O alfarrabista João Soares ainda aguarda pelo futuro, depois de ter sido verbalmente informado de que teria de abandonar a livraria que mantém de portas abertas há 20 anos, no número 40 da Rua das Flores, no Porto. Depois de a sua história ter chegado aos jornais, os apoios têm chegado, um de cada vez: primeiro foi a vereadora eleita pela CDU, Ilda Figueiredo, que por lá passou, depois foi alguém da Porto Vivo – Sociedade de Reabilitação Urbana (SRU) que lhe telefonou, a informá-lo que talvez tivesse uma loja que lhe interessasse, como alternativa ao espaço que hoje ocupa. Esta segunda-feira foi Manuel Pizarro, acompanhado de outros vereadores, deputados municipais e deputados socialistas na Assembleia da República, que apareceu, a oferecer ajuda. O prédio, esse, continua à venda.

João Soares é claro: “Se conseguisse ficar neste sítio, tanto melhor”, diz. Mas não fecha portas. E, por isso, esta terça-feira deverá ir visitar uma loja na Rua dos Mercadores que a SRU diz que poderá acolhê-lo e aos cerca de "sete, oito mil livros" que possui. “Disseram-me que há alguns marginais na zona, mas os marginais também sabem ler, não é?”, diz o alfarrabista de 72 anos ao PÚBLICO. O que João Soares não quer é ser remetido para um local onde não passe gente. Porque, diz, até se encontram espaços “magníficos” pelo Porto, só que em locais “onde não passa vivalma”. E isso, garante, não lhe interessa. Interessar, interessar era ficar ali, porta aberta para a Rua das Flores, hoje transformada num verdadeiro estaleiro de obras, tantos são os edifícios a ser reabilitadas e os veículos pesados de apoio às obras estacionados na artéria pedonal.

Só que isso, neste momento, parece difícil. Em Agosto, João Soares foi avisado, verbalmente, que teria que sair porque o prédio seria vendido. Ele os moradores do edifício – uma viúva e um casal com dois filhos, já que os outros inquilinos são herdeiros do prédio e têm, por isso, interesse no negócio, explica. Queriam dar-lhe 60 dias para sair, mas conseguiu negociar a permanência até ao final do ano. “A única coisa que tenho por escrito é um e-mail em que me oferecem 50 mil euros de indemnização para sair”, diz.

O letreiro de venda é bem visível. A imobiliária Novak deixou um telemóvel para quem estiver interessado na compra do edifício. Na página da internet da empresa, o preço do edifício não é revelado, ao contrário do que se passa com todos os outros imóveis ali anunciados. Tão pouco Paulo Costa, da Novak, revela ao PÚBLICO o valor que está a ser pedido pelo prédio que, garante, “está em negociação”. A venda não está fechada e as negociações com os actuais inquilinos estão “em fase adiantada” e mais não diz, além de deixar uma garantia: “Tudo depende de tudo e nada é feito se não se chegar a acordo”.

Horas antes, João Soares já dizia que não sabia se o edifício estava vendido, mas desconfiava que a intenção dos proprietários era ter o prédio devoluto, para tornar a transacção mais fácil e mais apetecível. Diz que ouvira falar em valores de venda na ordem dos 1,2 milhões de euros, mas sem confirmação.

Esta segunda-feira, Manuel Pizarro e os colegas socialistas foram dizer-lhe que talvez exista algo que os poderes públicos possam fazer pela livraria. O socialista prometeu inquirir o presidente da Câmara do Porto, Rui Moreira, sobre se fora suscitado à autarquia o exercício do direito de preferência na aquisição do imóvel e ofereceu ao alfarrabista ajuda para que este possa requerer a protecção conferida pela classificação do espaço como Loja Histórica. Duas medidas que podiam mudar o curso da história, acredita. Isto, apesar de a livraria não existir há 25 anos – como prevê a lei – e muito menos há 50, como estipula o regulamento camarário do programa Porto de Tradição.

O trunfo de João Soares, argumentou Pizarro, é que ele adquiriu a sociedade comercial que funciona naquele local desde 1930, apesar de os produtos vendidos terem variado ao longo dos anos. O resto, como defendeu o deputado Tiago Barbosa Ribeiro, é “bom senso”. “Ou queremos o Porto cheio de hamburguerias tradicionais de há seis meses ou não. Corremos o risco de fecharem os espaços verdadeiramente tradicionais todos aqui na rua”, disse. Pizarro concluiu o raciocínio: “É preciso que a Câmara do Porto seja proactiva e verdadeiramente interessada nestas questões”. Para o socialista “faz pouco sentido que uma rua seja reabilitada para que os moradores sejam expulsos” e a solução, defende, só pode mesmo passar “pela intervenção do município”.

O PÚBLICO questionou a Câmara do Porto sobre este processo, mas, até ao momento, não obteve resposta.