“Neste momento os partidos têm todo o poder e os cidadãos nenhum”
A politóloga Marina Costa Lobo é uma das organizadoras de um seminário hoje em Lisboa onde se debaterá a reforma do sistema eleitoral português. Será o voto preferencial a solução para aproximar eleitores e eleitos?
Marina Costa Lobo é uma das organizadoras do seminário Sistema Eleitoral Português: Problemas e Soluções, organizado pelo Institute of Public Policy – Thomas Jefferson-Correia da Serra e que acontece hoje em Lisboa. Com alguns constrangimentos por estar no estrangeiro no dia em que esta entrevista foi feita, a politóloga disse ao PÚBLICO, por email, que gostava que, no fim da discussão, se tivesse dado mais um passo no sentido da reforma de um sistema eleitoral a que reconhece virtudes mas que está longe de favorecer a relação dos cidadãos com a política.
No seminário de que é uma das organizadoras vai debater-se o sistema eleitoral português. Que problemas identifica?
O sistema eleitoral português tem virtudes: é suficientemente proporcional para permitir a representação alargada de diversos partidos no Parlamento. Ao mesmo tempo que consegue reproduzir bastante bem a diversidade ideológica dos portugueses, não produz uma representação tão fragmentada que impeça o aparecimento de governos estáveis. Dito isto, embora o sistema cumpra estes objectivos fundamentais, também é verdade que o sistema eleitoral falha na criação de uma relação mais directa entre eleitores e eleitos, na medida em que votamos em listas, em vez de candidatos. De facto, Portugal é um dos poucos países europeus que não permite um voto nos candidatos a deputados pelos cidadãos. Na maior parte dos países da União Europeia é permitida alguma expressão das preferências dos eleitores. Isso não acontece em Portugal — aqui, os partidos têm o monopólio da escolha dos candidatos a deputados. Penso que isso tem de mudar, e propusemos [através do voto preferencial] uma forma de o fazer sem colocar em causa nem a proporcionalidade da representação parlamentar, nem a estabilidade do governo.
Quais as possíveis soluções?
A solução mais vezes proposta para aumentar a proximidade entre cidadãos e eleitos tem sido a introdução de um modelo que combine deputados eleitos de forma proporcional com outros eleitos de forma uninominal (isto é, em círculos onde se elege apenas um deputado). Assim, a parte proporcional garante a representação diversificada parlamentar e a parte uninominal garante a relação de proximidade entre eleitor e eleito. Acontece que, em Portugal, a fórmula d'Hondt utilizada no nosso sistema eleitoral está inscrita na Constituição. Não se pode alterar o sistema eleitoral de forma aprofundada — no sentido acima proposto — sem uma revisão constitucional aprovada por uma maioria dos deputados, e esse consenso não existe. Na proposta que elaborámos para o Institute of Public Policy – Thomas Jefferson-Correia da Serra propomos a introdução do voto preferencial, o que significaria que os cidadãos votariam num candidato da lista ordenada pelos partidos. Através de uma sondagem à boca das urnas verificámos que, mesmo em círculos como Lisboa, os cidadãos são capazes de votar em candidatos. Esta solução mantém a fórmula d'Hondt e, por isso, não implica uma revisão constitucional, e quebra o monopólio dos partidos na escolha dos deputados à Assembleia da República. Pensamos que isto é salutar do ponto de vista da relação entre cidadãos e partidos — neste momento os partidos têm todo o poder, e os cidadãos nenhum. Embora não creia que esta medida seja naturalmente suficiente para acabar com a abstenção para Portugal, estou convencida que, dando responsabilidade aos cidadãos, contribuímos para diminuir a distância entre eleitores e eleitos, o que pode aumentar a opinião sobre a democracia.
Devia haver uma reforma do sistema eleitoral?
Sim. Em grande medida, a insatisfação dos cidadãos com a política tem razões económicas, mas também é explicada pela forma como os cidadãos vêm as nossas instituições. A falta de convergência com a Europa e a austeridade recente explicam muito do descontentamento, mas a forma como os partidos se têm blindado nas instituições também é uma fonte de ressentimento. A proposta que fazemos obriga os partidos a ouvirem mais os cidadãos na hora de escolher os deputados.
Algum descontentamento dos cidadãos em relação à política terá a ver com esses problemas do sistema eleitoral?
A reforma do sistema eleitoral não será uma panaceia para resolver a insatisfação com a democracia, nem a abstenção. Mas seria sem dúvida uma forma de demonstrar a maturidade da relação do poder político com a sociedade, reconhecendo um papel maior aos cidadãos para escolherem os candidatos.
Por que razão é difícil chegar a um consenso? Nem na política, nem na academia...
Julgo, apesar de tudo, que existe um consenso maior na academia do que na política. Penso que os académicos convergem para um modelo misto, do tipo alemão, embora possam divergir nos detalhes. Os políticos não fazem uma reforma do sistema eleitoral, pois foram eleitos com este sistema, e temem alterar as regras do jogo e perder com isso. No entanto, julgo que também se converge para a ideia de que o afastamento dos cidadãos em relação à política é um dos grandes falhanços do sistema político português.
Que nomes destacaria entre os que vão marcar presença no seminário e contribuir para a reflexão?
Carmen Ortega, a maior especialista do voto preferencial na Europa, virá ao Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa apresentar as vantagens e desvantagens de dar aos cidadãos a possibilidade de escolher os candidatos nas listas partidárias. Pedro Riera, professor de Ciência Política na Universidad Carlos III de Madrid, especialista em sistemas eleitorais, irá apresentar o estado do debate sobre a reforma do sistema eleitoral em Espanha. Teremos André Freire, Conceição Pequito e eu a apresentar propostas sobre reforma do sistema eleitoral e as melhores soluções para a reforma do sistema eleitoral em Portugal. De seguida, convidámos um conjunto de políticos que se interessam pelo tema e que são representativos da diversidade ideológica em Portugal para nos darem a sua perspectiva sobre problemas e soluções para a reforma do sistema eleitoral em Portugal.