalos Fundeiros foi desde logo reconhecido o seu potencial para se vir a tornar um grande incêndio, mas os meios disponíveis e o seu comandamento não se mostraram suficientes para controlar o incêndio”, anota Xavier Viegas. E não foi só por haver outros fogos ao mesmo tempo que a Protecção Civil falhou: também “a falta de perceção da sua importância, nos vários escalões de decisão, levou a que não fossem utilizados mais recursos, nomeadamente mais meios aéreos pesados, no seu combate”. E, assim, “a reacção ao agravamento da situação foi claramente tardia”, anota o relatório.

Mas a lista de falhas do comando não acaba aqui. Diz o especialista contratado pela ministra da Administração Interna:

  • “O incêndio de Regadas foi menosprezado, tendo até à junção com o incêndio de Escalos Fundeiros apenas um meio pesado de combate terrestre dedicado. Não há registo oficial deste incêndio, que foi de grande relevância e várias entidades desconheciam até a sua existência.”
  • A coordenação das operações, que incluía o socorro às vítimas e o combate ao incêndio, foi claramente afectada, após as 22h00, quando se tomou conhecimento da existência de um grande número de vítimas mortais. Não foi prejudicado apenas o combate, como também o socorro às vítimas feridas. Não foi feita uma operação de busca e salvamento em larga escala – em condições muito difíceis – para ir junto dos feridos e levá-los para locais onde pudessem ser tratados. Estamos convencidos de que se poderiam ter evitado algumas mortes e muito sofrimento aos feridos, se este socorro tivesse sido mais pronto e mais bem organizado.”

Mas há mais problemas identificados. Desde logo, o do SIRESP, que “teve uma falha geral em toda a região, por limitações inerentes aos sistemas, por sobrecarga de utilizadores, ou ainda por deficiente utilização de alguns dos sistemas”. Essa falha do sistema de comunicações “terá contribuído para a falta de coordenação dos serviços de combate e de socorro, para a dificuldade de pedido de socorro por parte das populações e para o agravamento das consequências do incêndio”.

Os municípios também não saem ilesos (“Pedrógão Grande e de Castanheira de Pêra não dispunham de planos validados, o que inibiu estas entidades de receberem financiamento durante os últimos anos, para promoverem ações de prevenção”). A falta de limpeza da envolvente das estradas “permitiu que muitas pessoas fossem colhidas em plena fuga”. A prestação de apoio psicológico e socorro médico e hospitalar também teve “deficiências que importa estudar melhor”, mostrando que “a situação do país na prestação de socorro a doentes queimados graves, embora tenha melhorado grandemente nos últimos anos, é ainda insuficiente para acidentes desta escala”.

Investigação sobre vítimas prossegue

Xavier Viegas não deixa de assinalar a “autêntica tempestade de fogo” que percorreu aquela área “entre as 20h00 e as 21h30”, que tornou “o combate directo ao incêndio impraticável e perigoso”. Nessa altura, quando a maior parte das mortes se deu, foi “a dificuldade com as comunicações” que tornou ainda mais complicado um comando eficaz. 

A verdade é que esse conjunto de circunstâncias levou ao pânico na população que estava naquelas aldeias. “Devido às caraterísticas pouco usuais do comportamento do incêndio, devido à falta de meios de socorro junto das casas, da falta de energia eléctrica, de água e comunicações, gerou-se uma fuga das pessoas, que procuraram ir para locais seguros, mas a grande escala deste fenómeno tornou os locais seguros muito distantes e o fogo interrompeu o trajecto que estas pessoas seguiam. A progressão muito rápida do incêndio colheu várias pessoas de surpresa nas mais variadas direcções para que tentaram fugir.”

A equipa coordenada pelo investigador ainda não terminou a sua investigação, no que respeita às vítimas – sobretudo no que respeita às que acabaram por morrer nas suas casas: “Apenas quatro das 65 vítimas deste incêndio perderam a vida dentro de casa, em situações que estamos a investigar. Todas elas tinham algum tipo de problema de mobilidade ou saúde. Verificou-se que para a larga maioria das vítimas, e mesmo para outras pessoas que sobreviveram à exposição ao fogo enquanto fugiam, a permanência em casa teria sido a opção mais segura.”

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