PT entregou ao Grupo Espírito Santo mais de 8,4 mil milhões de euros

Contabilidade é feita pelo Ministério Público para mostrar a importância do controlo da PT por parte do ex-banqueiro Ricardo Salgado, que acusa de ter corrompido José Sócrates e os gestores de topo da operadora.

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Bava e Granadeiro: o MP sustenta que ambos terão recebido milhões em “luvas” de Ricardo Salgado Pedro Cunha/Arquivo

Os negócios do Grupo Espírito Santo (GES) com a Portugal Telecom (PT) foram escrutinados ao milímetro pelos procuradores do Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP), que concluíram que aquela operadora de telecomunicações entregou ao grupo familiar mais de 8,4 mil milhões de euros entre 2001 e 2014. O valor astronómico equivale a cerca de 4,5% do PIB nacional.

A informação, recolhida no âmbito de um inquérito ligado ao colapso do BES/GES, foi utilizada pelos procuradores da Operação Marquês para mostrarem a importância do controlo da PT por parte do ex-banqueiro Ricardo Salgado, que acusam de ter corrompido o antigo primeiro-ministro José Sócrates e os gestores de topo da operadora Henrique Granadeiro e Zeinal Bava. O objectivo, assegura o Ministério Público, era que todos favorecessem o grupo liderado por Salgado, que durante anos foi conhecido como “Dono Disto Tudo”.

Na acusação lê-se que em pouco mais de uma década o banco chefiado por Ricardo Salgado recebeu da PT mais de 8,4 mil milhões de euros, a “título de pagamentos por serviços prestados, de recebimento de dividendos e de disponibilidade financeira por via da concentração no BES das aplicações de tesouraria”. Isto numa época em que a operadora de telecomunicações foi liderada por Miguel Horta Costa, Henrique Granadeiro e Zeinal Bava.

Segundo a acusação, estes dois últimos gestores terão recebido juntos mais de 45 milhões de euros em “luvas” pagas por Salgado para favorecerem o Grupo Espírito Santos muitas vezes em detrimento dos interesses da própria operadora de telecomunicações.

O documento assinado por sete procuradores divulga os detalhes (com verbas específicas e datas de ocorrência) que expõem a ligação entre os dois grupos, na altura gigantes da economia portuguesa – por exemplo, entre 2006 e 2014, em termos agregados, o GES facturou à Portugal Telecom 244 milhões de euros. E entre 2001 e 2014 o BESI e o BESI Brasil cobraram, entre outras coisas, por serviços de consultoria, assessoria financeira e emissão e colocação de dívida um total de 46,9 milhões de euros. Deste montante, 9,5 milhões de euros foram facturados no Brasil.

Para o Ministério Público, a dimensão dos montantes envolvidos dá a fotografia de como a administração da PT se deixou capturar pelos interesses de um dos seus grandes accionistas, o banco chefiado por Ricardo Salgado, que, apesar do poder, apenas controlava directamente 8,3% da operadora. E expõe um relacionamento de “abutre” que ajuda a compreender por que razão o grupo familiar não se podia desconectar da operadora de telecomunicações.

Foi o que aconteceu a 6 de Fevereiro de 2006, quando Ricardo Salgado se mostrou como o rosto da oposição à OPA lançada pela Sonae (proprietária do PÚBLICO) à PT. Nessa actuação  não surgiu sozinho (foi buscar a Ongoing e Joe Berardo), mas alinhado com a administração da operadora, que contratou o BESI para ser assessor financeiro. O banco de investimento dirigido por José Maria Ricciardi cobrou à PT 12 milhões de euros (incluídos nos 46,9 milhões acima referidos). E da leitura do processo fica a saber-se ainda que os dois presidentes da PT, Henrique Granadeiro e Zeinal Bava, terão actuado ao lado do BES mediante “a promessa de pagamentos de avultadas quantias em dinheiro”.

Estes foram alguns dos factos apresentados pelo MP para justificar por que razão Ricardo Salgado se muniu de todos os meios para derrubar a OPA da Sonae. E por todos os meios as autoridades avançam que foi nessa altura que o banqueiro começou a corromper o então primeiro-ministro, José Sócrates.

É que, alegam, depois de numa primeira fase ter, directamente e através de Mário Lino, o seu ministro das Obras Públicas, contactado o chairman da PT, Ernâni Lopes, para solicitar que não considerasse a OPA da Sonae hostil, José Sócrates mudou de campo. E deu orientações à Caixa Geral de Depósitos, também accionista da PT, para “votar contra a desblindagem dos estatutos”, a condição de sucesso da oferta de Paulo Azevedo. A pirueta do ex-primeiro-ministro teve por base “um acordo” celebrado entre Sócrates e Salgado, que se comprometeu a pagar-lhe “seis milhões de euros através de uma conta bancária titulada pelo primo José Paulo Sousa [tio da filha de Hélder Bataglia, da Escom, o homem que propiciou os movimentos financeiros].”

À medida que os investigadores foram desenrolando o fio à meada, Ricardo Salgado, que só foi constituído arguido na Operação Marquês em Janeiro deste ano, tornou-se o corruptor mais importante do processo. A reviravolta começa a ser esboçada em Setembro de 2015, quando Paulo Azevedo, presidente da Sonae, foi chamado ao gabinete do procurador Rosário Teixeira para prestar depoimento, na qualidade de testemunha.

Nos dias que antecederam a ida ao Departamento Central de Investigação e Acção Penal, DCIAP, Azevedo reuniu a equipa que nove anos antes estivera envolvida na OPA da Sonae de mais de uma vintena de quadros. E foi o que lhe permitiu aparecer a Rosário Teixeira com os pormenores, as datas e as circunstâncias-chave que rodearam a oferta. Tal veio reforçar os indícios existentes de falta de seriedade de José Sócrates e virar o destino do inquérito até aí centrado nas conexões do ex-primeiro-ministro com o grupo Lena.

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