Montanha russa
Entre o jazz, a clássica e a improvisação, o vencedor da 2ª edição do Prémio de Composição Bernardo Sassetti apresenta uma música complexa e arrojada.
Primeiro fez-se notar com o grupo The Rite of Trio. O baterista e compositor Pedro Melo Alves (Porto, 1991) começou por liderar esse trio de jazz esquizofrénico que já apresentou um disco de título estranho editado pelo Carimbo Porta-Jazz (Getting All the Evil of the Piston Collar!, 2015), deu alguns concertos memoráveis (incluindo uma actuação em Nova Iorque) e promete não se ficar por aí.
Agora, Melo Alves aventurou-se num projecto mais complexo. Ao leme de um septeto constituído por jovens músicos, candidatou-se à 2ª edição do Prémio de Composição Bernardo Sassetti, apresentando três composições originais e dois arranjos de temas de Sassetti. O júri (Mário Laginha, Carlos Azevedo e Carlos Martins) deu-lhe o prémio e resultado directo é a edição deste disco. Pedro Melo Alves (bateria) lidera aqui um ensemble onde tem a companhia de José Soares (saxofone alto), Gileno Santana (trompete), Xavi Sousa (trombone), Mané Fernandes (guitarra eléctrica), José Diogo Martins (piano) e Filipe Louro (contrabaixo) — todos músicos ligados à cena jazz do Porto, o contrabaixista é também colega no grupo The Rite of Trio.
As três composições originais assentam numa mescla de clássica e improvisação, sem fugir a uma matriz jazz. Os temas são longos e revelam uma rara complexidade, a escrita combina múltiplos ambientes dentro do mesmo tema, alternando entre momentos muito estruturados, trabalhados na solidez colectiva, mas também momentos abertos à improvisação. A massa sonora dos sopros alimenta a grandiosidade da estrutura das composições. Individualmente, destaca-se sobretudo a guitarra elétrica de Mané Fernandes, abusando dos pedais de efeitos nos momentos a solo. A música é geralmente caracterizada por momentos de tensão, energia e alta intensidade, entre uníssonos, crescendos e quebras, numa espécie “montanha russa” musical.
São dois os temas de Sassetti aqui retrabalhados: Reflexos, Movimento Circular (do disco Motion) e Da Noite (da obra-prima Ascent). Os arranjos do primeiro tema mantêm a estrutura, aquela essência melódica, mas são acrescentadas outras cores, Melo Alves serve-se bem da diversidade de recursos que o septeto permite para fazer daquela base a sua música. Para fechar o disco fica guardada a interpretação da composição Da noite, numa versão minimal, lenta e contemplativa, contrastando com a riqueza harmónica (e enérgica) que caracteriza o disco. Esta opção acentua a toada elegíaca do original, soando a perfeita despedida.
A originalidade e excelência da composição de Pedro Melo Alves, aliada à qualidade interpretativa do grupo, faz deste registo um notável marco para o jazz português, uma referência para a música contemporânea de horizontes largos, música arrojada, aberta e aventureira.